quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Vizinhos

O louquinho redundecera-se 
Em seus gritos roucos de céu

Pobre liberdade encrustada
Indissolvível por solventes

Surdo de mundos perdidos
Enquadrava-se imperfeito

O louquinho entristecera-se
Em exposições duras

Desligava-se cruzado
Em realidade indevida

Inaceito pelos triângulos
Sem cantos de seu espaço

O louquinho perdera-se
Em seu fingimento fajuto

Rico de dizeres intransponíveis
Das barreiras dos remates

Duros de soltura livre
Amargados pelos domínios

O louquinho morrera-se
No único caminho

Marina Cangussu F. Salomão

Exórdio

Ficaram alguns poemas inacabados
Algumas canções sem retorno
Gritos sem eco

Mas ficaram sem redundância ou cansaço
Se aquietaram apenas,
Sem espaço de improviso

Fim da sede dos sedentos
Dos pobres de acalento
Embarulhados
Amordaçados nos cubículos 
De seus próprios pesos

Fim do desespero
Entregue à leveza e só

Ao ser leve em ser
Não se sabe o que

Pois a ela implica o verbo
Não o nome

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Sensilidade e soltura

As pernas deram para andar solas
Enquanto o corpo fica retido 
Empreguiçado na cama

Nem uma ruiva vontade
Poucos pensamentos
Raros livros

Foram longas as debruçadas rimas
Os esforçados compostos de verbalizar

Agora nem mais sorrisos
Nem derradeiros solilóquios
Nem colóquio ou coloquial

Talvez colonial desejo
Aquele de quimera
Os exórdios de outrora

A mesma terra, o continente
Os sonhos que me davam paz
Distantes e latentes

Latejantes em meu cantar distante
Empedrejar insuficiente


Marina Cangussu F. Salomão


Homem morto

O rosto puro em suas rugas profundas sem expressão
A pele queimada e repuxada
Olhos cerrados
Boca entreaberta
Pescoço rígido
Ombros presos
Peito estático
Mãos unidas em braços dobrados e contraídos
Abdome globoso e só
Sexo comum
Pernas retas e unidas. Duras
Firme
Gélido
Lá estava  seu corpo inteiro de meia idade
De histórias inteiras
Um corpo morto que dormia
Mas talvez já tivesse morrido 
Muito antes da impressão que passava.

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Ociotopia

Dúvidas vão recheando-me
Complicando os passos simples dos ditados
Copiados letra-por-letra
Uniformizados
Desde a infância às primeiras aulas


Marina Cangussu F. Salomão

Horas

Estive poetizando a vida
Tagarelando o sono
Obstruindo a ferida

Estive gritando o dano
Segurando as perdas
Tropeçando o cano

Estive louca, destemida
Estive perdida
De mim.

Marina Cangussu F. Salomão

Vir vestida de vento

Deixe a chuva vir
Com suas torrentes e ignorâncias
Deixe vir pesada
Desabada

Deixe vir me ver


Marina Cangussu F. Salomão

Catarse

Quando eu crescesse
Queria ser poeta
Queria ser gente
Contente

Eu queria o amor
Eu queria o tempo
Queria olhares
Contentamento

Eu queria falas
Queria instantes
Eu queria toques
Queria amantes

Eu queria solos
Queria o chão
Queria cigarras
Compreensão

Eu queria você
E o que é vão
Queria as dores
Da mansidão

Eu queria segundos
Eu queria horas
Queria chuvas
Queria floras

Eu queria ser vespa
Queria encanto
Queria luxúria
Queria pranto

Eu queria demais os sentimentos

Marina Cangussu F. Salomão
A diferença é que tenho coragem de ser ruim.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Estátua

Deprimem-me os dias de sol sem alegria
As noites frescas de muito sono
O copo vazio sem ser enchido
A brevidade do silêncio nos olhos de boca

Deprime-me a vida passante
Os próprios passantes
E a estátua.

Marina Cangussu F. Salomão

Fantasmas

Entram pela janela
Assobiando seu canto
Espalhando-se por toda parte

Invadem
Destroem com suas canções tristes
Rememoram as notícias que retornam
Junto a seu suspiro

Entram...
E entram sempre pela tarde
Quando as janelas se abrem e o sol se põe
Quando os olhos se rebaixam tristes
Cansados de mendigarem todo um dia
À procura de outros ruídos
Que ocupem o espaço desse medo
Que vem branco e sufocante invadir o quarto inteiro
Único e solo
Escuro e quieto

Marina Cangussu F. Salomão

Vida

Em mendigar incessante
Repugnante
E triste.

Marina Cangussu F. Salomão

Torta

A porta está tão quadrada
Tão cerrada
Tão disposta
Que se torna espessa a passagem

Marina Cangussu F. Salomão
  dois
c
o
l
o
s
  distantes 
            f
            o
            r
            m
            a
            m
   um solo

Marina Cangussu F. Salomão

Eu de cá invejando-te

Eu de cá
Vejo grande à minha volta
Você: nem segundos
E nem rota

Eu imersa em palavras
Sem significação
Você envolto ao travesseiro
Na cama, no colchão

Eu requieta no tempo
Vastidão
Você em casa
Sem ação

Marina Cangussu F. Salomão

Epifan (tas) ia

Dizia-se de leveza
De corridas e abraços

Dizia-se de afetos
Tardes, estardalhaços

Dizia-se dos curtos
Dos longos, do criar

Dizia-se da loucura
Aventura, consolidar

E dizia-se do tempo
Do movimentar lento
Do girar contínuo

E vinha-se o vento
O instante
O momento

E vinha-se o nume, o pó e o ar.
Marina Cangussu F. Salomão

Colo

A dor remove-me as palavras
E são apenas gotas
Desesperadas.
Passaradas.
Retornando vazios
Restando apenas a letra desenhada

Marina Cangussu F. Salomão

Segundo piso

Andar vago, vasto, solitário
Andar solto. Andar livre.

E vai-se indo perna após perna

Alto baixo
Sozinho conjunto
Silêncio barulho

E vai-se indo a alma intacta

Vago, vazio, solitário
Solto, demasiado longe
Atarefado.

Marina Cangussu F. Salomão