domingo, 30 de março de 2014

Menina multicolor

É tudo muito efêmero
O bonde, o bloco, o dia
O canto, a voz, a cria

É tudo muito efêmero
É tudo inconstante
Hoje feliz e saltitante
Amanhã seria

É tudo passageiro
É pouco lisonjeiro
Cabreiro

A menina ontem sorri
A menina era linda como a dor
A menina hoje já não tem mais cor

Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 29 de março de 2014

Corpos

Alguns corpos são engraçados
Algumas roupas em alguns corpos

Algumas casas são estranhas
Alguns cheiros em algumas casas

Alguns móveis em algumas salas.


Marina Cangussu F. Salomão

Eros uma vez

E foi-se entardecendo em minha janela
O céu agregou a si um tom cinza
De pós-verão, de pós-chuva
Talvez o tom mais lindo de se ver em olhos
E mais raro.
E junto da cor foi aquietando-se o vento
O bambu e as falas
E inundou uma quietude
De baixo grau de desvairamento
Tudo lindo e calmo.
Mais parecia Eros invadindo as redondezas
E o centro
Invadindo a alma daquele cenário e a minha
Entornando o dia e a vida.

E como anoitece bonito por aqui
Pensou o Eros em mim
Concluindo que iria ficar.

Marina Cangussu F. Salomão

Falocracia

Falo
E peito erguido:
Pois falo alto
Falo grande
Falo grosso
Falo fino
E falo pouco
Falo curto
Falo, menino
Pois falo torto
E falo reto
Falo direto:
Falo Não
À esta cracia
De dores e mordomia
Pois falarei, 
Sempre falo.

Marina Cangussu F. Salomão

Passível

Esteve a ponto de transbordar-se de inconstância
Mais parecia vazia nesse terremoto redondo.

Esteve a ponto de encharcar-se, anuviar-se
Mais parecia perdida no jamaisvu.

Sempre tão rodeada de preconceitos malditos
Sempre tão rodopiante os caminhos transversos
Sempre desnorteado e transloucado, passível e passivo

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 16 de março de 2014

Chama saudade

Chama saudade
Ver estes teus olhos bonitos
Brilharem de tentação
Em meu contorno

Chama saudade
Abraçar-te docilmente
Enquanto nas costas 
Vão as malas de retorno

Chama saudade
Perder-te quando se vai
E ganhar-te quando te cato

Chama saudade
Toda essa prova
E a hora em frente o retrato

Mas só te peço, por favor
Não chame a saudade
Pois dela já me embebedo seja o dia que for...


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 12 de março de 2014

Milharal

Algumas coisas que vejo são tão lindas 
Que faço poema com os olhos.

Corvos no milharal - Van Gogh

Como aquele fundo de quintal de todos os meus dias.
Perdido e esquecido entre tijolos e cimentos
E tantas janelas seguindo-o na vertical 
Altas e reunidas
E nelas tantas vidas, agitações e mortes:
Hospitais têm disso de morrer vagaroso numa esperança medonha.
Mas o mais tocante é que bem lá no meio, 
No centro daqueles miríades de castelos de concreto puro sonho, 
De aberturas vizinhas desconhecidas no corpo e no prédio
Havia um quintal. 
Havia um milharal. 
Completo e indiferente ao mundo. 
Vencido entre cascalhos e rascunhos, 
Ele crescia lindo e verde. 
Repleto de frutos amarelos
Gordos, como bonecas.
Uma coleção em um grão
Soberano e impercebido.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 9 de março de 2014

Tupi

Para Ísis Caldeira Prates

Você é puro amor, 
Minha querida.
Puro ardor na ferida.

Você é meio rasante
Como alguns pássaros
Aqueles que se chocam contra muros
Para recrudescer


Você é meio louca nas partes
Com um inteiro solto 
A florescer

Você é mitológica de primazia
Com origens em céu e em mar
Veio de guerras e traições que jazia
Do estado inato de amar

Você é inquieta e perdida
Poeta da vida
De curvas a atordoar
Você é esse lado bom dos risos
O que ficou das tribos
Aquelas que se doaram
Para encantar


Você é solta
Índia cabocla
Rouca de tanto gritar


Marina Cangussu F. Salomão

Sobrenadante

Queria ser feliz como alguns desses meus inspiradores
Esses de risos fáceis e soltos
Sempre sinceros, pouco afoitos
Que não necessitam remos ou braçadas
Simplesmente deixam os sorrisos passarem sossegados

Marina Cangussu F. Salomão

Cronometragem das sucessões

Essa vida é meio maluca
Às vezes a solidão
Outras vem é confusão

E já me cansei de falar de tempo
Mas é estranho a cronometragem das sucessões
Podia ser mesmo é tudo rimado
Armado o circo
Porém até nele tem o palhaço, o globo, o fim

Essa vida é mesmo maluca
Meia que risos falsos
Abraços pela metade
Até chegar o momento que já nem se sabe o que vai ficar
Antes era tudo para sempre
Hoje até o momento chegar

Alguns podiam nunca passar.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 7 de março de 2014

Valores

No final da tarde as contas de tudo:
Contas do colar e do terço
Contas da casa, as contas do berço
Contas da menstruação, contagem dos dias
As contas da padaria.
Dei conta da conversa,
Da sublevação
Dos filhos, do marido e do irmão
Contas das calcinhas, da água e do sutiã
Contas de trabalho e do afã.

No final da tarde dei conta de tudo:
Todas as cobranças da vida.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 6 de março de 2014

Mãe, queri(d)a:

Queria poder dizer que eu me lembro do teu colo 
Quando veio a primeira morte
Queria poder dizer que lembro de tuas mãos cheirando alho  
Enquanto eu vomitava a vida
Queria poder dizer que me lembro de teus ouvidos atentos 
Na volta da escola 
Queria poder dizer do meu desespero na minha primeira semana 
Longe de ti
Queria poder dizer que me lembro de teu toque 
Quando eu não te queria
Queria poder dizer que você era a única que podia me salvar 
De meus medos
Queria poder dizer que me lembro do que disse sobre a minha 
Primeira poesia

                      *  *  *

Queria poder dizer que quis ser todo o seu melhor
E busquei sempre seu arredor

Eu queria que soubesse o que aprendi nos livros que me deu
O que vi no suor que era teu

Queria que soubesse que eu queria ser como você
que eu tenho medo de te perder

Eu queria que você soubesse que eu te admiro muito

                      *  *  *

Queria poder dizer os desejados "Eu entendo"
Queria poder amar-te como nossa necessidade demanda
Queria poder dizer a explicação de meus gritos:
Queria poder te fazer entender que tudo é por amor
Queria que compreendesse essa dor conjunta de nós duas
Queria que soubesse mesmo o quanto eu te amo

Queria que soubesse que eu te cuidarei
E que por mim tuas dores viriam nas minhas mãos 
Enquanto te acaricio.

Queria poder dizer que tens o melhor abraço
O mais protetor.


Marina Cangussu F. Salomão