sexta-feira, 8 de julho de 2016

Ela descobria o seu desapego

Ela descobria o seu desapego:
A amiga perguntava "se você quer ir embora de onde mora e não quer voltar para de onde vem, para onde você quer ir então?"
Ela respondeu "eu não sei". Talvez eu venha para cá - como venho agora te visitar, por um ou dois anos, não muito mais que isso.
Talvez.
Agora já lhe vão quase 10 anos no mesmo lugar e antes disso lhe foram outros 15.
Mas nada nunca lhe apeteceu. E sempre lhe fora latente essa ânsia de sair.
Mas para onde ir? Era a pergunta de agora. E fora a pergunta não questionada muitas vezes antes.
E de onde lhe vinha esse espírito cigano? Sabia menos ainda: nada de costume ou justificativa. Vinha de ascendentes sedentários e televisivos. Nunca lhe ocorrera influência.
Entretanto, sabia bem e se lembrava de todas as chuvas que lhe percorreram a vida e os barcos que desenhava e construía para se colocar dentro e mandar junto na correnteza. Mas ela nunca cabia. 
Porém ela sempre soube que um dia iria.
Ir para onde? Tanto faz, o mundo é muito grande. Contando que parta, só importa ir.
Talvez um dia eu pare por outros 10 anos (eles passam rápidos se você deixar), pelos filhos... Só porque para eles é bom ter um lugar que é seu.

Assim ela descobriu que não tinha apego com amigos, família, com lugar. E se algum homem a quisesse, que a seguisse ou lhe oferecesse um plano de ida (não um anel brilhante).
Ela tinha raízes, era certo. Só não queria um lugar para ficar. Não queria enraizar-se.
O mundo chamava aquela alma de "macho" (era o que diziam lá em sua terra). Então macho seria, dizia ela. Não tinha medo de vazio (desculpe a ironia).
O vazio fazia bem, fazia espaço. Trazia leveza. Não deixava peso.

Acho que no fundo ela tinha era medo dos pesares da vida.
A distância romantiza as coisas.


Marina Cangussu F. Salomão





"I think if she'd been born a man, she would have spent her life sailing away somewhere, like her grandfather, always coming back here, perching for a moment, then off again... Always bringing back presents for the people she loved, or objects of remembrance, filling the tiny space here with acknowledgements that there is a world out there.
[...]
I think she hated being a woman. I think she hated living to turn over her independence to someone else. She escaped inside her head, and of course in her boat."

Jennifer Johnston (1991) - The Invisible Worm

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