quarta-feira, 27 de julho de 2016

Céu seu céu

No olhar
As nuvens se confundem

Sem formarem linhas
Elas condensam-se em formas desformadas

E tudo que se via era apenas céu
Azul ou branco

Mais parecia que envolvia o todo
Sem limites ou delineamentos

Na verdade: era.

Infinito
Imenso
Incompreendido pelo homem.

Marina Cangussu F. Salomão

Das saudades que se tornaram memórias

As coisas se tornam distantes
Se tornam eternas
Fossilizam em memória

E a vida segue frenética
Outras vezes calma
Sem tanto espaço para chorosas murmurações

E as saudades se amenizam
A vida de novo se harmoniza
E vive-se sem demasiadas ilusões

Marina Cangussu F. Salomão

É como se fosse

Ele sempre foi como se ele sempre fosse:
Ao entrar em minha casa
Invadir meu quarto sem convite
E espalhá-lo desodorantes, toalhas, escovas de dente.
Depois entra na cozinha
Busca comida no armário
Abre e fecha a geladeira.
Troca a marca do shampoo
Reclama do sabonete.
Ocupa lugar em minha mesa.
Lê meus livros.
E me incute a rotina de ver filmes, jogar capoeira, andar de bicicleta.
Ainda insiste, como se eu estivesse errada,
Para trocar o sabão em pó
Por uma bola sem cheiro,
Argumentando que com ela a roupa não da nó.
Senta à mesa de meus pais
Pede a benção à minha avó
Fala de amizade com meus preferidos.
Arruma minha cama.
Reclama do tempo de espera para tomar banho.
Esquece o chinelo que nunca mais voltou.
Compra comida e define o suco.
Diz onde deveria economizar.
Cozinha sozinho sem minha companhia.
Aponta meu estresse, minha fala errada, 
Minha identidade velha, meu jeito infantil, 
Meu apego excessivo.
Vai na farmácia e faz suco de laranja.
E quando menos percebo
Já define a minha rota
E reduz a minha cota (de pesos).

Ele chegou como se ele sempre estivesse
E é como se sempre fosse.

Marina Cangussu F. Salomão

Das coisas de pouco fluxo

Tanta coisa se deixa entrar sem permissão
Uma simples curiosidade
Um rancor, uma saudade
Ou então alguma música.
Outro amor. A fumaça.

E entram dores e perdem cores
Entram também alguns odores:
Às vezes bem-vindos
Já outros com nariz franzindo

E tanta coisa se deixa ficar na expulsão
Uma lembrança, uma memória
Uns sonhos, uma história

De outras vezes vem a tipoia, o gesso, a muleta

Tanta coisa vem e fica por um tempo
Enquanto outras não nos abandonam nem com o vento
Ah! Essas coisas sedentárias
Às vezes queria antes a vazão.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 8 de julho de 2016

O amor e as precipitações

Ele sempre me foi um mistério
Um desejo recolhido nos segredos que nem sei
E que fugiam de meu esconderijo
De meu controle e por regozijo
Acompanhavam meu olhar
Nos sutis passos distantes daquele homem

Passos lentos que a mim chamavam atenção
E que mais parece que sempre me deram vazão

Nunca entendi bem de onde vinha aquele interesse
Sem fala, sem mala, sem rotina. Só olhares
Que não se encontravam

Mas que em algum momento
Desses perdidos trazidos no vento
Resolveram se olhar

E foi como uma rotina perdida
Que volta sem tempo para acomodações
Mas que se encaixa e se delicia
Sem medo de condecorações

E com o tempo se ameniza
Se agasalha e se espreguiça no sofá
E por retrato se percebe que ali nunca entrou de mala
E que na sala é o seu lugar

E hoje esse homem secreto
Que a mim me tomou por completo
Quando me abraça me causa sentidos:
O mesmo êxtase que antes sentia
Quando com ele eu fugia no pensar

Fuga perdida só em pensamento
Mas sem consciência, sem alento
Que só agora me vem na memória
Lembrando do tempo que a ele não sabia interpretar

Então mais do que nunca me ponho certa
De que amo esse homem entreaberta
Que em mim anda vagaroso desde o princípio
Amo-o sem querê-lo em linha reta
Assim deserta de seus erros e suas quedas
Amo-o com particípios
De passados ou presentes
Amo esse homem sem ilusões e sem castigos
E sem fingir-me discreta diante seus precipícios

Marina Cangussu F. Salomão

Dissipação

Mesmo quando a vida não couber nós dois
Continuarei seguindo no que me move
Porque a ti nunca entreguei meus motivos
Nunca te dei o que me é perdido
Continuei sendo livre
E carregando os meus pesos

[...]

Engraçado como sempre penso na dissipação
Acho que não existe futuro entre duas almas soltas

É necessário que alguém te prenda e te fixe para que permaneça
E essa nunca será eu.

Marina Cangussu F. Salomão

Jumentas

Desde cedo acumularam entre nós
Coisas de outras vidas em seu após

E restaram dúvidas impiedosas
E ficaram questões imperiosas

Que nunca deixaram minha cabeça

Pois ficaram pungentes, ardentes, sedentas
E me deixaram inquieta, aberta, jumentas

Então fiz uma rima para não me esquecer
Que mesmo que eu perdoe e deixe adormecer
Eu quero lembrar para não apodrecer
Nesse meu gosto sagaz de me deixar me perder

Para não me deixar jurar mentiras
Juramentadas
Jumentadas
Jumentas

(perdão pela piada)
Marina Cangussu F. Salomão

A gente parte

Vamos aonde precisar
Colocamos a mochila nas costas e vamos
Para onde queremos
Onde cabemos.

A gente parte
E partimos também alguns corações,
Principalmente os nossos.

Mas já somos partidos:
Entre o amor de casa
E o amor da estrada.

Nós vamos
E contamos com encontrar
Alguém que venha com a gente.


Marina Cangussu F. Salomão

Ma me move

Maravilhosamente Mari ela olha
E molha a alma com calor e alegria
Acolhe o olhar
A lama cálida lembra
Love linda e lívida
Ela larga o leque
E ilumina o lar
Da alma que é o Amor

L. A. C. B.
05/2016

Marina

She comes from the sea
She comes to the sea
She goes with the sea

Ela é infinita.

Marina Cangussu F. Salomão

Ela descobria o seu desapego

Ela descobria o seu desapego:
A amiga perguntava "se você quer ir embora de onde mora e não quer voltar para de onde vem, para onde você quer ir então?"
Ela respondeu "eu não sei". Talvez eu venha para cá - como venho agora te visitar, por um ou dois anos, não muito mais que isso.
Talvez.
Agora já lhe vão quase 10 anos no mesmo lugar e antes disso lhe foram outros 15.
Mas nada nunca lhe apeteceu. E sempre lhe fora latente essa ânsia de sair.
Mas para onde ir? Era a pergunta de agora. E fora a pergunta não questionada muitas vezes antes.
E de onde lhe vinha esse espírito cigano? Sabia menos ainda: nada de costume ou justificativa. Vinha de ascendentes sedentários e televisivos. Nunca lhe ocorrera influência.
Entretanto, sabia bem e se lembrava de todas as chuvas que lhe percorreram a vida e os barcos que desenhava e construía para se colocar dentro e mandar junto na correnteza. Mas ela nunca cabia. 
Porém ela sempre soube que um dia iria.
Ir para onde? Tanto faz, o mundo é muito grande. Contando que parta, só importa ir.
Talvez um dia eu pare por outros 10 anos (eles passam rápidos se você deixar), pelos filhos... Só porque para eles é bom ter um lugar que é seu.

Assim ela descobriu que não tinha apego com amigos, família, com lugar. E se algum homem a quisesse, que a seguisse ou lhe oferecesse um plano de ida (não um anel brilhante).
Ela tinha raízes, era certo. Só não queria um lugar para ficar. Não queria enraizar-se.
O mundo chamava aquela alma de "macho" (era o que diziam lá em sua terra). Então macho seria, dizia ela. Não tinha medo de vazio (desculpe a ironia).
O vazio fazia bem, fazia espaço. Trazia leveza. Não deixava peso.

Acho que no fundo ela tinha era medo dos pesares da vida.
A distância romantiza as coisas.


Marina Cangussu F. Salomão





"I think if she'd been born a man, she would have spent her life sailing away somewhere, like her grandfather, always coming back here, perching for a moment, then off again... Always bringing back presents for the people she loved, or objects of remembrance, filling the tiny space here with acknowledgements that there is a world out there.
[...]
I think she hated being a woman. I think she hated living to turn over her independence to someone else. She escaped inside her head, and of course in her boat."

Jennifer Johnston (1991) - The Invisible Worm