quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Salva-vidas

Ele tinha uma melancolia guardada
E seu melhor passatempo era ouvir as dores dos outros
Para tentar entender a sua

Ai feitiço desgraçado!
Eu amo relembrar tragédias

Mas ele era muito profundo para mergulhar
E dava medo aquele fundo escuro e sem chão

"Too deep to dive, sweet heart!"

Ai defeito insuportável!
Eu amo as coisas sem vazão

E por isso eu me ia: já lhe havia contado de tudo...

Eu afoguei. 


Marina Cangussu F. Salomão

Entre defeitos e qualidades

Ela amava ser amada.
Até que um dia ela amou.
E se surpreendeu com o poder que aquilo tinha. 

Marina Cangussu F. Salomão

Das construções

Existem tantas pessoas bonitas na rua
Então, porque eu ficaria em casa

Cachorros
Casais
Bicicletas
Irmãos

Tanto amor emanando um pouco aos que vêm solitários por dentro e tão sedentos
Como eu.

***

Lá em casa ninguém nunca ensinou o amor
E nós nos matamos tão aos poucos
Amando devagarinho
Que seria bom se as pessoas entendessem um pouco a teoria
E descobrissem que só o leite mata o macaquinho

***

Eu ando por um rua que sobe
E que também desce
E são vários advogados
Tatuadores, budistas, pintores
Representados nos prédios que circundam
Que me perguntei quando deixaremos de ser paredes

Foi aí que vi que paredes não são apenas nas casas
Escondidas em fotos de famílias felizes
Elas se constroem também nas ruas:
São os muros 

E agora muitas vezes na web

***

Existe tanta gente bonita em um caminho
Que eles não precisavam de argamassa
Só andar ou sentar.
E passar e ficar.

Marina Cangussu F. Salomão

Primitivo

Tem tempos que eu não morro.
Antes, no início de minha vida de adulta, eu morria um pouco todos os dias. Iludia-me nas correntezas de deveres que me impunham. E nunca me era fácil resgatar as partículas que me iam com a velocidade das passagens, resgatá-las e voltar a ser inteira.
E mesmo o trabalho de reconstituição me levavam quilogramas de energia.
Então eu me desfazia, um pouco todos os dias.
Até que em um deles, depois de quase finda as idas perdidas. Quase: não sou dessas de ser Fênix.
No meu Quase eu refleti de onde vinha o meu sustento, a minha essência. A essência que tanto gritava louca à procura. Aquilo a que poderia recorrer quando me faltavam apenas algumas partículas por se diluir no emaranhado de águas e ventos poluídos que me envolviam.
Descobri o que me enchia de regozijo pela vida.
E foi daí então que minhas correntezas mudaram: permaneceram os deveres, mas deixei também que outras correntes me levassem sem levar, mas repor. Preenchendo-me e repondo partes perdidas. Lembrando-me de ser Uma.
Achei. Lá de onde vem o meu astro, o meu sol: a natureza.
Então disse a mim mesma: eu sou mulher do mato. Dessas primitivas (alguns definiriam) que se sensibiliza no que ainda é pequeno, sem poder se sufocar na civilização.
Para mim, uma folha que cai do topo de uma cachoeira é motivo suficiente para me comover. E para me encher de beleza.


Marina Cangussu F. Salomão

Crisálida

Gastei muito tempo de minha vida tentando me entender.
Pensando nos passos passados e presentes, no porquê, em minhas confusões.
Imaginei e deixei alguns pensamentos gastarem mais tempo que deviam. E me envolveram mais do que podiam.
Gastei muito tempo da vida em um mundo fechado que só pertencia a mim.
Se é que me pertencia.
Acho que eu era só mais um fantoche de mim mesma em meu imaginário de tragédias, sofrimentos, perdas, traições.
Sim, a vida tem dessas coisas. Mas ela nunca será só isso.
Não como era para mim. E por muito tempo foi.
E eu me perdia naquele redemoinho labirintoso sem saída que eu mesma criava.
Hoje acho que posso simplificar-lhe a definição e chamar de Casulo:

Eu me voltei. Ensimesmei. Criei meus mundos e minhas paredes impenetráveis: nem por fora, nem por dentro.
Prendi meus pensamentos conturbados e em avalanche em um casulo fechado.
E quase me sufoquei.
Quase me matei. Quase pulei da altura que tivesse que pular para quebrar aquela casca: aquele exoesqueleto de quitina. Porque me era insuportável.

Porém, um dia, quando ainda era uma criança, eu e minha irmã encontramos em nosso jardim dois casulos de borboleta. 
Foi esse dia que tive a minha primeira aula dessa espécie. Meu pai, que na época ainda me tinha um sorriso leve e imenso, nos contou de onde vinha aquilo: um casulo, que antes foi uma lagarta e que depois seria uma borboleta. 
Duas borboletas. Dois casulos. Duas lagartas. 
E eu me encantei... Antes tinha medo de lagartas, pois não sabia quem elas eram. 
Então eu e minha irmã pequeninas nos dividimos (como sempre). Cada uma teria um casulo e deveria olhar por ele.
E passamos dias, semanas, horas _ não me lembro, só sei que foram eternos _ constantemente esperando, como se espera por um parto: horas ansiosas, intermináveis e seguidas, cada uma por sua borboleta. 
Até o grande instante: quando a borboleta da minha irmã desabrochou. Como flor. Maravilhosa. Frágil. Delicada. Linda. Forte. Ela desabrochou amarela (e amarelo foi a cor preferida da minha irmã por muitos anos desde então).
A borboleta nascia junto de uma gosma clara, quebrando seu casulo lentamente. Sofrendo seu parto. As patas frágeis, as asas ainda molhadas. Encantadora. Nós, maravilhadas. E meu pai do lado nos aconselhando: não toque, paciência, deixe ela nascer sozinha (redundância, afinal, todo nascer é solo).
E foi brilhante aquele instante.
Aquele momento de mágica real. 
E depois de voada nos voltamos para a minha borboleta... E eu já a imaginando azul, ou amarela, ou colorida. Quebrando a casca, se libertando, sendo linda. 
Mas anoiteceu. Clareou. Anoiteceu. Meu casulo continuou fechado.
Foi aqui que tivemos nossa primeira lição de que algumas coisas vão, outras não e outras ainda podem voltar. E nossa segunda lição de que cada fase é importante, mas também deve ter seu fim, para que haja ida. Evolução.

Minha borboleta nunca floresceu.
Simbólico, para os que acreditam em símbolo.

E foi disso que me lembrei quando eu desesperada não conseguia sair de meu casulo. Quase condenada a morrer sufocada, para sempre: nem larva, nem borboleta. Indefinida.
Então velha já e anos depois, decidi que era a hora da "ida". Então desabrochei. Borboletei. Decidi que aquela fase deveria acabar.
Afinal tudo tem seu tempo: coisas, pessoas, momentos.
E a borboleta deveria chegar.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

De minha terra

Por aqui o céu é sempre brilhante
Radiante. Estrelado.
Poucas nuvens cobrem o azul 
Escuro ou claro
Nesses meses ressecados.
E nada reluz alguma vida por aqui com broto
Só os galhos depenados
Dando um jeito de fazer bonito
Até com pouco colorido

Afinal não é a seca ou a chuva
É a beleza de cada um.

Marina Cangussu F. Salomão

Eu na janela

Vai chegando a tarde,
O fim do dia
Descendo a ladeira do céu.

O sol se acalma
E em seus últimos passos
Me diz para acalmar também:

Parar. Ligar Chopin
E levitar.

Assim eu faço.
Então ele dorme.

E o vento vem aos poucos,
Um pouco mais atrevido,
Me acompanhar.

Marina Cangussu F. Salomão