quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Habitabat in Purgamentum init

Eles iam bem próximos ao chão
As mãos estendidas no final dos braços
A cabeça baixa, os olhos espertos: 
Para baixo. Azuis, bem cinzas
Envergonhados.
Mas ninguém os via.

Marina Cangussu F. Salomão

Expulsantes

Vinham com malas abarrotadas
Desesperadas 
E vazias

Traziam os costumes
Os rumores
E os atores

Mas ficavam acanhados
Intimidados

Desde seu sotaque
Até sua farinha

Então corriam ao seus extremos
Envergonhados

Marina Cangussu F. Salomão

Castelo

Doía-lhe todo aquele silêncio
Deteriorando em sua face 
E nas expressões mal feitas 
Doía-lhe a alma, a cor 
As flores que não lhe rodeavam mais
Desmoronando no ser-se
No manter-se
No fingir que é.

Marina Cangussu F. Salomão

Ideias de minhas grades

Lá pela tarde
Quando a chuva vinha
Assim grossa e repentina,
Daqui da grade
Ouviam-se os gritos lá fora
E mil pássaros subindo
Daqui, dependurada pela mão
Acreditava o terror aos de lá
E que os pássaros fugiam do chão
Até quando aproximei-me da janela
E vi que apenas brincavam
Nas lindas gotas no contraste amarelo.

Marina Cangussu F. Salomão

Meu secreto

Queria ouvir
Em seu mais íntimo segredo
As vozes dos que calam
Ouvir as palavras
Que insistem em seus olhos
Aquelas que clama
Chamejam
Preciso ouvir aquelas vozes
Que ninguém ouve
Abraçá-las intensamente
Acariciando-as e protegendo
Sussurrando baixinho
Canções de mãe
Para que a dor do silêncio
Pudesse ir-se livremente
Para longe daqueles olhos tristes
Medonhos e famintos.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Desabarrotância

Tinha a mania e costume de acumular o que desejava profundamente em grandes potes, recheados, belos e cobiçados. 
Transbordados.
Eram chamados postergados. Adiados para quando pudesse viver sem normas e horários.

Enquanto no outro pote, um só, acumulava e esvaziava os afazeres, os de todo dia e toda hora: os Áridos.
Quentes e secos. 
Como suas palavras e seus minutos (cheios). 

Porque os outros Tempos viviam guardados, esperando a desistência do medo para brilharem na desabarrotância.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Olhos abertos e suas vistas

   Os olhos estavam mais abertos naquele último instante. E isso doía-lhe toda a alma. Toda a frágil e insana alma: perfurada em sensibilidade que lhe atravessava feroz no que os olhos viam.
   E se sentia só: decadente, paralisada. Mas dentro uma ânsia incalculada, encabulada  uma desorganização (era isso que a feria).
   Sentia-se incapaz com as mãos cheias.
   Afinal, se seus olhos claramente concluíam, porque suas mãos eram fracas ao mexer?
   Necessitava as palavras, as mesmas que sempre incomodaram, em sua sequência certa, em linha, enfileiradas, as devidas palavras na entonação correta para que fossem ouvidas e adquiridas em cabal sentido.
   Eram tão poucas em sua sequência ínfima, porém tremiam por se porem organizadas na língua. Eram difíceis, inaudíveis.
   E enquanto mortas, solas e esquecidas, o coração vagueava no esquecer se batia. E os olhos continuavam vendo todos, sem distinção de fortes e vagos, putrefazerem-se vivos, deteriorando-se degradados, comendo o chão, com risos doentios e choros coléricos.
   Careciam famintos apenas daquela sequência simplória de rebeldia.
   Mas ela não existia. permanecia sufocada em um choro incompreensível: única voz dos pequenos olhos abertos.

Marina Cangussu F. Salomão

Demasiado

Sou esta com tendência a transgressões
Que se envolve em excessos
Que grita em teus ouvidos
A que esquece ou se dissolve
Aquela que olha somente
A que chora
Que desaba e desmorona
Que levanta em asas
Que voa
Aquela que sorri e exagera
Sou aquela que sente em demasiado.

Marina Cangussu F. Salomão

Monólogo enfrente o espelho

Do alto da janela vejo aquele jardim 
Calmo e tranquilo com gotas nas águas
De um verde simples e definido
Calmo
Dizendo se morre ou apascentando o vive
Tão calmo e passivo 
Que sinto o que me transformara 
Na rapidez de teus dias
Rodando estonteante 
Nas luzes velozes de tua loucura
Que gira absorta e trépida 
À espera do fugaz momento 
Pra tomar-te deveras
E fazer-te escotomas cintilantes 
Brilhando apenas em instantes 
E se perdendo
Lá poria a música em algum lado para dançá-la 
Mas nem se quer nota que tocava
E é incapaz de dançar os passos ensaiados 
Incapaz de tê-los em ritmos 
Porque brilhas demasiado ou nada.
E só hoje vê-se o teu baseado 
No mais fino espiral
Contrapondo a fragilidade que se retira.
De onde vens, diga-me?
Tua luxuria por entre pedras
Tua soberba em teus caminhos
Tuas vozes todas gritando mil sons
Mas onde encontras 
Como chegastes e por onde vieras?
Vê-se ainda que definhas
Se perde e some em teu incontrolado


Marina Cangussu F. Salomão

Azorbatada

Por que tive que nascer louca
Endoidecida?
Salva pelas cores que me colorem
E os contornos que me descrevem
Por que nasci com esse medo?
Azorbatada?

Porque nasci em exceções
Fantasiada em incômodos
Incontornada e consternada
Fora de mim e de minhas paredes
Brigada e desgradecida

Marina Cangussu F. Salomão

Junção de sons

Como posso dizer que o amo
Se me embaraço nas palavras e significados
E não os encontros sem redundância
E nem delineiam meus desejos

Como posso contorná-lo 
Com as palavras de meus sentimentos
Se desconheço suas combinações
E não consigo juntá-las em sons

Como posso descrever-lhe o que vejo
Quando se desfaz todo o tédio
E fito-o em admiração
Que ressoa na vergonha de ser olhado

Como posso discorrer em discursos
A carícia de senti-lo ternamente
Não perto nem longe
Mas existente em minha posse

Como transcorreria-lhe mil diálogos
Em nomes definidos
Para um incontentar de sentidos
Por abraçá-lo somente

Como faria-o acertar minhas intenções
Tão vagas em meus trajetos
Sem letras para compô-la
Mas sempre tão intensas
E eu tão dele.

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Nosso óbito

O mundo é triste
Com suas mortes prematuras
Que vão indo sedentas
Racionalizar

Mas o mundo permanece
Com seus desejos insaciáveis
Para os novos olhos
Que deixarão de brilhar

E se perde a cada instante
Mais dos brilhantes sonhos
Que morrem sem questionar
Ou calam para não falar

Ficam apenas os olhos retos
Alinhados nos próprios passos
Já nem sabem sobre abraços
E o que é voar


E enquanto uns morrem
Um por um
Outros calam
Corretos demais


Marina Cangussu F. Salomão

Por nós

Há uma dor em mim
Calada, surdina, escondida
Porque agora os ouvidos também escutam
E os olhos desataram a chorar

Marina Cangussu F. Salomão

A terra do meio

Há muita dor em meu preço para desamarrar-me
E não acelerar na pista reta que me entorta 
Na loucura de entontear-me sóbria em banho 
E derrame entrega à loucura do que não vem de mim.

Há muita dor e muita loucura para confundir-me e consumir-me

Marina Cangussu F. Salomão

Sua presença

O desejo invade-me descarrancando o desespero do longe
E a imaginação pode fluir solta nas cenas de tua companhia
Vem e abraça-me nos olhos cerrados e na falta de tato
Sinto a caricia de tua pele roçar-me ávida.
É o segundo que modifica toda a ausência e introspecção
Que agora me move ainda mais sedenta àquele abraço que não existe,
Mas me envolve e dissolve ao me lembrar de ser sua.

Marina Cangussu F. Salomão