segunda-feira, 28 de setembro de 2015

De novo o Outono

Setembro passou tão vagaroso
Era o mês da primavera.
Quando se floresce e sai do inverno.

Mas agora prefiro setembro passado
Quando fiquei mais quieto e amuado
Me desfazendo de folhas velhas.

Era outono de tom amarronzado
De coração doído nas folhas misturadas ao vento
Perdido, choroso e lento
Que gritava pelas janelas toda noite sua dor.

Ah sim... eu sou dessas que se fragiliza com a natureza
Que deixa entrar o sentimento que ela devolve
Dessas que vaga com leveza
Procurando entender como se move

Não é atoa que agora sou frenética: o calor me agita
Me tira de meu eixo, minha balança
E desequilibra o meu querer
E tudo se torna preguiça ou abonança

Mas pra ser sincera 
Agora eu queria ser outono
Por alegria ou abandono
Me desfazer.

Marina Cangussu F. Salomão

Parênteses e Trema

para Ísis
Nós somos mesmo duas almas desvairadas
Duas loucas transtornadas
Sedentas de amor.

Não é acaso que somos gêmeas
Não é atoa que usamos trema
E que somos tema de nossa dissertação.

E sei de tua dor e tuas paixões
E entendo isso de se entregar por vazões.

Nós somos duas almas carcomidas por passado
Duas calmas perdidas no ficado

E explodimos
Cada uma no seu ser
E implodimos
Como deveria ser.

Porque nós não cabemos em um corpo limitado
Nem fomos feitas para ficar quieto e calado
Nós nascemos para desfazer e incomodar
Tirar roupas cadeiras e mesas do lugar

Nossa alma é inquieta
É perdida para os encontrados
Nossa alma é bandida pros incomodados

Nossa alma causa inveja
Aos que não sabem o que sentimos.

Marina Canguss F. Salomão

Abaixo do céu

Hoje resolvi ter um dia de contemplação
Deixar que ele passe bobo
Assim sem pressa e vagaroso.
Alguns dias precisam ser bestas, sem função
Preciso desses dias para me dar vazão.
Pelo menos para minha alma poeta
Sentir cada célula do corpo a movimentar
Para manter a vida
Para manter o ar.
E ter a calma nessas sinapses coloridas
Nessas ruas sem saídas
Nessas vidas bem compridas.
Então hoje eu tirei o dia para deitar-me no banco da praça e olhar o céu
Como ele se fixa assim quente e azul
E mais tarde irá caramelizar como mel
Derretendo a qualquer um que estiver nu.
E abaixo dele estão cachorros, árvores e gatos
E tem também os passantes (espécie a que pertencia)
E os dançantes (metade de minha descendência)
E por último os pobres pagãos e loucos.

Marina Cangussu F. Salomão

Questões

Por que , meu deus, 
Por quê?
Nasci poeta
Dessas sem linha reta
Onde é mais fácil caminhar.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 27 de setembro de 2015

Papel sem resma

Meu quarto está uma bagunça
Há coisas jogadas por todos os cantos
Nem sei onde posso encontrar a mim mesma
Fiquei feito papel sem resma.

Pra ser sincera nem sequer sei onde passo
Da porta para dentro encontro o mormaço
Então quebro alguns vidros para ocupar-me
Aquele meu silêncio sem palhaço

Minhas roupas já não me encaixam
E não combinam em cores
Por isso se amontoam em cima de cadeiras 
E mesas sem flores.

Os meus livros desarrumei na prateleira
Ainda não decidi se os admiro ou leio
Alguns comecei pelo princípio
Com os de poesia fui direto ao meio.

Até meus próprios poemas estão largados 
Embolados e rasgados por todos os lados
E leio a descrição de meu eu confuso a todo instante
E mais parece que não tenho espaço na estante.

Eu fico assim quando vou lá fora e não me conecto
Quando nem da tela nem da janela vem aquilo que me enche a calma
Alguns chamam isso de dependência
Eu chamo de humanidade.
Afinal onde já se viu viver sozinho ou em superficialidade.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 20 de setembro de 2015

Distinções

Amores antigos fazem melhores poemas que os novos
Porque paixões doloridas fazem versos de agonia
Te fazem vomitar na pia
Toda a dor que entala no peito

Dizem que não há outro jeito
Amores antigos escravizam
Vão e voltam e nem avisam
Enchem a alma de pouca fé

Já os amores novos são só amor
Nem carregam tanta dor
Vivem apenas de ardor

Marina Cangussu F. Salomão

Entorpecido

Desejo tanto ter aquele abraço de novo
Aquele beijo. Aquele cheiro, a textura.
Aquele menino que eu desfazia a armadura.

Quero poder voltar e sentir vagarosamente tudo aquilo

Sentir a vergonha de despir-me a primeira vez em tua frente
Ou a incerteza de te ter a tarde inteira assim pendente

Ou quando não me aborrecia a tua presença ou distância
E pouco me importavam suas histórias de infância

Quando você me procurava bem carente
E a mim não mudava ser atriz ou ser cedente.

Ah se soubesse a dor que me causa
Não poder olhar por tempos infinitos dentro de teus olhos
À procura de tua alma
Onde eu encontrava a calma de amá-lo

Assim inteiramente, sem restrições
Sem ligar para o que diziam tuas canções

Se soubesse da tristeza de não poder tocar cada centímetro de teu corpo
E apoderar-me daquele prazer
Que só vem de ti e de meu eu torpo

Ah se soubesse como eu queria
Apoderar-me completamente daquele ser
E ter-te simples sem entardecer.


Marina Cangussu F. Salomão

In(s)

É exaustivo esse não saber desordenado
De papéis repletos de perguntas
Ou outras tantas afirmações questionáveis.
Sim.
É cansativo viver lutando num não saber para onde ir
Ou porque lutar
Na indagação de se algum dia encontrará algum chão
Alguma terra para chamar de sua
Algum lugar para sentir você _ como deve ser.
E resta a insegurança de estar perdido, cabisbaixo, sofrido
Um cristianismo arraigado cheio de cruzes.
Arre.. eu já cansei dessas letras repetidas, 
Dessa perdição inconfundida.
Eu quero agora o lirismo incomedido dos bêbados e dos palhaços,
De Shakespeare ou de circos. Tanto faz.
Quero apenas aquela loucura vã 
Que habitou-me por segundos em tempos pouco remotos
Mas que ainda rememoram-me em flashes constantes
Lembrando-me do medo de ser quem sou e quem era
O medo de perder-me confundida em mim mesma
E em meus seres.
A loucura de ser intransigente 
E incondicionada.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 13 de setembro de 2015

Ruínas

Eu entendo isso de despedaçar-se:
Essa dor engolida
De ver os pedaços velhos esvaindo-se.
E vão de mala nas costas
Como farrapos
Assim aos trapos
Sem ao menos pedir permissão
Sem perguntar se podem ir
Sem desejar sortes ou até logos
Sem sequer pegar na mão.
É sempre assim a vida
Um virar pedaços
Empedaçar-se
Empedrar-se
Embaralhar os restos
Ela é isso de ver o ido indo
Todos os segundos
De novo e novamente
Sem tempo de esperas ou esperanças.
A vida vira restos
Mas sem vinganças.

Marina Cangussu F. Salomão

De novo as perdições

O que me dói é a falta
A perda
Não o objeto perdido

Afinal, já faço coleção de perdições
Que se ajeitam em filas
Em minhas repartições

Então, me dói a ausência
A distância
A inconstância da vida

Que vai nutrida
Em memórias retidas
De trilhas sem saídas

Marina Cangussu F. Salomão

Fervura

É estranha essa falta de amor
Que me invade por não saber onde encontrar calor
E ocupa-me o vazio
Que deixaram ou que andam deixando
Tentando ocupar cada centímetro do que há aqui dentro
Porque em mim sempre cabem inundações e derramamento.

Mas é estranho esse olhar sem brilho
Esse vagar em ruas sem sorrisos

Eu nasci para fervilhar em desejo
Chorar desesperadamente pela loucura.
Eu nasci para dizer que amo
A quem estiver disposto a escutar.
Nasci para deixar meu turbilhão invadir
Evadir e vadiar.

Ah! Eu sou dessas loucas que ninguém quer por perto
Mas que também não conseguem conter
E quando vejo já estou lá: gemendo de prazer

_Que nem sempre é sexual, amigo,
Só prazer mesmo.


Marina Cangussu F. Salomão

Aquela velha ladainha

Permita-me deitar neste sofá
Assim manhoso
Bem dengoso
Enquanto desejo que o mundo lá fora pare
E que não me digam mais de crise financeira, econômica ou social
Porque de crise eu já estou cheia desde a janela de meu quintal.
Ou que digam de cores, dissabores ou da vida da Dolores
Porque eu já vou cheia de ardores
Podados por meus preceptores.
E vou como esse meu país incrédulo
Arredio e irônico
Que gosta de rebobinar fitas 
Para tecer histórias que se repetem:
(Ontem a noite na esquina da minha casa vi de novo para onde vamos...
Vejo em todas as esquinas essa monotonia em que estamos.)
Por isso hoje eu decidi ser como eles dizem que somos:
Jovens preguiçosos em rebanho
Por isso estou aqui escrevendo este poema antes que apanho.

Marina Cangussu F. Salomão