sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Segunda carta

As tuas algemas continuam apertando meus punhos presos às minhas costas. As mesmas algemas que vão trancafiadas à tua farda, moldando-te exteriormente nessa armadura de robô.

E eu nunca fui capaz de fugir desse laço reluzente, que a mim, mais parecia um ponta de faca colada em meu caminho: cada passo para a distância seria um passo à profundidade de meu corpo e dor. 

Mas talvez eu deveria ter-nos ferido com essa lâmina. Apenas para que morrêssemos rápido. Antes que te jogastes do penhasco de tua estrada e junto, as tuas algemas e tudo que a nela se prende. E te sentistes culpado nesse teu céu conturbado.

Eu sei, quisestes nos matar muitas vezes. Nos anular. Ou melhor, aniquilar, pois essa é uma palavra mais forte. Mas eu, como parte intrínseca tua, sempre quis muito viver. Mesmo que apenas tenha sobrevivido todo esse tempo.

Mas o que quero te dizer, antes que pules dessa tua altura mínima de horror, é que nada foi culpa tua. E estará tudo redimido quando compreenderdes todos os passos que se talharam nas amnésias de teu álcool.

E mesmo que meu desejo envolva teu pulo, para que eu possa me libertar finalmente. Eu nunca vou conseguir deixar o teu amor e continuarei presa a ti. Mesmo que de súbito passe pela minha mente que eu te empurre. Porque sei que não gostas de ser agente, tu foges do sujeito de teu verbo. Enquanto eu multiplico as ações em adjetivos e advérbios. E, afinal, há tanto tempo estou te matando, que me atrevo a chamar de suicídio, pois empurrando-te: me jogo grudada.

Pois, na verdade, viemos com os mesmos defeitos de morte. Os mesmos desejos de sangue e dor, por nunca permitirmos a cicatrização de tantas feridas. 

E até a dignidade nos padece nesses segundos de terror, pois não nos permitimos o direito de mãos para proteger o rosto. Para que assim, percamos toda essa identidade que nunca existiu. E que prefere morrer a se libertar. 

Éramos livres. Mas nunca nos recordamos: tu a perder-te e eu a viver sem quem nunca me deixou existir.


Marina Cangussu F. Salomão

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