terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Terra Torrada

Era seca aquela terra de meu deus.
A terra batida, a poeira subida
Tudo marrom-laranja de secura
A rua, a estrada, os muros, os sorrisos
Até a pele, ardida de sol
Quente.
Já era meio de dezembro e nada
Nem uma gota do céu
_Se continuar assim vou me embora para a praia.
Diziam os que podiam.
Mas era só promessa
Aquela terra era seca, ardida, queimada
Mas era amor, bruta, enraizada.
Era difícil deixá-la por completo
Aquela poeira nunca saía de si
Impregnava: 
Na roupa, na bota, no chinelo, dentro de casa
Até na vontade.

Teófilo Otoni, 22/12/2015

Marina Cangussu F. Salomão 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Atos falhos

Ele disse que gosta da rosa quando ela morre ainda em botão.
Sim: eu disse que concordo.
Mas acho que esqueci de dizer que gosto de todas as fases.
E gosto de quando ela se abre
E perde pétala por pétala
Numa morte lenta. Devagar.
Gradual.
Dói mais, eu sei.
Mas também gosto de sofrimentos intensos.
Gosto de tudo em extremidades.

Marina Cangussu F. Salomão

Der Liebhaber

Sie ist schüchtern und passiv.
Jedoch genießt sie es und sie ist wunderschön.

Sie nimmt von mir mit, was sie bekommen kann;

lässt sich treiben in meinem boot.



Wir wachen auf eng umschlungen und starten den Tag mit Sex.

Ich  trage nur das nötigste um raus zugehen und zu rauchen.

Sie sitzt neben mir und leistet mir gesellschaft. Nebenan ein Geschäft.

Die Blicke der kriminellen Kunden können mir nichts tun. Ich bin hier der Herr.  

„Jaja, schaut ihr nur! Ich verstehe euren Neid!“

Wehe dem, der es wagt es zu versuchen. Die Blicke verschwinden.

Es ist ein prächtiger, milder Tag. Ich blase ihr Rauch in den Mund und sie inhaliert.



Wir gehen zurück ins Haus. Ein herrlicher Tag. Eine Bootsfahrt.



Ich bin müde, habe zu viel Stress und liege im Bett.

Sie kann nicht schlafen, sitzt auf dem Boden und liest ein Buch.

Sie zwingt mich nicht zu Taten und drängt sich nicht auf.

Sie lässt mich in Ruhe, berührt mich nicht

und doch sind wir gerade so nah wie noch nie.

Sie gibt mir Kraft doch weiß sie es nicht,

wie sehr ich sie mag, wie glücklich ich bin. 


"_I met you as a dreamer
On your holiday
Everything was possible
But not now
You are awake."



    
C. W.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Descaso

Foi o encontro do destino com o acaso
Ou o desencontro
Ou tanto faz.
Sei apenas que os trilhos ficaram soltos, 
Sem respostas ou decisões.
As escolhas sumiram e a vida ficou perdida
Num emaranhado de situações.
E sem saber onde passar
E sem saber se vai ficar,
As pernas andaram em hora ou passo exato
Ou errado. Ou de fato
Desataram sem caminhos, sem rumo para a razão.
E não era a vazão,
Porque a retidão era tão rara
Que da leveza não havia o que evadir.
Eram simplesmente corpos deixando as energias de guias falarem por si.
Era descaso com a vida 
Ou algum tópico dela.
Era deixar-se fluir
Ou talvez ebulir.
Era o destino e o acaso casados entre si.

Era o descaso
Formando encruzilhadas.


Marina Cangussu F. Salomão

Seus pelos

Gosto desses fios dourados
Que se escondem debaixo de sua cor marrom.
Mais parece que dizem aos que olham bem perto
(Esses poucos que têm a coragem de se aproximar,
Coragem de se deixarem tocar por sua profundidade)
Dos segredos que você guarda na alma
E que te trazem uma calma sem origem ou explicação.

São secretos de perfeição que você esconde

E que te fazem pertencer a todos os mundos de uma só vez.
E que te trazem mistérios sem porquês.
E que me contorcem por te encontrar em qualquer canto,
Nem que seja em sua nudez.

Talvez por isso sejam dourados
Para lembrar de sua nobreza ou beleza,
Para dizer-te especial.
Para que nunca te coloquem em uma mesa
E te tratem como um banal.

Mas assim como camuflados em sua cor

Você também se camufla para fingir ter um pouco mais de dor.
Esconde essa sua riqueza transcendental,
Essa sua alma perfeita,
Essa colheita de fundo de quintal
Muito mais doce e rara.
E finge ser apenas mais um mortal.
Pois ainda tem medo de brilhar
Muito mais que todos.
E tem medo de mostrar seu sem limite de contornos.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 29 de novembro de 2015

Catarse

O moço da rua 15
Disse para ela não se importar com suas paixões.
Ele era um moço estranho que lhe apareceu do nada
Profetizando variações.
Disse que ela não vivia nesses padrões definidos
Pois ela se alimentava de alma, e já não lhe bastava a calma
Em meio a tantos comprimidos.

Disse que a paixão dela vinha pelos olhos que ela lia
Pois ela sugava-lhes as letras para compor poemas
E, às vezes, descrevia temas
Outras eram apenas romances.
Mas não importava o gênero, beleza ou palavra
Ela lia o que ia dentro daqueles olhos sem trava
E se apaixonava pelo que a abalava.

E ela viu que era assim:
Que aquelas almas que ela tocava não lhe davam paixões carnais
Nem vinham para confundir-lhe os jornais:
Era amor mesmo o que ela conseguia
Era amor o que lhe enchia todo o dia.
E sempre foi assim: cachorros, formigas, trepadeiras, flores, árvores, chuvas, humanos
Ela sempre fora sensível a esse ponto
E sempre sentira o que as coisas queriam dizer
E dava-lhes o que lhes caberiam ter

E ela se entregava a essa capacidade que todos têm
Mas que quase todos perdem ao nascer
E que alguns, inclusive, morrem sem saber

E de tanto sentimento incabível em um corpo humano
Tanta troca e empatia
Chegava-lhe à pele e aos órgãos o que sentia
O que o mundo lhe trazia.
Os médicos chamavam de somatização
Mas só quando ela ficava doente.
O que não sabiam era que doença não era o todo pendente:
Ela somatizava quando era amor também:
Ela sentia com a alma e dançava com o corpo e falava com os olhos.
Mas não eram poucos os que a impunham "porém".

Mas então ela se cansou, concluiu o moço avulso,
E resolveu apenas se entregar
E foi amar, mesmo sem contar
Para ninguém.


Marina Cangussu F. Salomão
Ela é fácil de saber
Porque ela se sabe.

Marina Cangussu F. Salomão

Gramática do bemquereres

Ela não sabia apreciar
Aquilo que não lhe era esperado
Então ela colocava padrões
Desfilava em limitações
E esperava o que estive pronto e em forma
Com formato que lhe encaixasse

E ela desistia sem tentar
Construía para desinventar
Justificava justificativas tolas
E se perdia em sua gramática sintética
De regras estúpidas
Conjugando verbos em tempos inexistentes

Mas era ela quem se perdia
Era ela quem escolhia
Ela quem não fazia
Quem desmerecia
E ía.


Marina Cangussu F. Salomão

Entulhos

Porque eu me apaixonei...
Começava aquela carta escrita
Que ia junto de tantas outras
Empilhar-se na despensa:

Eram coleções de dores sem rancores
Aquele entulho de amores
Já sem flores, sem cores
Horrores.

Um dia, dizia, abriria uma franquia
Em que se faria, por telepatia
A entrega só do que permanecia
Sem alforria.

E seria a liberdade com vontade, 
Daquele tanto de vida sem novidade
Que iria sem maldade
Viver sem ter idade

Pois o amor 
Merece o fulgor, de viver em calor
Apreciando o torpor
De não saber onde se por
Quando se está livre

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Eleição

Estou sem rumo
Sem foco
Sem jeito.
Estou assim como prefeito
Em época de eleição:
E falo bestagens
Em minha cabeça.
E faço moragens
Em construção
Em demolição.
Estou do avesso
E não amorteço
Minha queda.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Acontecimentos

Acontece da gente se afastar
E não nos restar nada.
Acontece de nos olharmos com carinho
Carinho apenas.
Acontecem finais. Começos.
Retrocessos.
E acontece de seguir em frente
Ou seguir rente.
Acontece de não haver culpado,
De só restar alguém calado
Ou alguns corações partidos.
Acontece de tudo na vida
Sempre.
Basta olhar para o lado.
Porque também acontece de dar certo.
Acontece de ser infinito.
Acontece de eu te achar bonito
Para sempre.

Marina Cangussu F. Salomão 

Passagens passadas

Algumas coisas passam para não voltar
Como a primavera
Ou uma blusa velha
Alguns sorrisos.
Mesmo algumas memórias.
E outras tantas coisas que vão
Sem retorno, sem regresso.
Até você: que não quer ficar.
O caminho vai sempre para frente
Como uma esteira, um moinho, 
Uma roda de caminhão
Qualquer coisa que gire, 
Para frente somente.
Mesmo dias, em suas repetições diárias
Nunca terão a beleza da descoberta de antes
Ou a delicadeza de cada instante.
Essas coisas passam,
Uma a uma.
E só existem em memórias, se guardadas,
Ou cheiros, tatos, sorrisos e cores.
A vida passada vira sinestesia.
E uma caminhada corriqueira 
Passa a ter cor de laranja, com cheiro de barulho de galhos pisados e gosto de ar fresco.
E é bom que tenha
É bom que passe
Que faça sentido.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 25 de outubro de 2015

Variações

Às vezes me pego variando em pensamentos
E me percebo em um futuro que não sei
Rapidamente tento fugir da tentação
Pois tenho medo do que pensei.

E me vejo variando sobre nós dois
Nossa loucura e nossa paixão
E percebo os passos que pisei
E me amedronto com os que serão.

Afinal, quando toda essa paixão passar
Toda esse devaneio e desespero 
Quando tudo for apenas lembranças de bons tempos
Como vamos dosar nosso tempero?

Quando tudo for uma tentativa frustrada 
E já não soubermos mais em que nos basear
Quando olharmos um ao outro 
E já não houver mais tanto ardor para dar.

Quando já não houver mais brilho ou incertezas de apaixonados
Quando tudo virar ladrilhos com tijolos salpicados

O que faremos quando tudo isso passar
Com a sensação de que não nos resta tanto desatino
Sem devaneio de permissão de viver o agora
Sem carícias, sem destino.

O que faremos?
Sem a doçura vã que fica no coração dos que se entregam
Sem a resposta rápida que rodeia de esperança
Sem acreditar em qualquer crença que nos pregam.

Como vamos lidar com os defeitos que nos incomodam
Quando soubermos que tudo está morno: apaziguou
O que farei com o amor que existe entre a gente
Mas que hoje em dia eu não te dou.

O que faremos com o amor mais louco e intenso de nossas vidas
Quando dentre ele já houver resquícios de outras paixões
Não seremos mais tão belos, mais tão lindos e com sorrisos
Como viveremos de reparações?

O que faremos com nossas almas cruas uma em frente a outra
Ou a companhia nua de nós dois sem roupa


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Gravetos

Algumas passagens são tão sutis na alma
Que guardam-se carinhosas nas gavetas da vida
Mas tão sutis e leves 
Que conseguem sair nas frestas e refrescar a memória
Com felicidades em doses constantes

É bom isso de se lembrar do bem
De permitir o desengavetar
De deixar gravetos no caminho do relembrar

Marina Cangussu F. Salomão

Das esperas e desejos

As horas estão ficando lentas
E os tiques dos relógios
Os dias dos calendários
Se demoram eternos

Enquanto eu quero é que o tempo acelere
E tudo passe ligeiro até dezembro
E depois que o tempo se esparse
Que do tempo eu nem me lembre

Ai.. eu quero mesmo é mais tempo contigo

Marina Cangussu F. Salomão

Cansaço, Canção

Esgotei minhas chances de repetição de memória
E já não há mais nem um segundo que não repassei e repeti
Que não me debrucei e me iludi
A minimizar, decodificar, desvendar

E me canso, por vezes
De viver só de pensamento, narração
De me apegar à história transviada de nós dois
Sem vazão

Mas o que posso fazer se não assim
De onde posso tirar lembranças de ti
Se já até me perdi e me confundi no que seria real
Ou a memória alterada após mil releituras do ideal

Eu me canso, às vezes
De viver aqui sem fim, sem continuação
De ter memórias, mas não ter prosseguimento
Só descrição

Marina Cangussu F. Salomão



segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Acho que isso foi o fim

Às vezes não te reconheço naquelas figuras que ficaram estampadas em minha memória
E mais parece que você era só uma ânsia pronta a desatar
Que desatou e passou
Levou-me tempos para desfazer da náusea de te ter
Mas acabou a vontade de vomitar a vida e trazer o de dentro para fora
E você ficou em memória:
Alguns relances perdidos de lembranças que por vezes veem com amor.
Hoje mesmo você veio de súbito em meu sonho, para que eu te dissesse algumas palavras de adeus
E foi tão sincero aquele meu segredo compartilhado ao pé de teu ouvido, que acordei duvidando se havia passado a noite
E o que te sussurrei não foram  declarações de amor ou promessas de retorno. 
Eu apenas disse como segredo de nós dois que já sabíamos que chegaríamos nisso.
Nós sempre soubemos, desde o princípio. 
Que tudo terminaria em um abraço carinhoso e repleto de amor. 
Depois cada um teria seu lado e seu fim.

A gente sempre soube.
Mas foi isso o que a gente escolheu.

Marina Cangussu F. Salomão

Conselhos

Você quer ocupar lugares
E isso é um problema, menina

Quando se enchem os vãos das portas
Já não é mais possível fugir

Então não abarrote-se
Nem te coloque raízes em cantos vazios

Deixe espaço para o surgir de contos
Poemas e alguns feitios

Porque a vida mesmo foi feita de ócio
Sem o desespero de nós sem alegria

E fugir, acredite, nunca foi pecado
Pecado é não sair do lugar:

De sua sala fechada
De sua alma lacrada

E prender-se numa alma-gamada de terrores.

Marina Cangussu F. Salomão

Dos ditados de sua mãe

Aprendi com minha mãe 
Esse jeito desordenado de amar
Assim sem pedir e sem dar
Sem regras que alguns colocam
Ou sentenças que outros proferem
Sem deixar de ser só porque é amor

Marina Cangussu F. Salomão

Sobre o sonho de neve pela janela me fazendo sorrir

Eu sabia 
Quando acordei no meio da neve, 
Que ela caía apenas 
Porque meus sentimentos haviam congelado 
Dentro de mim. 
E de tão frio, 
Se precipitaram pesados 
E me invadiram o quarto 
(e a vida).

Mas, que mal tem? 
_ perguntei aos que me julgaram. 
Se meus sentimentos ao final 
Não ficaram suspensos em um céu cinza 
De atmosfera pesada. 
Pelo contrário, 
Eles precipitaram sem a pressa 
De virem antes do tempo. 
E permitiram em flocos de neve 
Uma queda mais branda.

Que mal tem descer em neve clara, 
Leve e suave, 
Ainda que fria. 
E se derreter junto ao sal ou ao sol?

E já era fim de inverno de qualquer maneira. 
Então, porque não deixar-se precipitar sem pressa, 
Branca e suave 
E permitir-se derreter ao chão 
E tornar-se fluido nos primeiros brilhos que te sorrirem...

Bem, foi isso o que fiz.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Poema para não ser lido, nem entendido

Posso me matar com uma faca
Ou posso morrer de tristeza, sozinha, carcomida
Sufocada de agonias
Engasgada com minhas palavras sem pronúncia

Todos se matam.
Isso é justo.

Mas não invente de se jogar solta
Nem decida ser bem você
Não deixe tão na cara o que pensa
Nem ame seu bem querer

Não se mate.
Isso não é justo.

(Com quem?)

Marina Cangussu F. Salomão

Poemas falsos

Voltei a escrever poemas falsos
Versos com dizeres que dizem o que não querem falar
Essa poesia assim artística de quando se deve calar

Eram os tempos da ditadura
Como nos tempos do AIs 5, 6, 7, 100
Acho que isso nunca vai passar

Voltei a escrever poemas falsos
Versos engolidos em seus próprios vômitos
Uma poesia pouco arredia, só para me encaixar

Foram-se os tempos de liberdade
De se olhar no espelho e não sentir vergonha de si
Acho que isso nunca vai passar

É triste isso:
Nem os poetas podem ser livres
Enquanto poesia


Marina Cangussu F. Salomão

Dos amores

Eram tijolos marrons os que nos rodeavam.
Tijolos marrons era o que sempre se via formando paredes e muros naquele lugar. E se elevado o olhar: as chaminés e o céu cinza e frio.
Era lindo, romântico e simples.
Havia uma escada na porta dos fundos onde nos sentamos.
Era frio. No abraçamos. E nas mãos aquela fumaça que nos aquecia (e que entre nós se dividia)evaporando de um café bem quente.
Ele também parecia sonho: como todo o cenário. Calça jeans e descalço, blusa branca que dizia quem ele era.
Ele era típico, lindo e comum.
Tão loiro e tão claro que se destacava do escuro do marrom que o fundo compunha.
Estava ali, ensinando-me a amar. Sem posse, sem loucura. Centrado.
Deixava que os vizinhos me vissem pelo meio muro, sem briga. Deixava que eu fosse minha.
Era simples aquela cena. De pensamento suavizado.
Foi neste momento que me apaixonei.
Tão doce e tão suave a descrição, que nem parecia que aquele era o amor mais louco e intenso de meus dias. O amor que escolhi para ser errada.
O amor que me conectava com deuses sem bíblias ou outro livro qualquer. Ele me conectava com o deus do universo, mesmo sendo descrente e pagão. Ele me retirava do mundo, me matava. Depois soprava ar para meus pulmões. Me fazia ser viva. Me ressuscitava de mim mesma.
Ele era louco, niilista, prático, calado. Ele era lindo, intenso, consumista, amado.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

De novo o Outono

Setembro passou tão vagaroso
Era o mês da primavera.
Quando se floresce e sai do inverno.

Mas agora prefiro setembro passado
Quando fiquei mais quieto e amuado
Me desfazendo de folhas velhas.

Era outono de tom amarronzado
De coração doído nas folhas misturadas ao vento
Perdido, choroso e lento
Que gritava pelas janelas toda noite sua dor.

Ah sim... eu sou dessas que se fragiliza com a natureza
Que deixa entrar o sentimento que ela devolve
Dessas que vaga com leveza
Procurando entender como se move

Não é atoa que agora sou frenética: o calor me agita
Me tira de meu eixo, minha balança
E desequilibra o meu querer
E tudo se torna preguiça ou abonança

Mas pra ser sincera 
Agora eu queria ser outono
Por alegria ou abandono
Me desfazer.

Marina Cangussu F. Salomão

Parênteses e Trema

para Ísis
Nós somos mesmo duas almas desvairadas
Duas loucas transtornadas
Sedentas de amor.

Não é acaso que somos gêmeas
Não é atoa que usamos trema
E que somos tema de nossa dissertação.

E sei de tua dor e tuas paixões
E entendo isso de se entregar por vazões.

Nós somos duas almas carcomidas por passado
Duas calmas perdidas no ficado

E explodimos
Cada uma no seu ser
E implodimos
Como deveria ser.

Porque nós não cabemos em um corpo limitado
Nem fomos feitas para ficar quieto e calado
Nós nascemos para desfazer e incomodar
Tirar roupas cadeiras e mesas do lugar

Nossa alma é inquieta
É perdida para os encontrados
Nossa alma é bandida pros incomodados

Nossa alma causa inveja
Aos que não sabem o que sentimos.

Marina Canguss F. Salomão

Abaixo do céu

Hoje resolvi ter um dia de contemplação
Deixar que ele passe bobo
Assim sem pressa e vagaroso.
Alguns dias precisam ser bestas, sem função
Preciso desses dias para me dar vazão.
Pelo menos para minha alma poeta
Sentir cada célula do corpo a movimentar
Para manter a vida
Para manter o ar.
E ter a calma nessas sinapses coloridas
Nessas ruas sem saídas
Nessas vidas bem compridas.
Então hoje eu tirei o dia para deitar-me no banco da praça e olhar o céu
Como ele se fixa assim quente e azul
E mais tarde irá caramelizar como mel
Derretendo a qualquer um que estiver nu.
E abaixo dele estão cachorros, árvores e gatos
E tem também os passantes (espécie a que pertencia)
E os dançantes (metade de minha descendência)
E por último os pobres pagãos e loucos.

Marina Cangussu F. Salomão

Questões

Por que , meu deus, 
Por quê?
Nasci poeta
Dessas sem linha reta
Onde é mais fácil caminhar.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 27 de setembro de 2015

Papel sem resma

Meu quarto está uma bagunça
Há coisas jogadas por todos os cantos
Nem sei onde posso encontrar a mim mesma
Fiquei feito papel sem resma.

Pra ser sincera nem sequer sei onde passo
Da porta para dentro encontro o mormaço
Então quebro alguns vidros para ocupar-me
Aquele meu silêncio sem palhaço

Minhas roupas já não me encaixam
E não combinam em cores
Por isso se amontoam em cima de cadeiras 
E mesas sem flores.

Os meus livros desarrumei na prateleira
Ainda não decidi se os admiro ou leio
Alguns comecei pelo princípio
Com os de poesia fui direto ao meio.

Até meus próprios poemas estão largados 
Embolados e rasgados por todos os lados
E leio a descrição de meu eu confuso a todo instante
E mais parece que não tenho espaço na estante.

Eu fico assim quando vou lá fora e não me conecto
Quando nem da tela nem da janela vem aquilo que me enche a calma
Alguns chamam isso de dependência
Eu chamo de humanidade.
Afinal onde já se viu viver sozinho ou em superficialidade.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 20 de setembro de 2015

Distinções

Amores antigos fazem melhores poemas que os novos
Porque paixões doloridas fazem versos de agonia
Te fazem vomitar na pia
Toda a dor que entala no peito

Dizem que não há outro jeito
Amores antigos escravizam
Vão e voltam e nem avisam
Enchem a alma de pouca fé

Já os amores novos são só amor
Nem carregam tanta dor
Vivem apenas de ardor

Marina Cangussu F. Salomão

Entorpecido

Desejo tanto ter aquele abraço de novo
Aquele beijo. Aquele cheiro, a textura.
Aquele menino que eu desfazia a armadura.

Quero poder voltar e sentir vagarosamente tudo aquilo

Sentir a vergonha de despir-me a primeira vez em tua frente
Ou a incerteza de te ter a tarde inteira assim pendente

Ou quando não me aborrecia a tua presença ou distância
E pouco me importavam suas histórias de infância

Quando você me procurava bem carente
E a mim não mudava ser atriz ou ser cedente.

Ah se soubesse a dor que me causa
Não poder olhar por tempos infinitos dentro de teus olhos
À procura de tua alma
Onde eu encontrava a calma de amá-lo

Assim inteiramente, sem restrições
Sem ligar para o que diziam tuas canções

Se soubesse da tristeza de não poder tocar cada centímetro de teu corpo
E apoderar-me daquele prazer
Que só vem de ti e de meu eu torpo

Ah se soubesse como eu queria
Apoderar-me completamente daquele ser
E ter-te simples sem entardecer.


Marina Cangussu F. Salomão

In(s)

É exaustivo esse não saber desordenado
De papéis repletos de perguntas
Ou outras tantas afirmações questionáveis.
Sim.
É cansativo viver lutando num não saber para onde ir
Ou porque lutar
Na indagação de se algum dia encontrará algum chão
Alguma terra para chamar de sua
Algum lugar para sentir você _ como deve ser.
E resta a insegurança de estar perdido, cabisbaixo, sofrido
Um cristianismo arraigado cheio de cruzes.
Arre.. eu já cansei dessas letras repetidas, 
Dessa perdição inconfundida.
Eu quero agora o lirismo incomedido dos bêbados e dos palhaços,
De Shakespeare ou de circos. Tanto faz.
Quero apenas aquela loucura vã 
Que habitou-me por segundos em tempos pouco remotos
Mas que ainda rememoram-me em flashes constantes
Lembrando-me do medo de ser quem sou e quem era
O medo de perder-me confundida em mim mesma
E em meus seres.
A loucura de ser intransigente 
E incondicionada.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 13 de setembro de 2015

Ruínas

Eu entendo isso de despedaçar-se:
Essa dor engolida
De ver os pedaços velhos esvaindo-se.
E vão de mala nas costas
Como farrapos
Assim aos trapos
Sem ao menos pedir permissão
Sem perguntar se podem ir
Sem desejar sortes ou até logos
Sem sequer pegar na mão.
É sempre assim a vida
Um virar pedaços
Empedaçar-se
Empedrar-se
Embaralhar os restos
Ela é isso de ver o ido indo
Todos os segundos
De novo e novamente
Sem tempo de esperas ou esperanças.
A vida vira restos
Mas sem vinganças.

Marina Cangussu F. Salomão

De novo as perdições

O que me dói é a falta
A perda
Não o objeto perdido

Afinal, já faço coleção de perdições
Que se ajeitam em filas
Em minhas repartições

Então, me dói a ausência
A distância
A inconstância da vida

Que vai nutrida
Em memórias retidas
De trilhas sem saídas

Marina Cangussu F. Salomão

Fervura

É estranha essa falta de amor
Que me invade por não saber onde encontrar calor
E ocupa-me o vazio
Que deixaram ou que andam deixando
Tentando ocupar cada centímetro do que há aqui dentro
Porque em mim sempre cabem inundações e derramamento.

Mas é estranho esse olhar sem brilho
Esse vagar em ruas sem sorrisos

Eu nasci para fervilhar em desejo
Chorar desesperadamente pela loucura.
Eu nasci para dizer que amo
A quem estiver disposto a escutar.
Nasci para deixar meu turbilhão invadir
Evadir e vadiar.

Ah! Eu sou dessas loucas que ninguém quer por perto
Mas que também não conseguem conter
E quando vejo já estou lá: gemendo de prazer

_Que nem sempre é sexual, amigo,
Só prazer mesmo.


Marina Cangussu F. Salomão

Aquela velha ladainha

Permita-me deitar neste sofá
Assim manhoso
Bem dengoso
Enquanto desejo que o mundo lá fora pare
E que não me digam mais de crise financeira, econômica ou social
Porque de crise eu já estou cheia desde a janela de meu quintal.
Ou que digam de cores, dissabores ou da vida da Dolores
Porque eu já vou cheia de ardores
Podados por meus preceptores.
E vou como esse meu país incrédulo
Arredio e irônico
Que gosta de rebobinar fitas 
Para tecer histórias que se repetem:
(Ontem a noite na esquina da minha casa vi de novo para onde vamos...
Vejo em todas as esquinas essa monotonia em que estamos.)
Por isso hoje eu decidi ser como eles dizem que somos:
Jovens preguiçosos em rebanho
Por isso estou aqui escrevendo este poema antes que apanho.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 23 de agosto de 2015

Sobre o meu carma

Eu abro meus olhos
E o mundo parece de outra cor
Meu corpo ainda está jogado na cama
Inerte. Intacto. Sem dor.

Enquanto minha mente luta para não se lembrar
Que as paredes que me envolvem agora são verdes de esperança remota
E que ao meu lado não haverá teu corpo ainda sonolento
Insistindo em levantar
Enquanto eu peço mais um domingo ao teu lado
Naquele mesmo lugar.

Mas é de verde que meus olhos se enchem
Ao deparar com esse teto mórbido e frio
De meu quarto só e crio.
Recordando-me que a única coisa que me cabe é esperar:
Esperar que o tempo passe
Que já não haja vazio
Que eu me adapte
Que eu não me afogue no rio
Que eu esqueça
E esqueça você: assim, por um fio.

Enquanto apenas espero todo o dia por sua fala
Por minha volta
Por um milagre à minha volta.

Marina Cangussu F. Salomão