domingo, 27 de abril de 2014

Broboleta

A borboleta parou de voar
Foi ela quem se prendeu
Esperando o futuro chegar

E quando olha o céu das grades
Pensa nos tempos, ponteiros e tiquetaques
Então retorna ao seu cobertor

A borboleta parou de cantar
Foi ela quem se calou
Esperando a banda tocar

E quando olha o som distante
Pensa nos montes amontoados na estante
Então retorna ao seu escurecer

A borboleta parou de dançar
Foi ela quem se atou
Esperando o amor a soltar

E quando olha o palco de luz
Pensa na distância, na fadiga e intolerância
Então retorna à sua cadeira

A borboleta parou de respirar
Já não entra luz, fulgor ou luar
Parou de pensar, parou de falar
Parou de escrever, parou de se ver
O espelho voltou a quebrar



Marina Cangussu F. Salomão

Cançãozinha

Somente venha e me complete
Somente venha e me derrete
Enquanto eu apenas me entrego
Enquanto eu apenas te prego
No meu arpoador

(Porque é lindo se entregar ao amor)

Marina Cangussu F. Salomão

Sinal

Parou.
Velocidade alta.
Sinal vermelho assim de repente.

Normalizou.
Estacionado no meio da rua
Esperando.

Voltou a ser como nunca foi antes
Devagar
Acomodado.

Na nova desordem do carro
Anotado as contas e os recados
Roupas dobradas, mochilas guardadas

Tudo bem reservado para não ficar na memória

Marina Cangussu F. Salomão

Sopro para os cegos

Nunca fui capaz de amá-lo
Sem toda essa indecorosa classificação
E perdidos nas gavetas
Que organizaram o que havia de vão
Ficou o desatino que se emburrou
Os nós que desenolou.

E só quando vi aquele nome 
Se ascendendo a cada inconstância
Que percebi meu desalento,
E minha ignorância.

Então me constrangi em não ver o meu amor, 
O teu calor que havia em mim.

Marina Cangussu F. Salomão

Cidades - Marrakesh

Lembro-me de teu céu
Lá do outro lado do mundo
Lá do lado do não sei
Onde nunca fomos fecundos
Onde havia um céu azul que guardei
(Que ao escurecer rosa colorido anil)

E foram-me indo tantos céus
E tantas cores desordeiras
Que foram-me vindo tuas lembranças
E aquelas tuas bobeiras

E lembro-me do teu descontentamento
Da confusão em meio às praças
Dos sinos ao entardecer
Dos cheiros loucos de couro, comida e graxas
Lembro-me antes das cores
(Das dores e dolorimentos de tua liberdade)

E lembro-me tanto de ti
Que nos confundo nos desfiles de pensamento
E quando penso ser eu, me vem teu rosto
E quando penso ser você, me vem teu gosto

E vivo fugindo de tua tentação
Que se confunde no desejo e no imposto

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Contos de Dona Laura



Subiu o mais alto da frace da terra
Na surdina do amanhacê
Pegô librina e moiou no aruvaio
Num teve reza pra se aquecê

Barreu a istrada inteira
Até a derradeira preda
Nas fôia de aruvaiêra
Até levô uma queda

Lá pra iscurê
Oiô o camim pelo gaio
Baxô os arqueado 
E o minino do cangaio:

'Maria valeiro que me dê cabiceiro
Pras noite de arubu
Iscura disfeita de lun-a
Qui vai certera nos rumo do su.

Pois nessa istrada sem pedrest
Passa caval sem as frace
Passa cobra e assumbrace
Mas num passa um cigâ-n num disfrace.

Valei-me Deus as perna guentá
Sem rumb e sem agasai
Subi uma subida dessas
Todo santo dia de trabai

E é muit sufriment
Num tem um gent que guent
A vida sufrida de meu temp'


Marina Cangussu F. Salomão



Discurso calado

Portanto mudarei o discurso
Retornarei o percurso
Desistirei do meu curso
Aliviarei o teu pulso
Para estar ao teu lado
Para não esquecer o recado
Para servir-te recatado
Para ver-te enfadado
E morrer frio e calado


Marina Cangussu F. Salomão

Futuro Decreto

Prosseguiram os desconhecimentos redundantes
As causas atenuantes
E o lirismo... 
O reto lirismo das curvas

E já nem se fala em paradoxo
Teve-se o fim do ortodoxo
E do chauvinismo...
O porco chauvinismo desmentido

Então a estátua estática normalizou-se
Urubu aquietou-se
O elástico esticou-se
E tudo foi permitido aos que quiseram.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sempre os ponteiros

O tempo podia voltar
Em alguns dos ponteiros
Fora da imaginação

E retornar os delicados momentos
Que hoje são bons
Fazendo-os eternos na alma e no coração

Marina Cangussu F. Salomão

Sentível

Sei lá como ficaram todas as pequenas coisas impossíveis 
De enxergar com a luz que entra pelos olhos

Mas talvez se concentrarmos a alma, a calma se distrai
E o mundo fica mais tocável e sensível


Marina Cangussu F. Salomão

Poetisa

Sou poeta de nascença
Sem pertinência
Mas sem desajeito
Nunca tive repetência
Ou fiquei no malfeito

Sou poeta de nascença
Nasci marcada no meio termo,
Meio que a ermo
Na mancha café-com-leite
Sem enfeite
Do braço esquerdo

Sou poeta de nascença
Sem reticência
Alguns asteriscos, outras vogais
Vim assim sem licença
Sem consultar os anais

Sou poeta de nascença
E de nascença nasci sem crença
Nasci sem rumo
Ou sem pardais
Os que voaram foram gaivotas
Diante os pantanais.

Marina Cangussu F. Salomão


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Dos fins dos começos

Quando os raios iniciam sua incidência obliquamente
Brilha o sol no poente 
Brilha o sol na nascente
E brilha a vida bonita de beleza
Nos tons amenos das extremidades
E de calamidade a felicidade
Brilham os amores recheados
Suas Cores
Suas Dores
Os Cantores
Todos os que presenteiam os fins de começos do dia
E nessa beira bisbilhoteira
Mais parece que a renascença e a morte 
São melhores que a vida inteira


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 9 de abril de 2014

IAM

Essas vidas guardadas
Não sei para onde escoam,
Talvez entoam alguns cantos pelo avesso.
E no travesso é tudo outros,
Em grades soltos

Ataque cardíaco.


Marina Cangussu F. Salomão