sábado, 30 de junho de 2012

Estrofe

Ter o todo sem conhecer o presente
É ser trancado dentro de um mundo inferior
É não perceber que existe além daquilo que percebe
É ter tudo e não ver


Marina Cangussu F. Salomão

Teu peso

Confesso que tuas palavras me pesam
E consomem desde infância
A beleza que me abria
Fechava-me entre as paredes
Punha secreta e calada
Cabeça baixa, fechada entre livros
Punha-me longe do resto
De tão dura ser eu
Em tuas descrições
Cansei de teus moldes e verdades 
Que me engoliram por entre os passos
E não me permitiram rastros
Nem saber como vim
Apenas percebi que escondi meus treitos
E cheguei onde serei livre.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Eu: Borboleta


As asas da borboleta 
Novamente ansiavam pelo voo
Olhando o passeio fugaz 
Que lhes envolveria docemente
Naqueles segundos de contemplação
E que não duraria algumas horas
Mas mesmo a efemeridade consumia-lhes
No prazer de sentir o vento
Invadir-lhes as cerdas: uma a uma
Revoltando-as a não permanecer
Não se atreverem a parar


Embelezavam-se sem permissão
E deixavam perceber seus planos
Mas sem palavra, sem voz
Mesmo sem companhia
E já mediam a altura do alcance
Ensaiavam...
Só esqueciam da altura da queda
Mas sua alma era livre demais 
Para viver presa
Para limitar-se ao chão
Limitar-se a lagarta


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 24 de junho de 2012

Princesa

Talvez ela realmente não fizesse parte do todo
Nem seu corpo formasse um conjunto


Talvez ela não pertencesse ao tempo
Nem o tempo invadia-a com ordens


Talvez suas falas fossem veementes
Mas pouco ouvidas e assistidas


Talvez os livros fossem melhor companhia
Mas beleza não pode ser escondida


Talvez sua Helena viesse tardia
Mas vinha incandescente


Talvez não fizesse sentido seus pensamentos
Mas sentido não é para princesa


Marina Cangussu F. Salomão

Os olhos dela

Ela tinha uns olhos 
Claros, límpidos
Como a vida.
Mas no secreto
Lacrimejavam
Ardiam.
Mas na verdade
Eram suspeitos
Altos!
Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O que ficou

É sempre o mesmo sentimento
De vê-los partir
Indo-se sem me levar:
Gingando na felicidade de abandonar
De abrir-se sem medos
De cativar sem tédio
De frutificar nas terras
De tocá-la em encantamento
De falar simples com erros
De desencadear-se solto...
E eu vou ficando
Para trás vou respeitando
Mas não vou respirando
Caminho apenas cabisbaixo
Inquieto de desejo
E sem perguntas a serem feitas 
Ou as escutadas
Sem nada!
E fim.


Marina Cangussu F. Salomão

O sabor do ar

Quando o sabor amargo 
Invade a boca salutar 
De doce aroma:
Ele retorna
Ela vomita
Ele não respira
Ela expurga
Ele não sobrevive.


Marina Cangussu F. Salomão

Casamento

Eles vão indo
Descalços 
Até o altar
Meus pés vão flutuantes 
Deitados no chão
E minhas asas voam
Segurando tuas mãos.

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Io

Uma passarinho
Com comida pro vizinho
Passeando em cada ninho
Alimentando passarinho
E com vazio em seu cantinho.


Marina Cangussu F. Salomão

Abaixo

Abaixo os puristas comedidos
Que anulam as lágrimas avermelhadas
Que marcam sobrados 
Pulsando como o sangue
A vida sentida pela face,
E decoram a palidez
Com cores saltitantes
De vermelho ardente
Bem como a pele
A ser tocada indiscreta
Em cada canto da polidez.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O moço

Via-se seu reflexo descabido
Entre roupas largas mal vestidas
Cobrindo uma pele, pele apenas
Sem beleza ou carmim


Estava de cócoras escondido
Em um canto mal clareado
Procurando o escuro
Onde não nasce bonfim


Era aquele tipo mal dormido
Sem olhos para ver-se
Arrastando seus ossos
Entre o povo latim


Não tinha brilho consumido
Nem sequer o produzia
Na desesperança de seu dia
Esperando enfim o fim


Mas o tempo corrompido
Incapaz de sentimentos
Não lhe dava trégua 
Nem uma cama de capim


Nada lhe era trazido
Nem pão já lambido
Nem roupas
Nem libido.
Marina Cangussu F. Salomão

Teras de rodas

Não posso acreditar palpadamente 
Que permito que as rodas girem 
De encontro ao atrito do chão 
E tão vorazmente me afastem 
Da única ternura que me afaga. 
Não posso permiti-las serem tão más 
E indiferentes ao que me protege 
E consome em candura. 
Mas o que faço contra a rapidez 
E a fúria de seu rangido? 
E a espera do pouco agrado no outro lado? 
O que faço além de permiti-las 
Roncar forte meu desatino 
Em águas tão delicadas 
Quanto o amor deixado na poeira da fumaça.


Marina Cangussu F. Salomão

Anamnese

Gosto destas paredes e das cortinas
Das bonecas dançando imóveis na mesa
Das flores, da ternura rósea envolvente
Agrada-me
Agrada-me muito o conforto medido
De cada centímetro escolhido
A divisão do espaço em tempos escuros
Todos os segredos, todos os segundos
Cada renda, cada luz
Cada lembrança da infância decorada!


Marina Cangussu F. Salomão 

Patética

Parece que foi sonho:
O verde, a casa, o nós
O cenário bem desenhado
Os detalhes de teu sorriso
Tuas palhaçadas e teus trejeitos
Meu sono, meu sonho
Toda minha vida ao teu lado.


Marina Cangussu F. Salomão

Elixir brando

Posso lamber delicadamente o salgado de teu suor
Já que tão próximo encontra-se minha face 
De teu corpo desroupado,
Ainda em inspiração intensa de cansaço.
E desejo mais de teu lirismo desmedido e encurvado,
Das falas originadas de clowns e guetos.
Quero todo o sobressalto de teus nervos em cada pelo.
Mas quero antes, bem antes,
Os puristas rebaixados 
Junto do elixir de teu lânguido líquido salgado.


Marina Cangussu F. Salomão

As cores devaneantes

Gosto deste tempo de primavera 
De algumas poucas flores
No todo frio do ameno tropical,
Que embala as cores rosas que caem
Sozinhas do ipê para o pé,
E florescem um pouco o chão
Sem sorrisos para garis
Mas alegria de meus sentidos,
Que iriam pisar ignorantes
O pedaço dos sonhos das telas infantis,
Mas se voltam para o chão 
Em pensamentos alados.


E até o ar parece mais claro e puro
E minhas ideias mais claras nesse devaneio.


Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 2 de junho de 2012

Os monstros do armário


Não passaria assim tão rápido quanto desejávamos
Para afastar nossos fantasmas criados ao longo da vida.
Uma vida cheia de monstrinhos
Que entram vagarosamente em nosso quarto pela noite
Atrapalhando nosso sono.
E toda noite da vida eles aumentam mais,
Até lotarem o cubículo que seria nosso descanso
E gritarmos por socorro, em plena noite.
Mas ninguém pode acender a luz,
Pois nada verão,
A não ser nossa fragilidade fajuta de meio adultos
E nos dirão tão frágeis e infantis.
Então calamos à espera de nossos pais.
Que não virão dessa vez.
Marina Cangussu F. Salomão

O velho sonho de novo


Havia algo de fantástico naquele sonho que morreu
E decidia ressurgir com novas justificativas.
Vinha lento e calmo com bons ares
Mas de algum jeito dessa forma me assustava.
Não era o que deveria nascer de um sono tranquilo
Muito menos de olhos tão atentos e abertos.
Tinha a mesma forma e deformava-me
Dando-me a escultura de louca.
E na sua longitude e infinita aspiração
Arrochava-me infantil em um canto
Medrosa e chorosa do tempo intocável
Que ele roubava de meu tato.
E é talvez por isso que eu precise de você agora
Para me proteger de todo esse mal invisível.
Mas minha voz não lhe alcança os ouvidos
E sozinha, o escuro dos olhos fechados do sonho
Cresce tamanhamente em minha volta.
Marina Cangussu F. Salomão

O que não é desejo


Não quero ver o futuro se repetindo
Como ciclo incessante e sem fim.

Não quero que uma palavra me ressoe tenebrosa
E meus joelhos se desmanchem perante seu som.

Não quero o frio penetrar impune
E insolente como dono e homem sério.
Marina Cangussu F. Salomão

O meu amor


Ele andou por estas ruas
Um pouco mais miserável
Um pouco mais detestável
Um pouco mais ninguém

Andava com as mesmas pernas
E ninguém o ensinou a andar
Ninguém o ensinou a falar
Ninguém o ensinou a olhar

Ele andou por estas ruas
E não viu quem passou
Ou passou demasiado
E abafou a vida acanhado

Andava com as mesmas pernas
Hoje altivas e semifirmes
Os mesmos pés calejados
E os mesmos sorrisos desajeitados

Ele andou por estas ruas
Um tanto mais magoado
Um tanto mais derrotado
E com um tanto mais de medo
Marina Cangussu F. Salomão

Planos


Os planos não existiam
Nunca enveredaram
Minhas portas complexas
Ou seguiram as linhas de papéis
Eles nunca viveram
Por poucos segundos
Porque o ar não existia
Próximo a mim
Estava sei lá em que veredas
Turvas ou marrons
Mas eram escuras
Nunca deleitaram
Nunca se fizeram
Só sonharam
Marina Cangussu F. Salomão