quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Medalhão

Estou farta desta hipocrisia diáfana.
Máscaras dizendo não conhecerem-se
Farta da felicidade inocente da ignorância
Importância vil dada ao não etéreo


Diga-me pessimista diante do mundo
Mas é que minha sensibilidade azul percebe
Meus olhos fartos e cansados enxergam
Todos os dias do alto do meu trono


Vejo-vos de dentro da minha bolha prepotente
Matam-se absolutamente convulsivos
Sonora heresia que flui de seus pecados


Odeio-me neste momento pois já não me encontro em vós
Fecharam a porta do frênesi enérgico:
Vivam a vida que têm, esdrúxulos medalhões.


Marina Cangussu F. Salomão

Canção de amigo

Ela pedia ao mar enventado
que lhe inventasse um jeito de sorrir.
Ela sonhava com o vento arquejando
flores verdes no paço.
Então veio como um tocador de realejo
animar-lhe toda a loquacidade do ser.
Ela vivia escondida em seu castelo de marfim,
até que o marionete apareceu:
Du hast Diamanten und Perlen,
Du hast die schönsten augen,
Mädchen, was willst du mehr?*
Ela queria ser diferente
_e ele queria ser igual.


Marina Cangussu F. Salomão

*Heine (Tens diamantes e pérolas,/ Tens os mais lindos olhos,/ Mocinha, que mais queres?)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Ecdise

Insensível e alheia a tudo:
Em outros tempos diria ser
Apenas uma maneira de me defender
De mim mesma, de minhas frustrações.
_ não devo repetir as justificativas cômodas de meu ser.


Quem sabe a mudança tenha vindo
Tão rasteiramente
Que percebê-la não seja óbvio.
Mas aceitá-la será condizente
Com meu momento.


Talvez um dia
Haverá repúdio.
Ou ela permanecerá,
Incessantemente.


Marina Cangussu F. Salomão

Nostálgica

Olhei para mim:
Foram apenas alguns anos,
Mas não vejo mais tanta inocência.
Morri há muito tempo
E nem dei pela minha morte.
Talvez foi no desespero,
Talvez foi com o girar do relógio.
A dor enrijece o coração.
E quem serei quando estiver ido?
O desejo da lembrança de uma vida acabada.


Marina Cangussu F. Salomão

Perseguição

Mesmo que eu queira
Mesmo que eu me esforce
A dúvida perdura em minha mente
Como meus próprios ácidos me corroendo.
Mesmo que eu tente afastá-la
Mesmo que eu finja esquecê-la
Ela me persegue
Como um louco apaixonado.
Ela me destrói com uma maldade nata
Ela me destrói...


Marina Cangussu F. Salomão

Infelicidade

Faces inexpressivas vagueiam ali
Vazias de qualquer emoção
Percorrem caminhos da desistência
E desistir já não corroi-lhes a alma


Vagam por todos os lados assim
Contagiam e disseminam seus vírus
Seus olhos medrosos amedrontam-nos
Não encaram, não falam - vácuo errante


Mas que direi eu? Mísera sonhadora
Persistir no nada? Fugaz ilusão
Se tenho em mim o doce espaço da
Vida. Ajoelho e peço-lhes perdão


A beleza que tenho tão restrita
Nada faz para exaltação em mim.


Marina Cangussu F. Salomão

Hermético


O jardim de Monet em Giverny
Diga-me cantor, que construí um mundo de mágica
Porque a vida real é trágica.
Diga-me amor, que o meu futuro é mais importante
Porque nada vale o que restou.
Pouco importam as migalhas
Se seu sentido é vazio.
E cruel é a sanidade que 
Não distingui sombras de verdade.
Diga-me pintor, que ruelas percorrem o seu jardim?


Marina Cangussu F. Salomão

Entropia

Não há poesia que ecoe em meus ouvidos
Um cântico para essa existência
Não há aquela que dance como borboletas
Envaidecidas de sua beleza tão curta
Ilustrando seu destino
Como aqueles pássaros livres no céu
Rodopiando por entre a liberdade e a antítese
Não há. De tão encantadora e desejante que és
Porque sua beleza está em sua contradição:
Ao mesmo tempo triste e tão senhora.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O pó que somos nós

Não viveremos mais que décadas.
Se pensarmos que décadas
É o que já vivemos
E que nossa vivência
Nada traz de relevante:
Pr'onde tange essa existência ausente?
Dentre rebeldias inóspitas
Que a ninguém aflige
E rodeia a imensidão do nada.
"Porque ele conhece a nossa estrutura,
ele se lembra do pó que somos nós."
(Sl 103, 14)


Marina Cangussu F. Salomão

Depois

"Agora o meu conhecimento é limitado,
mas depois conhecerei como sou conhecido"*
Hoje, finalmente compreendo
O famigerado devaneio
de meu percurso tão longo.
Sinto a sombra de Pandora
Rodear-me a alma
E posso ver o contorno
Daquilo que sempre busquei.
Sinto que o meu depois chegou.


Marina Cangussu F. Salomão

*1 Coríntios 13, 12

Longe de mim

Camille Monet on her Deathbed - Claude Monet

"Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte."*


Esperei-te incansavelmente
por tantas estradas
Desejei-te faminto,
amando a clareza de tua imagem
Abandonei o labirintoso 
caminho que me afastava
Esperei-te chorando
Agora vens tão sutil
Mas sua presença marca-me
Tu gelas as linhas que percorrem meu corpo
Acalenta a frequência de meu peito
E confesso que te rejeito
A solidão que tive
me impulsiona a afastar-te 
Sei que inevitavelmente me levas
mas saiba que ainda te amo
Longe de mim.


Marina Cangussu F. Salomão

*Mário Faustino

Minha carta de amor

The Walk. Lady with a Parasol - Monet
Aqui dentro há tanta mágoa,
Mas a vida chama-me à janela
Com carinho e impaciência
- antes ela fluía tão facilmente.
Falta-me a válvula de escape.
Saudades do fogo que nunca deixou de ser brasa,
Mas que, mesmo assim, morreu.
Ah, são tantas as lembranças que confesso:
Ao aproximar-me do quadrado de vidro
Sinto que canso da luta vã.
Dos sonhos perdidos: a procura de nós.
Hoje vivo pelo futuro. Mas pelo menos vivo.
Saudades de você, vida!
- antes ela fluía tão facilmente.


Marina Cangussu F. Salomão

Decidir

Se as decisões tomadas
mudam a rota:
fique estática vida
tenra e terrena.
O que se busca, 
ou deveria buscar, 
não é as sutilezas 
da futilidade capital,
mas da vida terrena
que nos encaminhe para o céu.


Se as decisões tomadas 
definem a rota:
indefina futuro 
vil e assustador.
O que se constrói
não é a base efêmera
do tempo não presente,
mas da vida metafísica
que nos encaminhe para o céu.


E se as minhas decisões 
são minhas.
Deixe que sejam.


Marina Cangussu F. Salomão

A difícil questão de viver

Minha primazia foi não
E teus sons ecoaram pela existência
O não consumiu-me as primícias


Essa palavra acompanhou-me 
E sonorizou-se para o futuro natural:
Para a normalidade marxista


Outra vez sobressaiu-se
E rejeitou o que me vinha
E qualquer mudança determinista


Mais velha retornou
Sem perder o dom de desapontamento
E afastou-me do teatro diário e contratual


No fim de tudo ela apareceu-me tão linda
Que não resisti aos seus encantos
E neguei a morte eterna


Mas pronunciá-la não é qualquer encenação
Requer forçar-se à dor do desgaste
Do onírico desejo.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Brisa matutina

Possui o rosto inundado
apenas quando o vento 
lhe bate nos olhos.
Somente por reflexo


Mas quando sente seus efeitos
ou quando vê as mudanças do vento
Não é que não lhe afeta
Mas também não demonstra


Talvez foram muitos 
os ventos em seus olhos
e hoje, anestesiado
não consegue mover-lhes o vento


_ e este é apenas a brisa matutina.

Dicotomia

Penso viver em dicotomia
Não sou nem lá nem cá
Mas quantos mundos existem? 
A vivência afirma as diferenças
Mas não é sinônimo de divergências


Quantos indivíduos existem?
Não há dois mundos iguais
Não há indivíduos semelhantes
Então por que não aceitam 
Diferentes razões?


O humano nos engloba
Em parâmetros, determinantes
Mas não há de nos reprimir.
Portanto, não podemos ser tão livres assim.
_ e humanos somos todos nós.


Marina Cangussu F. Salomão

Ondas

A onda se desfaz na areia
Como um pêndulo, desnorteia:
e não há distinção
entre água e pó.


Ela modela, desestabiliza
Ora faz, ora enfraquece
Mas sua ressaca paralisa
qualquer forma de construção


Leva muito do que há na terra
constroe ilhas em outros limites
Porém traz muito do que há no mar
e arremata conchas de se catar


Mas em toda sua espuma
entre o rebuliço das águas
o oceano que lhe guarda
respira equilíbrio.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Isolução

Deveras o tempo fosse este
E as coisas não desabrochassem
Sim, deveras. Deverá.
Já que o mundo não muda
Já que a humanidade não aprende:
As guerras permanecem
As mortes também
A dor nunca acaba.


E dizem em evolução!


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 24 de outubro de 2010

Xeroftalmia

Os meus olhos estão secos
Não há dor que lhes inunde.
Secos como o mundo:
Sedentos, desesperançados.


Não vê que a verdade
Os agoniza, os desloca
Em busca da imaginação
Da vida de menina?


Neles não há nenhuma alegria
Porque é vulgar sorrir
Em meio aos famintos.
Pobres homens!


Nem agora escorre-me, 
na face desconhecida pelo sol, 
uma lágrima.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Envelhescência

Envelheci como toda maturidade envelhece
Ausência do que está além da fisiologia
_ e o sentimento da beleza perde intensidade.


Endureci como toda maturidade endurece:
Esqueci-me da pureza do rouge triste das tardes
Do acordecer dos pássaros.


A música abandonou-me a alma.


Marina Cangussu F. Salomão

Somewhere

Claude Monet
Doce amargura 
que em mim confunde
sonhos e tristezas.
Amargura que ensina 
a enxergar e a viver
Feliz! Conviver a ilusão e o real
Já que a minha essência é sonho
e a realidade é triste.
Espero o meu lugar, 
espero que ele exista.


Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 16 de outubro de 2010

Para minha amada

Tu me trazes a lembrança 
de uma vida que morreu
Dá-me saudades deste tempo
tão barroco quanto eu

Tu me guardas os espíritos
de outros tempos na memória
Resplandeces o afeto
de um alferes com tanta glória

Vejo em ti as sinhazinhas
os escravos e ladrões
As dores da chibata
o ouro e os grilhões

Vejo em ti algo nascente
em ladeiras e castiçais
Só tu tanges santidade
e maldade nos postais

Suas igrejas me alegram
pena que não posso ficar
Não te entristeça minha amada
um dia em ti hei de morar.


Marina Cangussu F. Salomão

Adverbial


E quando todos os carros param repentinamente na deserta e anoitecida rua, nada ressoa a não ser as velhas e desgastadas presilhas da sandália. O solado por um fio de cola representa o quanto já andara.
Não é a brisa noturna que lhe seca o suor: talvez o sonho - o monstro de ilusões que criara. (...)
Deixara para trás tantas canelas arrouxeadas pela bola, eram apenas meninos na tentativa incerta de terem enganadamente descobertos seus desejados talentos ou quem sabe o desejo desesperado de se libertarem do futuro preconceituado do morro.
Por outro lado, exatamente do outro lado da rua, haviam aquelas meninas de meia-calça preta, recheadas de maquiagem. Longe flutuava a discussão sociológica, porque problemas mais urgentes eram corriqueiros: o embelezamento excessivo e desnecessário do que há de mais vã: a carne.
Carne que morre, apodrece, fede e se torna sal para, quem sabe uma árvore - que nem imagina que seu destino é sofrer cortes profundos no lenho, que a transforme em um toco no chão onde muitos irão tropeçar - trabalhe forçosamente para fazer-se frondosa afim de ampliar o sol em seus pigmentos.
(...) Nenhum homem a olha nem a deseja, ou está cansada demais para despender energia com desejos ínfimos que demonstram somente como do pó somos e demasiado voltaremos a ser. Ah! Não pode negar, é o único prazer que este mundo lhe pode oferecer. Mundo, tão devasso mundo.


Marina Cangussu F. Salomão

Soma dos quadrados (im)perfeitos

Quadrado simetricamente perfeito
Arestas linearmente erguidas
Aquele concreto, aquele ferro
Definidos os melhores do ano
Cores claras e calmas
Luzes bem dispostas
Janelas amplas e porta lateral
Temperatura devidamente controlada
Vidros antirreflexo e fiações escondidas.


Desejo um pequeno orifício
Para obter ar respirável
Oxigênio humano. Verdades.
Vida real.


Marina Cangussu F. Salomão

Sociedade

Jaz como a aurora profana
em seu cansaço e desespero
E neles retratas a inexistência
de caridade e compaixão


Vens destronar os merecidos reis
e ocupar-lhes a posição
com desleais ganâncias 
de suor alheio


Desmanchas a vida 
por gotas de ódio
E tira a comida
dos olhos vitrinados


Desnuda a vergonha
e sensibiliza a crença
Não tanges nem pensa
em santidade


És santa para os profanos
Mas quem há de dizê-los
se hereges são todos
pelo amor ou pelo apelo


Marina Cangussu F. Salomão

O amor

Leio sobre o Amor.
Mas o amor não existe:
o que nele reside
são interesses vulgares e febris.
Por eles que sinapses cardíacas
são rasgadas pelo sopro
das palavras sinceras e alossomais.
Por eles que se cria o medo
as paredes, as muralhas
intransponíveis do ser
Humano ou Essencial.


Marina Cangussu F. Salomão

Individualismo

Individualismo,
Rompe com quem te rege
com quem te ama.
Faça-se só e não durará
mate quem te cria.
Finde neste e este mundo ingrato
Esqueça a dor que provoca
e viva na ilusão do controle.
Mas saiba que a solidão limita seu poder.


Marina Cangussu F. Salomão

Meu tempo

Já não sinto a frequência vital
Por isso quebro o vaso que contem minha essência
Estou farta de ladeiras descidas
Estou cansada do método metódico da vida
Mas o tempo apenas mostra a chegada do detestável
Então tento me desprender do mundo:
E encontro somente minha parede torta
Tenho medo da carne porque ela morre
Evito os sentimentos porque eles findam


Marina Cangussu F. Salomão

Implanejável

Essa espera infinita pela perfeição
Atinge o estágio monótono da espera
Incansável.
E ver a vida imperfeita passar
Não permite agarrar dela
Nenhum momento que seja,
Até que tudo se torne intediante.
A espera pela perfeição se demora
E alcança o esquecimento
Que o perfeito não é planejável.
Afinal, a imperfeição da vida
A faz perfeita.
Porém, permanecemos estáticos
Nessa espera infindável
Pelos planos da perfeição.


Marina Cangussu F. Salomão

Eu, vespa

Poderia ser como a borboleta,
mas quebro o encanto 
escolho a vespa.
Sou esse inseto:
necessária e detestável
e não bela e encantadora
Então voo para a solidão
Solidão afável
que preenche quando há vazio.
E escolho ser só
Porque sou tão possessiva
que não me divido.
Sou tão má, que escondo minha maldade
E quando voo veem apenas meu trabalho
- a parte que permito que conheçam
E assim posso ser quem sou sempre
que estou comigo
e só.


Marina Cangussu F. Salomão

Humana, demasiadamente humana

Ah verdade humana,
és para mim motivo de gargalhada.
Vejo-te destruindo,
vejo-te prepotente.
Saiba que não existe,
não absoluta.


Ah verdade humana,
por que fazes isto:
deixar que o ser que te cria 
te desonre o nome.


Ah verdade humana,
não sejas tão inocente.


Marina Cangussu F. Salomão

"Conhece-te a ti mesmo"

Tenho medo do ser que me habita.
Apaguei o passado
Para não perceber que não sei
ao certo quem está aqui
Apenas uma máscara
de poder, beleza e coragem
Tento enxergar o percurso pretérito
mas as memórias foram canceladas
O que fecundou em mim tais ideologias?
Tal rancor perante o mundo?
Onde estão as memórias inconsoláveis
que outrora inundaram o horizonte?
A sensibilidade excessiva?
Assusto-me com o espelho
Com o estranho que ele reflete.


Marina Cangussu F. Salomão