Por que eu não posso te tocar Como todos os amantes Como todos os falantes Como passarinho Por que eu não posso te ter Em meus braços Em meu sorriso Nos meus lábios Por que eu não posso te ver Sem a janela Só com vela E nada mais
O mundo dentro É tão intenso É tão imenso Que razoavelmente Faz sair O mundo dentro Menino sedento Se faz rabugento No canto Do desencanto Do mundo sem santo De puro estranhento
O tempo suspendeu-se Retundo e abaulado Pelo o que o relógio diz ser segundo Pelo que o mundo diz terceiro Parou estático quieto No segundo de terceiros No quarto estágio de seu batimento Deu-me uma brecha Fundou entre nós um espaço Fincou entre os mims uma flecha Esburacou meu pedaço
É estranha essa vida de pedaços Que se recheiam mutuamente em varal sem laços E já nem sabe-se mais o que pendura no esquecimento Ou se pendura detrás dos tantos muros de arrependimento Mas em algum segundo todos os pedaços desfilarão Um a um sem norma ou sequência de padrão Apenas sorriem como se delicados Ou debocham mal encarados E terá de vê-los com olhos, almas ou cores E terá de tocá-los mesmo sem dispersores Pois terá de senti-los mesmo com dores
Se vim antes dos ponteiros badalarem Por que ainda pergunto as horas de meu pulso de pouca precisão E desde pequeno preciso saber onde se encaixam os ponteiros de cada segundo em vão E preciso saber também das epopeias, anedotas, onomatopeias, colmeias A rima que for E preciso do ar para me refazer do tato da fala do fato do mato Como quiser compor E preciso de ouvidos para deleitar-me seguro No impuro, duro deste arpoador Já os olhos são eles que precisam de mim Em sua vida autônoma, louca e confusa Sem direito à rima e à dor No final, acho que tudo em mim é loucura Bem feitura Desatadura Retrato caído e estendido Reconstruído nesta amargura Pois só pode ser loucura Tanta beleza.
Quem iria num dia de mormaço Caminhar por onde eu passo Assim sem mais ou menos Quem iria neste terreno ter certeza De ser pleno onde quer que seja Mesmo que ameno o intuito inverso Quem faria em qualquer praça Bem no meio de massas Cenas de palhaço: Lá no mormaço do primeiro verso
E por que a vida não ser simplesmente Um parque verde em dia de mormaço Grama. Brinquedo. Crianças. Passantes. Cachorros. Palhaços. Por que não ser naturalmente Uma meditação em banco singelo Casas. Aromas. Chinelo. Não ser um tempo em vão Um amor com vazão Dessas a que se quer voltar...
Nunca sei por onde piso E talvez o melhor seria não pisar Já que sou cega nesse chão amanhecido Olhos cegos de poesia Mas a arte é uma cria Que impulsiona passos Que cria rastros E pouco mais que vida Então sigo interrogando Desconstruindo Pisando E fluindo pelo labirinto
Fale-me de poesias Ou daquelas cantorias Mas fale-me Do tédio, de teu pouco remédio Do amor que me tinhas Fale. Grite Faça-me escutá-lo Peça-me para derrotá-lo Discorra. Prenda-me em masmorra. Enquanto descerei meu corpo Por todo o gramado Este aqui mal amado Derreterei-me neste verde Que sempre foi meu E que é completamente eu. E veja se voltarei.
Sinta menina Tudo deixar de ser-se Abandonar-se em pequenas partículas Tudo se desfazer Sinta Pois já é carne Tronco Ponte e raiz. Sinta que já não é mais nada além de tudo.
As vezes me questiono se aquelas letras iniciantes rabiscadas Algum dia sonharam ou pelo menos relampearam o que se tornariam Se como menina pequena deslumbrei um não ser rainha ou princesa Nem ter muita delicadeza no divagar sobre a verdade. Porque era tão doce aquela menina Tão sutil e pequenina Que os vestidos rodados eram seus sonhos Os bordados, os recados. E amores. E de súbito: continuam os vestidos, assim soltos, sem tato. E continuam os amores, que hoje são fatos. Resta saber dos restos.. Mas não importa quem eu era e quem eu sou Já que tenho mil estórias justificadas por onde a vida debruçou Eu quero é quem eu era naquele futuro do pretérito Quem eu seria Se algum dia adormeceria no decrépito
Ela veio Linda e suave Tocando-me a face Ora rude ora macia Acariciando-me a pele Anunciando a existência. Traz-me as lágrimas Que há tanto se pendiam nas pálpebras Precipitadas pelo vento. Ela apareceu-me Desta vez exalando orvalho seco Cheiro de mato. Junto a ela passam algumas ilustres figuras de alma: Um casal esbranquiçado e seus dois amigos Um olhar vazio e meio perdido Boas tardes e assovios E tantas bicicletas. Mas finalmente veio Embalar-me junto a uma folha de pequenos rastejantes pretos Meio felpudos Como a grama e suas cores salpicadas. Ela chegou Em dia longo de pouco sol Depois da ponte Ao som do encontro de águas Em um banco tão simples quanto ela mesma Com algum lodo e parafusos grandes Madeira grossa Como se plantado ao chão Unido a todas as raízes. E foi isso o que ela veio me falar.