sábado, 28 de janeiro de 2012

Oscilação no vazio

Não eram os seus pequenos detalhes
Que compunham minimamente
A imagem que se formava em minha frente
Quando curiosamente abria meus olhos
No descanso que por vezes me dava
Não eram as suas chatices
Que acarinhavam-me sem a delicadeza
E emburrava-me no disfarce de sorrisos
Que lhes garantiriam sucesso
Não era seu enorme peso
Que se jogava carregado de sono
Sobre meu corpo agora sem leveza
E incomodava-me noite inteira e longa
Sob grossas pernas e braços
Não era o seu sorriso nem a sua boca
Nas falas austeras cheias de graça
Que apenas suas palavras sabiam combinar
E retiravam os tortos que me causariam
Não eram suas mãos nem seus cabelos
Não era você quem compunha meu lado
Não era você que me bocejava em silêncio
Porque não havia silêncio onde quer que estava
_ E isso sempre me incomodava_
Mas também não havia a solidão
E era ela que agora me abria bem os olhos
Para ver que o lado oscilava no vazio
E sua frequência se alongava
E sua distância me doía.


Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 21 de janeiro de 2012

Meu fim

Para aquela que mais amo
Se um dia eu pudesse te perder
Desmontaria vagarosa
Cada peça de meu castelo
Construído na base que me destes
E perderia estas peças para o vento
Sem nunca poder reconstruir-me.
Sem teto e sem chão
Assolariam-me todas as pestes:
Minha pele ficaria pictórica e escura
Meu cabelo desfaria-se por qualquer sopro
Meu corpo encontraria a terra
E os germes encontrariam meu corpo.
Comeriam primeiro a mim
Para que eu tivesse a consciência,
Enquanto se alimentavam 
Dos detritos da minha carne podre,
Da presença de cada um
A consumir-me vorazmente,
A perderem sua fome
E eu, perdendo cada mordida,
Tão pequena. Tão devagar.
Comeriam primeiro meu corpo 
Para manterem-me acordada
E consciente da angustia de perder-se,
Da angustia de ver-se acabar.
Depois comeriam minha mente
E então o que ainda pulsa
Enorme e vivo: os sentimentos.
E finalmente acabaria
Assim como acabei contigo.

Marina Cangussu F. Salomão

Verão

Ela veio tão rápida e linda
Com teu cheiro de molhado
Que invadia o vento...
Igual você:
Que veio tão rápido e lindo
Com teu cheiro de cigarro
Invadir-me.
Mas sendo vento eu voava
E a cada hora prendia e libertava-me
Na mistura dos cheiros que fazia,
E me perdia neles mesmos
E me soltava de mim.
É que poderia ter tanto espaço
Que não era preciso estar ali
E teu cheiro tão agradável
Não me prendia mais
Que a rapidez da chuva que eras.
E a única que me restava
Era o cheiro molhado do teu chão.
Apenas o teu
Pois o meu nem havia.


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Notório

Era tão comum e patético
Irrisório, e mesmo bobo
Enfeitado de brincadeiras
Que moviam gargalhadas
Feito criança diante do fantástico
Engrandecido de papel ou água.
Era normal e estável.
Mas era um sentimento
E possuía aquele certo encanto
Por entre sua mesmice
Que o distinguia de algo
Que nunca se soube o que era
Mas que existia e desnorteava
A magia natural da vida,
Que só ressurgiria
Com o que chamavam amor.


Marina Cangussu F. Salomão

Combinação

Ele tinha todos os defeitos que desejava
Todos aqueles que procurava cuidadosamente
Combinar em um mesmo corpo
E fazer perfeito no desejo insolene
De existir e possuir tão delicado detalhe
Que por vez já havia enfurecido,
E mesmo destroçado, outros corpos
Na ira de sê-los imaleáveis.
E tão mais forte era por conseguir
Ter o caminho para a autodestruição,
Tão mais atraente e charmoso
Sabê-lo imponente e finito
Que teria o direito a tudo
Nos poucos instantes que a ele restavam.


Marina Cangussu F. Salomão

A posse

Ele continuava habitando meus sonhos 
Clandestinamente,
Tentava chamar-me e eu olhava,
Incomplacente comigo,
Ao menor cochicho de sua voz.
Pois junto dele era incoerente a resistência
Já que seduzia-me descaradamente
Perante minhas proposições,
Pois sabia bem quanto de atraente
Havia na difícil chance 
De possuir-me com toda autoridade.
Por isso vinha sorrateiro 
Em minha vulnerabilidade,
Apenas nos pequenos instantes 
Que consumia-me no lazer da negligencia de mim,
Para apossar do que sabia lhe pertencer 
Mas a intransigência impedia.
E alcançava a habitação,
Desfazendo-me com perspicácia de meu auto,
Pronta a permitir-lhe em qualquer sopro 
Construir-se em mim.


Marina Cangussu F. Salomão

Pretender

Suas falas fúteis enjoavam-me
Bem mais, ver nos rostos sorridentes
O esculpir na face externa de sua medalha
Um retrato um tanto austero e poderoso
Outro tanto mais falso,
Na imitação não de si
Mas dos mortos que foram seus.
E novamente ressurgiam em carne
Seus defeitos e arrogâncias
Mas a face interna era tão inocente e ignorante
Que percebia-se a ausência da consciência dos erros
Mesmo com falas repetidas,
Nos esconderijos da casa,
Apontando-os chatamente.
Enquanto a face externa do tal colar
Sempre negava-se no excesso.
E excedia-se nos erros, nas falas,
No fingimento e na bebida
Era quase por completo o próprio erro.
Quanto a mim, sabia-o
Via, por maior que fosse o disfarce,
As duas caras penduradas em seu pescoço
E isso fazia-me responsável,
Dir-se-ia predestinado,
A fazê-lo parte dos meus
A suportar-lhe os defeitos
E a fazê-lo o meu maior amor.
Penava comigo feito sombra
E assumia o direito, e talvez o dever,
De ditar-me hábitos e manias.
Estava em minhas escolhas
E nos defeitos que aceitava,
Repetindo tudo outra vez
Na nova carne inocente.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Sincronia

As palavras estão forçosas
Na pintura de seus desenhos
Não acompanham seu escultor
Nem correspondem ao contorno dos pinceis.
Ou talvez ele que esteja em outro lugar
Desejando palavras secretas
Que não se permitem esculpir
Pois seu desenho estampa
Outros arrependimentos, outras ideias
Difíceis de se contornarem livremente
Por isso se endurecem
E colocam outras em seu lugar
De madeira leve e calma
Que não colore e se despedaça.


Marina Cangussu F. Salomão

Marina

Era quando as origens a protegia
De lá vinham as ondas e todos os seres
Que a acolheriam novamente
No retorno às origens de todas as coisas e sua
E em sua gentileza poderia ser calma e confiante,
Como lhe ensinaram outrora
Antes de ser aquela que vem
Agora retornaria, pois sua ida,
Não tão majestosa quanto seu gerador,
Despossuiu-se do amor e da glória prometidos
E já não havia a memória dos heróis que presenciara
E de seu céu colorido com reflexos de luz
Pelo contrário, os heróis estavam
Todos mortos e vencidos pela terra,
Que perdera o brilho da umidade
E se tornara seca.
E o céu anuviou-se
Sem desenhos a se descobrir,
Perdera toda a graça e esplendor.
Então refugiara-se lá de onde vinha,
Onde só seu mar, 
Aquele que lhe assustara com tanto poder e habitação,
Que não sabia a solidão nem os temores,
Apenas ele poderia cuidá-la.


Marina Cangussu F. Salomão

Trança

  Não quero desistir de sua existência:
  Seria um erro da minha razão descrê-lo por razões desleais de algumas questões trabalhadas em poucos instantes de pensamentos sem objetivo.
  Já que sei, e sempre soube, que existe.
  Desde antes de nascer ouvi proclamá-lo as vozes que rodeavam a casa, e senti no movimentar de meu espaço sua presença.
  E sempre soube. Sempre ouvi. Sempre senti.
  Ponderava apenas a imagem que te concediam, as falas, as ações. Tão humanas, sempre tão humanas.
  Mas nunca busquei pelo seu formato ou posição, pois o via de várias formas penteando todas as coisas em uma mesma trança.
  E colocava-me também no penteado de maneira a honrar-me pela lembrança.
  Mas sua trança não prendia como as outras. Dava-nos espaço e conhecimento para voar, pois sendo um todo, poderíamos ser tudo.


Marina Cangussu F. Salomão

Pouquinha

Sempre que a memória me pega
Traça-me quadros de uma pequenina
Que reclamava mais atenção
É que ela tinha que se fazer sozinha
Não tão sozinha, mas sem todo o cuidado
E na angústia da insegurança que não desejava
Se construiu um pouco mais austera
E um tanto mais disfarçada:
Firme e certa.
Na ânsia da atenção despossuída
Ofereceu-a a seus fornecedores
Solucionando-lhes os problemas
Ouvindo-lhes e cuidando
Então inverteram-se as posições
E a pequenina esqueceu que era apenas disfarce
E projetou-se ainda mais alta e mais forte
Mas o avanço de sua construção bambeou as colunas
Foi quando lembrou que sua base tinha garras
Crescidas para protegê-la da solidão
E sempre que exigida apertava-se
Rasgando as cicatrizes da pequenina
Lembrando-a que era pouquinha.


Marina Cangussu F. Salomão

Espreita

De qualquer maneira
Você sempre está por volta 
Rodeando meus pensamentos
Sempre à espreita.
Esperando uma brecha para invadi-los
E fazê-los teus,
Assim como deseja fazer-me tua.
E fica observando todas as cenas
Que se pintam em minha imaginação
Sabe tudo o que se passa em mim
E ciúma todos os personagens.
Mas não vê
Que em tudo lá te ponho,
Lá te encontro e te possuo.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Poeira

Via-o de pé
Com sua blusa de botão azul
Que combinava com o branco do cabelo
Que justificava a boca um pouco flácida.
De pé, cantava algumas preces com fé
Nele havia fé.
E comovia-me a cena
Não sabia o que balbuciava
Mas vê-lo balbuciando já enchia-me
E o coração avisava-me da vida
E os olhos dos sentimentos
Confesso: invejava-lhe a fé
Sem dúvidas ou explicação,
Invejava-me vê-lo como protagonista
De quadro tão belo
Porque antes sabia-me
Diante de espelho fosco
Mas depois achei
Que aquele embaçado era a verdade
Então, perdi-me
Pensei que o girar do vento
Era o dançar livre de meus pés
E não percebi que era minha poeira
Que estava solta pelo vento.


Marina Cangussu F. Salomão

Sol tremedor

Lá pela tarde vinha uma chuva mansa
Para lavar as foia e o quintal
E pruveitava para resfiar a estrada
Que tremia de tanto calô.
Era que meio dia o sol rachava
E nenhum bicho vivo mexia
Tudo empoleirava na sombra,
Até as vista mal via
Com o chão que vagueava
De tanto vapô que subia.
Entõ, a chuva chegava dispois do café
E salpicava algumas gota
Remexia as árvre com seu vento
E alegrava as dança dos passarinho.
E era nessa hora
Que pontava lá três cabeça
Elas vinha preta de sol tremedor
E umas gota por cima no cabelo.
Vinham sorrindo.
Era triste aquela cena:
Tanto trabaio por uns tustão
E os caboclu ainda ria feliz
Com aquelas boca sem dente
Que o dotor chingava,
Mas é que num havia de sobrar
Depois do leite.
E num havia iscoia
Juro. Num havia.


Marina Cangussu F. Salomão

Eleison

Kyrie Eleison
Por ver a ilusão ardente
No desejo cômodo de elevar
E contemplá-la com pena apenas
Kyrie Eleison
Por ver a cena errada
E temê-la em pés de afastamento
E afastar somente
Kyrie Eleison
Por ver a dor tomar a alma
Consumindo-a vagarosa
E calar-me inquieto
Kyrie Eleison
Por ver o todo engolir
Enlouquecendo a nova comida
E enfeitar-me em prato
Kyrie Eleison
Por ver o livre
Perder a memória de voar
E esquecer também
Kyrie Eleison
Por ver vozes altas se calarem
Junto de suas cabeças
E fingir talvez
Kyrie Eleison
Por ver a dúvida voltar
E a verdade ser concreta
E temer falar
Kyrie Eleison
Por ver as palavras saírem
Sem olhos e com bocas
E apenas não olhar
Kyrie Eleison
Por ver o sonho habitar
Sem esperança de sê-lo
E nunca compreender
Kyrie Eleison
Por ver as palavras
Reclamando sentadas
E desejar silenciar
Kyrie Eleison
Por ver o erro desfilando
Com grossas vistas a olhar
E continuar voltando
Kyrie Eleison
Por ver trejeitos fartos
Abraçados a nossos jeitos
E culturá-los de novo
Kyrie Eleison
Por ver a solidão chegar
Aumentando as malas
E não deslocar
Kyrie Eleison
Por não ver a contemplação
Do que seria mais real
E negar-me a tocar
Kyrie Eleison
Por não ver enflorescer cedo
Sem a importância incomodar
E despreocupar também
Kyrie Eleison
Por não ver as falas conjuntas
Sem assombrosas faces
E retroceder a exclamação
Kyrie Eleison
Por não ver o sincero subir
Diante das bocas em união
E criar o normal
Kyrie Eleison
Por não ver a compreensão
Assumir-se além do instinto
E perder também
Kyrie Eleison
Por não ver o encanto
Nem mesmo a arte
E cegar-me


Marina Cangussu F. Salomão

Vasta vista

Não sentia saudades dos grandes muros
Que encobriam sua janela
Desenhando na vista um quadro cinza
Às vezes com algumas sombras ou riscos
Outras com pretos de lodos
E ainda raro um esperançoso verde
Querendo se firmar.
Não. Não voltava-lhe à memória
Com sequer mancha de saudade
E mesmo depois de tanto distante
Nos momentos de retornar
Nunca desejara o retorno.
Pois a vista daqui era mais ampla
E enganava-lhe a alma com promessas
Que exalavam expansão.
Na verdade, é que tão distante se via
Que sua miopia reduzia
E se perdia naquele mundo vasto
E não precisava mais de tantos espelhos
O que precisava, e cresciam,
Eram duas pequenas asas
Que diziam crescer com o tempo
E depois levava a voar por entre o morros.


Marina Cangussu F. Salomão

Contorno

Era tanto tempo distante
Sem ver-lhe as linhas
Que amedrontava-me perdê-lo
Esquecer seus reais limites
Confundidos com tantos outros.
E alvoroçava-me o coração
Na ânsia de conservar-me o tato
De tê-lo preciso, certo e real.
E depois de muita espera
Ao vê-lo e sentir tua boca tatear-me
Acalmava-me em constatar
Cada delineio devidamente posto
Sempre o mesmo em seu espaço
Sem a ação de minha memória
Ou de outras mãos a bagunçá-los.
Eram sempre minhas linhas,
Que desejava todos os dias
Desejar-me cada mínima parte
Como única e com posse.


Marina Cangussu F. Salomão

Teimosia

Talvez eu o amasse por insistência
Teimando comigo mesma
Sim, sempre fui intransigente
_Apesar de nunca cumprir com minha palavra
Era capaz de extremar-me
E ser o outro oposto
Ainda tão teimosa quanto antes.
Amá-lo era então
Uma forma de cumprir-me
Já que outra vez lhe devotara amor
E de outra neguei-me a qualquer sentimento
Jurei a mim, desta, seguir,
Ao menos uma vez, minha honra
E amá-lo. Sim, amá-lo.
Redimir-me dos rancores que causei
E não ser capaz de magoar
Sequer ser respirante
Pois me disseram que o amor
Carrega esse milagre.
Antes disseram-me também
Para amar sem me importar com suas dores.
Eis outro motivo para fazê-lo
Seu paradoxalismo
_Evidentemente atraente,
Que me sugava na ânsia de compreendê-lo
Desvendar finalmente este segredo.
E mais uma vez minha extremidade:
Nada de resignação:
Nunca me colocariam sentada
Diante de mistérios a resolver.
E resolveria então este:
O amaria até o fim
(como diziam)
Para provar-me capaz
Do que pouco conseguiram.


Marina Cangussu F. Salomão