quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vinte

Ao caminhar seu destino 
Se tornava cada vez mais distante
E seus passos mais tórridos, 
Fraquejando em indefinida coesão 
Que lhe retirava a segurança do chão
Sentia-se fraquejar e mesmo turva a visão se fazia. 
Pronto: não havia como se movimentar
Mas em automatismo suas pernas indiferentes 
Permaneciam em controle estável 
E absorto de tudo em direção ao ônibus
Em que adiantaria seu movimento puro 
Em confusões cefálicas?
Vazias de suas quimeras pessoais 
E negados os problemas do mundo?
Sua completude frontal viera apenas lhe retirar 
As fantasias que colerizavam-lhe a infância, 
Permitindo realizar seus monstruosos sonhos
Que de repente não possuíam gosto.
E agora tudo tão longe...
(O fato é que nada mais se mexia dentro de mim¹)


Marina Cangussu F. Salomão

¹Simone de Beauvoir in Os mandarins

Epiart

Você sabia que andaria por estas calçadas
E veria este cenário bem composto
Com arranjos de primavera
Que retornariam alguns pensamentos
Bem saudoso pelo momento
Que me permite desenhar novos 
Com maior ideias
Você sabia que agradeceria
E perceberia os temerosos em pontes,
Agora desfeitas,
Para alcançar este eterno
Sabia.
E planejou meus passos em liberdade contínua
E transbordantes de bagagens 
Para chegar até a contemplação
Que rápida veio em desespero de acontecimentos
E me permite neste momento
Parar e concretizá-la


Marina Cangussu F. Salomão


Ilusionismo cotidiano

A felicidade persiste alguns instantes
Tão poucos e tão breves
Eternizados nas lembranças
Transformando-as em perfeição
A cada ação de saudade
Enquanto amenizam os tórridos tempos
Que se negam a fluir
Enlameados e atolados
E sugam a essência pura do ser
Que pulsa apenas em memória.


Marina Cangussu F. Salomão

Simploricidade

Nego-me a escrever
Porque pouco sentido há
Em desperdiçar tantas palavras
Em sentidos simplórios
De maneira formal
Sem som e sem dom
E nem mesmo ideias
Fluem pelas portas
Em inovação contagiante
Diante de mesmices corriqueiras
Que todos veem e sentem
Em reflexo de vida semelhante
Sem fantasia e poucos sonhos
E já não há imensidão
No viver impleno e só
Em busca do ser-se cabal
Rodeado de maldizeres alheios
Com julgamentos superficiais.
E sem a intensidade
Não haverá palavras para recheá-las.




Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 25 de setembro de 2011

As cigarras

Ela não tinha ouvido as cigarras ainda
Quando percebeu que há tanto tempo
Estando ali a seu alcance
Não parara sequer segundo para ouvi-las


Percebeu o quanto era importante
Em todo o cenário de sol entre as folhas
Ouvi-las em seu ruído desafinado
E mais sonoro que qualquer poesia


E deixaria seus livros e canetas por algum instante
E se degustaria nas notas claras e limpas
Tão fluentes que naturalmente lhes partiam.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Lirismo

Abaixo o lirismo comedido
Em trocadilhos grotescos
Que desfazem qualquer doce sensação
E se enrola em pedra dura
Enfeito em maldizeres
Envolto em desgostos
Em perda para rosas e cravos.
Quero antes o lirismo difícil
E pungente dos bêbados
Que em louca persuasão
Se entregam revelados
Pouco cálidos e muito quentes
E agora envolto em macios lençóis
E enfeito em bons rumores.


Marina Cangussu F. Salomão

Silêncio na casa ao lado

Ligeiramente pacato em perfil de abandono
Algumas janelas permaneceram semi-abertas
Por onde o vento cabreiro entra e traz
Um último vestígio do que há dentro
Na pressa deixou tombado o sustento de animais
Que ficaram por si à espreita na espera
Alguns vinham olhar meio ressabiados
Outros tantos pesarosos pela nova ausência
Mesmo pouco haviam os preocupados
Que assustados reconheciam a chegada da morte
Que em seu primeiro silêncio deixava marcado
Os espaços das lágrimas repentinas.




Marina Cangussu F. Salomão

Par do vento

Deitada na varanda que a protegia
Buscava sentir novamente a intensidade
Deixando tomar-se completa pelo sol
Queimava-se em novos planos
E refazendo cada célula já morta
Decidia-se por recomeçar lívida
E em fumaça levada pelo vento
Remontava os novos passos
Que tão leves e tão flácidos teriam
A destreza e gingado autênticos
De sopro em chama acesa
Com braços que sobem e descem
Para todos os lados sem temê-los
Desfeita todas as barreiras que lhes segurava
Dançando fluidos junto às cinzas
Espalhadas soltas pelo sopro
E não se esconderia mais
Desconfiada de pensamentos
Mas bailarina se faria guiada pelo vento.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Levitação no mar

Agora em expiração tranquila
Sinto o movimentar simétrico
Do barco em vai-e-vem lateral
E conforme o arrastar das ondas
É levado em direção à areia
Onde por uns instantes se acomodará


Mas em vida de barco
Não se contenta em encalhar
E ofegante, novamente, põe-se
Em largas braçadas, a remo
Até tão longe da praia voltar-se
E talvez já bem distante: levitar.


Marina Cangussu F. Salomão

O amor de todos os dias

Essa saudades que me parte
E não me consola,
Envolve-me em desejo de andar junto,
Dançando por entre passeio
E por entre passantes
Unido ao autoconsumo pérfido
De exibicionismo de completa
Felicidade e cabal
Em deleite no outro.
Eis a saudade que não me abandona
E me invade em gritos desesperados
De ânsia sedenta por desfazer-se
Em sentimento incompreensível,
Em fazer-se calmo e seguro
Em abraços tão sedentos 
Quanto os meus.


Marina Cangussu F. Salomão

Os tempos

Solta em solução devida
Precipito-me ao chão cansada
E em delírios de febre alta:
Desejo o tempo que me partiu
Em loucuras e desesperos
Remonto todo o cenário
Antigo em defeitos esquecidos
E ilusório em perfeição trêmula.
Incontido em contracenar
A mesma devida cena
Enrolo-me em caos impossível
De pernas trépidas e soltas
Em distância ao meu pedido
Afogado em outros tempos,
Outrora passados e hoje inscritos
Vê-se apenas seu precipitado
Em epitáfio vencido
E louca em sobriedade desvanecida
Eis que tento dizer a mim mesma:
Antes era exatamente como agora.
Mas não, estou mentindo:
Não é, nunca mais será como antes!¹




Marina Cangussu F. Salomão
¹Simone de Beauvoir in Os Mandarins

sábado, 10 de setembro de 2011

Laranja

Deixe-me vagar em ti
Curando meus maus
Desfazendo deslizes.
Permita que me escorregue
Em meus escombros
A teu caminho
Em tua procura.
E envolta em música
Tão erudita e simples
Me atrair completa
Em desesperos. Em fuga
Refugiar-me em teu corpo
Em intenso laranja.


Marina Cangussu F. Salomão

Tão perfeita

Para aquela que mais amo

Sei o cansaço que causo a ti.
Que não suportas mais ouvir
Minhas banalidades
E tentar compreender
Meus dramas.
Perdoe-me, tenho tentado
Me controlar e ser perfeita:
Sensível, doce e pior que você.
Mas sempre encontrará outros
E mais alguns defeitos,
Porque sou frágil e sincera
E tenho o que ser admirado,
Para sua irritação - sabes.
Mas que mesmo sendo
Tão perfeita a teus olhos
E tentando ser tão perfeita para ti,
Meu defeito é precisar expressar
O que me consome aqui
Apenas para que leia 
E veja o quanto me esforço
Para que se orgulhe de mim.
Porém, além de rejeitares minhas falas
Também rejeitas meus sentidos.
E sinto afirmar que finalmente
Percebo teus erros.
Pena que nunca me lerás.


Ai que saudade do tempo
Que queríamos ser a outra...

Marina Cangussu F. Salomão

Concretizar

E meus sonhos tão distantes
Tão soltos e irreais
Flutuam claros em indecisão
E não sabem-se concretos
Nem quem são.
E tão pouco, tão dissonantes,
Atropelam a realidade.
Mas há tanta vontade
Em tocá-los que sairia
Completamente no ar 
Para agarrá-los forte
Em loucura sã
E voltá-los ao chão.


Marina Cangussu F. Salomão

Certa em decisão

E tão certa nas escolhas
Fragiliza um instante em angústia
De planos moldados e futuros.
E ao perceber este chegar
Debalda-se o trépido em certezas,
Antes claras e leves,
Que agora não flutuam flácidas
Mas giram petardas em questões.
E mesmo que decidido
Não necessita elevar-se em senhorita
E negar o sensível
Pois ser tão marina
Não significa negar humildade,
Mas aceitar abraços.


Marina Cangussu F. Salomão

Fábula

Tão singelo desenhava
O desembaraçar que provocava
E mais solto e menos calmo
Voava alto os pequenos pedaços
Que agora livre dos nós
Podia subir cada vez mais 
E alcançar as alturas da imensidão


No instante tão alto e tão solto
Contornou-se em loucuras
E tão lírico e bêbado
Arregalou-se em destrezas
E íntimo, sadio e complacente
Deixou-se em deleite controlar-se


Na ilusão das amarras
Viu-se então liberto e dois
Agora duplo e mais teria 
Uma altura ainda maior para voar
E em lirismo louco e solto
Deixou-se em entrega delirante
Alcançar a mais singela fábula.


Marina Cangussu F. Salomão

Coração cristão

Diria que os menos não poderiam 
Sobrepor-se em mais pesares,
Pois diante do limite sóbrio de escolhas
Não há mais a que reduzir.
Mas diante de meu coração cristão
E da mente pagã,
Questiono o que real é menos
E quem seriam.
Já que adjunta,  inaceitavelmente,
Ao hierárquico, tenho o prazer
De duvidar do comparativo
Em soltos frases com pautas na igualdade,
Mas tão contra e certamente barroca
De finos altares e chão.
Mas internamente vejo a dissonância
E como quando criança
Divido-me com menos,
Pois sempre terão mais a me dar:
Em vidas tão simples
E fartas com o desenvolver pendente
E a luta por mover-se no aço ignóbil,
Mas esperançosamente maleável.


Marina Cangussu F. Salomão

Escombros

Um pouco blasé, ou mesmo irritadas
As palavras já não se unem tão sonoras
E o canto que existe pouco expande-se
Em forma de contraste com os deslizes
Aos quais coroa sem pretensão
À espera de contornarem-se em melodia.
Deve ser toda a preocupação
Que toma o espaço na ânsia de se construir
Concreta e não suposta em possibilidades.
E tão repleto em ocupações precoces
Espera-se e nada atua, em vão
Mas vê a vida passar não lhes permite nada
A não ser vê apenas por osmose completa
E pouco recebe ou muda: blasé!


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Solilóquio

Se compreendesse a falta vã
Que me provoca e desconcentra
Controlaria estes pensamentos esparsos
Que me flutuam a teu encontro
Cômodo de repleta saudade
E ligeiramente vermelha
Em tons cada vez mais exaustos
Maldiria a distância
Que me consome em descompassos
E neste instante solta e livre
Das amarras que me provoca
Seria plena e confabulada
Em suas estórias sórdidas
E tão encantadoras.


Marina Cangussu F. Salomão

Asilo

Elas tinham sorrisos frágeis
Na ausência das molduras
Que não saberia dizer se partem
Das perdas ou das quedas


Tão sozinhas e somente elas
Povoavam seus dias em saudades
Lembranças supremas de outros tempos
Menos perdidos e menos ao vento


Estavam jogadas a um canto
Com alguma comida e espanto
E fariam festas ao se verem
Nuas de qualquer contentamento


Uma cantava como pássaro
E ilusória erguia-se em voz frágil
À espera do único voo
Que a libertaria do chão


Outra incomodava-se por contenção
Por que ririam tanto se o espaço
É breve e a espera eterna
Em dias fartos de mesmice


Aquela toda enfeitada
Com brincos por toda a camisa
Só não tinha palavras
Que explicasse o que sentia


Pois a saudade era grande
Do lugar que não conheciam
Mas a vontade era imensa
De descortinar-se em voo solo.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Apolo

Quereria eu imaginar 
Essas tardes quentes
Um pouco diferentes
Nós dois soltos pelo litoral
A flainar suaves
Por entre as ondas.
Quereria eu nós dois juntos
De mochilas nas costas
A fugir em silêncio
Para onde haja mar.
Em sossego repentino viveria
O coração em bater suave
Qual vento leve que lá há.
Quereria muito 
Nestas tardes quentes
A companhia ilustre do deus mar
Para em suas águas serenas
Sofrer o doce deleite.
Essas tardes quentes
Seriam bem melhores
Se ao meu lado tivesse 
O que meus olhos desejam ver.


Marina Cangussu F. Salomão

Mesmice

Lembra que prometemos 
Nos amar todos os dias
Sermos só e completos
Lembra que a minha paixão 
É intensa e louca 
E se entrega sem reclusas
E não importa com vozes e falas
Importa apenas com a quimera
Que provém do que deseja
Então não se esqueça 
Que prometemos mudar 
O nosso mundo
E fazer dele nosso
E não sonhar com o que pregam
Pois os erros seriam nossos
E a culpa seria do amor.


Marina Cangussu F. Salomão

Peri Psyqué

Como esqueceria estes olhos 
Que acompanham-me a noite,
Medrosos, temerosos e sedentos
E suplicam-me conforto:
Liberte-se alma desenganada
Não permita controlar-se 
Por ilusões desdenhas,
Elas brincam com teu corpo
Como brincas com carrinhos,
Tuas vontades não precisam 
De manobras que não as tuas,
Sejas forte em teus caminhos
Pois dizem perdidos
Mas sabes o que deves querer.
Por isso liberte-se pobre alma
Não vistas mais estas tuas roupas
Nobres de castidade,
Não sejas puritana por comodidade
Enfrente teus passos em pernas seguras
E deixe meus sonhos leves em doçura
Pela madrugada calma e serena.


Marina Cangussu F. Salomão