terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Epílogo

 Engraçado ver-nos neste trem: sérios e austeros, fingindo ser adultos rumo a mais uma viagem corriqueira. Enquanto por debaixo da mesa que une nossos assentos se faz questão de roçar ao menos os joelhos, como se disséssemos "estou aqui contigo". 
 Então, pergunto-me se casais fazem isso: contatos secretos e subversivos. Mas logo constato que o casal ao nosso lado não apresenta essa face dual: sob e sobre a mesa.
 Mas nós sim. Sempre temos duas vidas, duas caras: a do trem e a da mesa, a do quarto e a da rua, a da festa e a da sala, a nossa e a de cada um. 
 E muitas vezes nos perdemos e nos confundimos dentre todos esses nossos personagens. Mas sempre fazemos questão de sermos mais de um e de mantermos a singularidade de nossa individualidade. 
 Juntos somos assim: adultos sérios com discussões profundas; ou crianças experimentando primeiras vezes e comendo com as mãos; ou amantes loucos, por vezes pornográficos, eu diria.
 Mas não é que escolhemos esses personagens. Não escolhemos estar num palco, essa arte e falsidade. Mais parece ser um natural de nós dois. Uma demanda inconsciente e instintiva. 
 Como no dia que nos reencontramos: difícil descrever aquela sensação estranha de tentar controlar um desejo que paira entre nós dois. Tínhamos tanto a conversar, algumas feridas para recompor, porém ele me pediu um abraço. E do abraço um beijo. E do beijo o cheiro, o corpo, a pele. A pele dele me consome, me invade, me derrete, me mela, me destrói. Destrói toda a Marina livre e solida, pronta para ser feliz e só. Ele destrói a Marina que a Cecilia bem descreve em "Solombra": já de horizontes libertada, mas sozinha. 
 Ele me faz querer ser dois: Marina sob e sobre a mesa. Marina unica e livre e Marina amante e entregue.
 E temos essa pressa de nos entregar, porque sabemos que vamos nos perder. Talvez seja esse o motivo de outros casais não terem esses pequenos segredos de trens: eles ainda durarão eternamente.
 Nós não. Somos apenas ferias de verão, finais de semana, feriados. Somos passageiros, em trens ou em vidas.
 Mas não nos importamos, conquanto continuemos indo. Afinal, departure time é a nossa definição.

Marina Cangussu Fagundes Salomão

Tiques

Alguns chamam de depressao,
Outros de emburramento,
Exagero,
Solidão,
Drama,
Frescura

Eu chamo de sensibilidade

Marina Cangussu F. Salomão 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Rotura

Vou indo mais que solta
Vou indo louca
Assim rota
De meus nós...

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Staring

Seriam estas tuas manchas marrons, creio. 
Assim, atônitas sem espaço. 
Mas tão harmônicas em teus olhos de cansaço.
Porque: como uma alma leve poderia manchar-se tão sardonicamente 
E descrever-se sedutora e de mistérios. 
Se ao olhar parecem apenas manchas. 
Não sujeira ou resquício. 
Mas mancha plana, homogênea, hiperpigmentada.
E destacada. 
Neste teu fundo verde.
Verde.

Marina Cangussu F. Salomão

Compromisso

Vou pintar de preto e branco as minhas cores
Preto e branco o teu sorriso
Vou deixar tudo claro e conciso
Escrever em letras claras e garrafais o teu feitiço
Vou te desarmar 
Vou te colocar sobre o meu piso
Vou te falar sem isso
De dizer pelas metades de meu sumiço
Para estar com você

Marina Cangussu F. Salomão

Pesagem



E disse a ponte ao amor:
Não quero que te tranques em lugar algum
Quero que sejas livre para unir
E ir sem pesar.


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Ao quintal

Só não me deixe ir embora
Juntada de sapatinhos
Como boneca que virou menina
Triste pela perda de encantos.

Nem me deixe em prantos
De saudade de minha terra
Que antes, dentre tantos,
Nunca me permitiu ser dela.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 16 de novembro de 2014

Dramática de meus afazeres

O dia amanheceu-me
Nublado, chuvoso e frio.
E eu amanheci sem sorrisos.
Liguei meus Cazuzas, Caetanos e Gadú
E eu readormeci sem teu corpo nu
Sem graça
Sem vítima
Ou vilão.

Então, eu fiz uma canção:

Sou menina entre amores
Emburrada pelo não
E faço pirraça
Até te ter na mão

Sou mulher que te quer
E não sabe te ler
Sou toda tua em meu adormecer

O dia amanheceu
Mas não quis me mover
Sou mimada a ponto
De não saber não merecer.

Marina Cangussu F. Salomão

Flagrantes

O saudosismo vai nas letras 
que compõem 
as palavras dos sussurros.

E sussurram 
ventos murmurantes 
nos ouvidos:

A saudade é o que resta dos instantes.

Marina Cangussu F. Salomão

Flores, Cores, Dores, Rancores

Vejo pessoas morrendo
Todos os dias
Uma por uma
Em minha mesa.
Vejo-as.
Não por ser médica ou juíza
Ou por enviesar-me em seita
Ou qualquer treita que aceite a morte.
Vejo-as apenas porque abro os meus olhos em suas flores
E vejo-lhes as feridas carcomidas 
E putrefeitas 
Com bichos e parasitas a devorar-lhes.
Mas não culpo os pequenos seres em seu banquete
Nem culpa seria boa palavra.
Mas o sujeito do verbo morte 
É o próprio ser feito de dores
Por cores que não escolheu
E que morre sem sua arte.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Baixa neblina

A vida cumprida
Muito mais que lida
É arte
É calma e sucinta

Simples como o passar de árvores pela janela do carro em movimento
Árvores secas de outono envelhecidas

Como um sono tranquilo de pensamentos leves
De neblina baixa

Como sons bons e distantes

Chaves por baixo de portas
De portas abertas.

Marina Cangussu F. Salomão

Lithuania 07/11/2014

Apesar de pesar o pesar

Já me vou, meu amor
Assim leve, triste, pacata
Vou-me distanciando
Desamarrotando
Expandindo-me dentre todos os meus ares.
Sei que me acusas de pouco amor
Que te abandono e te causo dor.
Mas me vou,
Porque não queres que eu fique
E não quero permanências
Insistências me agridem 
E me pesam
E eu não gosto de pesares.

Marina Cangussu F. Salomão

Riga

Árvores, fontes, pessoas, folhas
Todas secas e cores tristes
Enraizadas neste vento ressecado
E frio
Mas tão lindo quanto a tristeza destes olhos crios
Cinza, cadente, prepotente
E tão preponderante
Rasante, rasgante
Tão dentro de si mesmo e em seu caminho
Lindo, romântico e sozinho.
Riga: simples, monótona
Não cede. Não pede
Vive em seu confim abarrotado
Amassado pelo vento que enruga o pelo
Cedo
Mas sem medo
Do rodeado.

Marina Cangussu F. Salomão

Vestimentas

O coração começou a doer
Novamente
Mas desta vez uma dor muda
Cheia de curativos
Remendada
Rodeada de perdões
Compreensões e escutas
Ela dói
Quieta
Indistinta
Quase insentível
E diz-me que pouco muda todos os meus passos
O passado continuará intacto
E instável em meu controle
E vontade de "passarão"
Continuará atormentando-me por vezes
Relembrando-me das lacunas encobertas
E das perguntas indiscretas:
"Se sêsse" quem eu seria
Talvez não o mesmo coração 
Bobo e medroso
De suas estruturas poucas
Mas também não sensível
Às bases alheias
Que se escondem em roupas.

Marina Cangussu F. Salomão

Nessas folhas de outono

E mais uma vez me apaixono
Não por pessoas,
Destas os critérios invadiram-me
E fizeram-nas poucas,
Mas pelas coisas
Suas cores, sons, murmúrios
Seus ventos, silêncios, espaços.
Eu me apaixono pela alma das coisas
Que se enlaçam na minha e me namoram
As coisas que permitem ser ligadas e entrelaçadas
As coisas mudas que me deixam dividir
Estas que agem em teus sensores
Sem avisos.
Eu me apaixono pelas sensações
As falas, os cantos, as folhas
O vento nessas folhas de outono
Que mortas são imortais por abandono
Eu me apaixono pelas coisas esquecidas 
E percebidas pelo abono.


Marina Cangussu F. Salomão

Riga - Latvia 02/11/2014

Ao meu lado

Eu sinto as almas ao meu lado
Sinto seus gritos e rancores
Eu sinto suas dores e falares
Sinto quando tocam flautas
Quando trocam olhares
E quando tocam pessoas

Eu sinto as almas ao meu lado
Seus anseios e necessidades
Sinto quando me pedem sem maldade
Pelo afeto, pelo ódio, pelas cores
Por toda demanda de suas faces
E seus amores

Eu sinto as almas aladas
E quebradas
Ao meu lado

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 19 de outubro de 2014

O final do livro

Não é minha a pena
De estar só somente
E desvairada
De estar plenamente
E acabada.

Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 18 de outubro de 2014

Jurado

Acuso-te de vãs desonras
Para desfazer-me de teu pesar
E sentir-me feliz apenas com minha infelicidade.
Acuso-te.
Sou eu a vã sujeita de nosso caso.
A réu. Desmerecida de clamor
Ou misericórdia.
Porém permito-me um último estalo
Na escuridão de minha malfeitura.
Pois acuso-te
Inocentemente de desfarias
Rebaixo-te de teu posto por desgosto
Mas também por perdição.
Porque foram tantos anos acumulados
De incertidão
Delineados de buscas incompletas
Que o pesar das contas
Tornou-se uma questão.
E eu que sempre acreditei
Que romances findavam por desavenças
Vejo-me diante o desamor.
Mas de afeto desesperado pergunto:
Por que tão triste fim
Ao melhor dos perdões.
Por que tão vil e insana a minha desumanidade
Desmerecida da lealdade.
Por que estas minhas raízes podres
Perdidas. Negando seu chão.

Marina Cangussu F. Salomão

Gramática

Gosto de teu adjetivos 
Tua boca
Teus sorrisos
Gosto de teus textos descritivos
Tua prosa.

Mas o que mais gosto mesmo
É de teus sujeitos
Em meus verbos

Marina Cangussu F. Salomão

Auguro

Eu amo as nossa memórias 
E as nossa histórias que ladrilharam nossos caminhos
Comove-me nossos instantes de loucura 
E nosso apaziguamento
Nossos desejos intensos de ser um
Nosso desvairamento
Eu amo nossos sorrisos
E quando nos olhávamos profundamente
É bom lembrar de nossas planos
E do quanto nos seguramos contra a corrente
Eu amo. 
Eu amo. 
Eu amo.
Quero repetir mil vezes para gravar dentro de mim
Mas não é isso o que o tato sente
Sozinho, desolado
Sem metas, esperanças ou futuro
E não é isso o que as falas mentem
Seguras em seu auguro.

Marina Cangussu F. Salomão

Poema do Corriqueiro

Saudade é a melhor coisa para saber quem se ama
Mas não vá julgar o amor pela saudade
Pois ela tem sua trama

Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 11 de outubro de 2014

As coisas belas



As coisas belas da vida 
são as que já estão prontas.
Prontas para serem admiradas.

Fez-se calmo todos os sonidos e grunhidos de minha alma interna.
Não incomodava-me sequer suspiro adiantado 
Ou atrapalhado no querer de seu tempo
Todas as minhas partículas flutuantes seguiam seus percursos
E mesmo que meu sol começava a esfriar, 
Ele continuava ali, doce ou amargo.
E fez os sons em meus ouvidos entrarem mais claramente 
E perceber que os últimos instantes de um dia podem ainda ser vistos
Intensos e loucos.
Com uma intensidade que vem dos olhos, 
Claros, calmos, singelos. 
E uma loucura que não é minha, 
Mas que me comove, me move, me afeta.

Felizes todos esses pássaros deste meu cenário.
Que me trouxeram de volta antes do fim do entardecer.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 5 de outubro de 2014

Segundos e primeiros

E você passará
Como tudo na vida se desfaz.
Então chegará o dia em que a tarde pela janela, 
Antes nunca vista, 
Retomará àquela cor estranha de perdição.
Não de pecado. 
Mas de perdido.
Estranho.
Vazio.
Desconhecido.
E o cenário ficará ali sobre o seu olhar
Analisado.
Instável.
Estático.
De novo o jamaisvù.
Porque na vida nada é como nossos olhos veem 
E tudo se desfarela no toque.
E essa tarde também será outra 
No próximo abrir de olhos após o piscar
Pois é tudo tão passageiro
Tudo tão frágil
Que deveríamos acordar todos os dias
Com os olhos prontos para um novo óbvio.
Porque um segundo atrás ou à frente
Muda o rumo inteiro.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Amores desconhecidos

Olha para mim.
Me escuta.
Já tem tempo, amor, 
Que esses nossos pedaços se remodelaram
Que as nossas extremidades se afiaram
Que a gente viveu de memória.
Já faz um tempo
Que nossos remos foram embora
Que nós mudamos a trajetória
Que cada um tem o seu mundo.
Já faz tempo
Que tudo nosso acabou.
Mas continuamos amando nos amar
Apesar de não nos amarmos mais.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Balança

Há muito aprendi a colocar um pé enfrente ao outro
Bem juntos, para sentir o tato, apesar do calçado
Para sentir que eles continuavam ali: 
Juntos e grudados ao chão.
Há muito chamei aquela sequência de caminho
E com ela desenhei um traço em linha reta
Com muitos riscos, voltas, esquinas e rabiscos sem saída.
Há muito chamei isso de estrada
E a chamei de minha
E me vi sozinha
Porque os passos eram só meus.
Mas sem pesar.
Sem pesar nada.


Marina Cangussu F. Salomão

Perdição

Meus pensamentos são perdidos
Desencontrados na aurora
Perdidos no se por-se.
Perdidos ao por-me em minha cama

Perdidos desenhos
Imagens e sonhos
Perdida a vida em pensamentos desastrosos
A inocência em vagares poderosos

Meus pensamentos são perdidos
Vadios. Vagabundos.
Controlados pelo esvair-se de fluidos.

São pedaçados
Amalgamados
Idos sem voltados

Marina Cangussu F. Salomão

A Estrela Cadente

Nunca fui uma explosão de estrelas
Nem nunca me colidi ou me construí
Nunca dissolvi-me em um mar de poeira
Sempre fui matéria. Átomos.
Por isso nunca estive em dicionários ou enciclopédias
Ou em qualquer banco de dados referenciado
Nunca fui o início ou o fim de um mundo.
Sou mais como uma estrela sem brilho
Nova. Ainda antes de se formar
Ou após morrer. Sem ser distinta entre a multidão.
Mas apesar de não ser nada e de meu pouco brilho
Vivo as minhas pequenas explosões
Chocando-me entre paredes e ares
E, em outra hora, tangenciando-me em distâncias.
Voo e volto de minhas reações.

E é por elas que chegarei um dia à cadência:
Que apesar de finda
É a mais linda dentre os olhos.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Segunda carta

As tuas algemas continuam apertando meus punhos presos às minhas costas. As mesmas algemas que vão trancafiadas à tua farda, moldando-te exteriormente nessa armadura de robô.

E eu nunca fui capaz de fugir desse laço reluzente, que a mim, mais parecia um ponta de faca colada em meu caminho: cada passo para a distância seria um passo à profundidade de meu corpo e dor. 

Mas talvez eu deveria ter-nos ferido com essa lâmina. Apenas para que morrêssemos rápido. Antes que te jogastes do penhasco de tua estrada e junto, as tuas algemas e tudo que a nela se prende. E te sentistes culpado nesse teu céu conturbado.

Eu sei, quisestes nos matar muitas vezes. Nos anular. Ou melhor, aniquilar, pois essa é uma palavra mais forte. Mas eu, como parte intrínseca tua, sempre quis muito viver. Mesmo que apenas tenha sobrevivido todo esse tempo.

Mas o que quero te dizer, antes que pules dessa tua altura mínima de horror, é que nada foi culpa tua. E estará tudo redimido quando compreenderdes todos os passos que se talharam nas amnésias de teu álcool.

E mesmo que meu desejo envolva teu pulo, para que eu possa me libertar finalmente. Eu nunca vou conseguir deixar o teu amor e continuarei presa a ti. Mesmo que de súbito passe pela minha mente que eu te empurre. Porque sei que não gostas de ser agente, tu foges do sujeito de teu verbo. Enquanto eu multiplico as ações em adjetivos e advérbios. E, afinal, há tanto tempo estou te matando, que me atrevo a chamar de suicídio, pois empurrando-te: me jogo grudada.

Pois, na verdade, viemos com os mesmos defeitos de morte. Os mesmos desejos de sangue e dor, por nunca permitirmos a cicatrização de tantas feridas. 

E até a dignidade nos padece nesses segundos de terror, pois não nos permitimos o direito de mãos para proteger o rosto. Para que assim, percamos toda essa identidade que nunca existiu. E que prefere morrer a se libertar. 

Éramos livres. Mas nunca nos recordamos: tu a perder-te e eu a viver sem quem nunca me deixou existir.


Marina Cangussu F. Salomão

Postagem

Não há hora ou tempo definido
para as coisas tangíveis
Pois elas se vão e se formam
em rodopios imperfurantes do corpo
Que mesmo morto
Continua tocável

Menos ainda para as que se desfazem
no ir-se fluindo do pensamento
Ou aquelas dos sentimentos
Que são de outro departamento.

Marina Cangussu F. Salomão

Paragem

Já não saem mais histórias dessa paragem de pensamentos congelados
Sufocou-lhes. Guardados dobrados na gaveta.
É que se precisava organizar a vida
Sem tanta reviravolta de loucuras.
Porque percebeu que deivaramento era só em pensamento
E a própria vida continuava besta.

Marina Cangussu F. Salomão

"Era cadente a estrela"

Sou essa de sorriso pungente
Insistente
Que pirraça diante uma graça
Que desespera pela expansão das levezas

Essa de amor infinito
Que se entrega pelo que comove
Que deliria e enlouquece
Pelo que a move

Sou puro sentimento
Intensidade
Delírio e desejo

Sou completa por ser sofrida 
ardida 
vencida 
iludida 
e insistente

Sou sensível e desatinada
Grande, azeda e descontrolada
De beleza pungente e coração pulsante

Sou essa de encontros encontrados perdidos em algum canto
Com dificuldades por entre o manto
E passos soltos em meio à música

Sou carente
Sou cadente
Sou demente
De mente endoidecida e sã

Sou toda intensidade e vibração da vida

Mesmo que nem sempre ela me acompanhe.

Marina Cangussu F. Salomão

Histórias

E foram alguns passos escolhendo voltar para casa. 
Três deles. 
Procurando ter para onde voltar. 

Mas todos os outros sete desligaram suas bússolas. 
E se perderam. 
No infinito.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Rascunhos

Às vezes quando acordo, a qualquer hora do dia, à tarde ou à noite, pergunto-me o que de tudo isso vale a pena. Na verdade,quando me desperto para a infinitude em alguns momentos,me questiono o que seria arrependimento, perda de tempo, o que se forma pelo atoa em uma vida tão comprida. 
E a minha resposta oposta diante do fim é sempre a mesma: paixão.
É que quando todo o fim se faz concreto, todas as horas são rememoradas como últimas e todas as oportunidades únicas, e tudo se preenche de um gosto maduro de consequência, mas nem tudo se envolve de validade. 
Então se formam desfiles mentais de vida e aquilo que te desfila sempre é o que acelera as embrenhagens de teu circuito, e esse responsável nunca são pernas, dinheiros, horários, cadernetas. 
Afinal, tuas moléculas só se dissipam quando se conectam com outras. E sentir é o que nos permite ir como um corpo inteiro deitar e deleitar em nosso desejo, conectar-nos.
Então, pouco importa se é ódio, terror ou casamento, os músculos se movem quando sentem o enlouquecer das sinapses estremecerem suas partes, enegrecerem as vistas e derreterem-se em gritos ou beijos.
Assim, a vida se move sem ser moinho levantando água, mas como o rio que se vai e se renova, ou como o menino que envelhece. A vida cresce. E a pessoa, em seu segundo de reflexão antes de sua extinção, se entrega, porque no fim é isso que a salvará: o amor que deixou ou que desfez. As marcas que os sentimentos deixaram na memória, na história e na retórica.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Pinga

Não sei se cada pingo é um pingo enquanto pingo.
Ou se originar-se da mesma nuvem os faz nuvem, enquanto nuvem.
Pois, não sei se enquanto pingo devem ser nuvem.
E se enquanto nuvem devem ser pingo.
Também não sei até que ponto os pingos se unem naturalmente para a gota, para a poça, para a nuvem.
E me pergunto se enquanto poça devem ser pingo ou se só poça.
E se como pingo devem se lembrar que estão na poça. Então não são poça, são pingo. 
Mas são poça.
Afinal, será que essas moléculas sabem se são pingo, poça ou nuvem? Ou será que acham que são átomos somente? Ou pensam que são gente?
Pior: e se gente acha que é pingo? 
E se a gente não sabe que é pingo?
Sabe menos ainda que é pingo enquanto gota. E que também é nuvem e que é poça...
Mas quanto aos vários pingos em um mundo inteiro: não seriam uma nuvem mundial?
Entretanto, eu não sei até que ponto tudo isso vale a pena...
Mas, concluindo os questionamentos, pingo é gente ou gente é pingo? Enquanto composição? 
E quanto à composição? 
Ou se isso é só uma oração?

Marina Cangussu F. Salomão

Rito

Eu sou um animal selvagem 
Domado
Guardado 
Todo o instinto de predador

Eu sou sedenta da aniquilação 
De caça
De presa
Do sangue

E se não há caçada
Eu serei minha própria oração
O meu sacrifício

Marina Cangussu F. Salomão

Sadismo

Preciso de teu pedaço
De tua mordida
Preciso de tua pele
De tua ferida

Preciso que me aperte
Que me morda
Que comprima meu pulmão
Que me jogue ao chão

Preciso que me tire o ar
Que me enforque
Me mate
Preciso de você de qualquer maneira

Do cheiro de tua pele
Do amargo de teu beijo
Preciso do teu sorriso irônico
Preciso de seu rosto catatônico

Preciso aqui.
Agora.
Inteiro. Completo. 
Repleto.

Venha antes que passe toda a minha beleza
Toda a minha certeza de te querer
Venha antes que eu mesma marque a minha pele com suas arranhaduras
Com uma nova tatuagem dizendo suas loucuras

Por favor, venha derreter-me
Abater-me
Faça-me pálida. Roxa
Faça-me vermelha de tanto beijar-me

Venha em minha soltura
No meu perder-me
Venha antes de meu descontrole

Antes que arranque os pelos
Antes de invadir-me a dor
Antes de possuir-me outro calor

Marina Cangussu F. Salomão

Erudita

Meus pedaços estão todos despedaçados
Todos em pequenos pedaços
Pequenas migalhas
Esmigalhados 

Prestes a explodir
E se elevarem como partículas
E voltarem-se como gotículas
E rolarem por entre formigas

Loucos por serem um
Por serem unicamente
Por sempre corpos de um só corpo
Por serem soltos

Sedentos por ir-se pelo ar
Sem remeter-se
Sem esconder-se
Sem esvair-se

Na verdade
Eu sou um vulcão prestes a erudir
Prestes a erodir
Erudita

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Se olhássemos as origens 
Entenderíamos suas vazões...

Marina Cangussu F. Salomão
Às vezes me seria apenas o sol quente e mormaço.
Mas o vento forte insiste em mim.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 24 de agosto de 2014

Falésias nas falácias

Nada mais belo do que o ser-se por natural
O deixar dos remos 
O permitir dos ventos
O ir-se indo pelo movimento de pés
Sem nascimento de esforços 
Ou de loucuras desvairadas
Apenas loucuras apaixonadas
Pelo nascer por entre frio ventos e chuvas
Ou por entre o sol
Em meio ao seu excitar de elétrons 
E fazer de gases nobres.
Apenas o fazer nascer você
Pelos seus próprios átomos. 
Tua própria imensidão.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Fuga de ideias invisíveis - Asa ritmada

E nessa asa ritmada
Não sei se subo ou passo
Não sei se vou ou faço
Se tenho rumo ou traço
Só sei que fico
Na amalgamada
Da alma degenerada
Meio descabelada
Entretanto quadriculada.
E sei que canto meus contos pelos cantos
E noto se ferem outros tantos
E se geram outros santos
Porque meu ritmo é esse da santidade
De qualidade e brevidade
Meio inteiro sem parâmetros
Sem retângulos e metros
Mas de meu ritmo sei também que são vaidosos
Outras vezes escandolosos
E é por isso nunca serei mudo
Nem tudo. Nem nada

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 17 de agosto de 2014

Domingo à noite

Para Adson EGS

Há quem diga que os remos são como peixes afobados, 

desesperados pela pressa do sem sentido. 
Sem rugido e sem entrega. 
Afinal, para que o remo se as portas virão cada uma à sua vez. 
Cada uma uma vez. 
Se não para para boiar, 
todas as molduras passarão. 
Sem direito a voltas. 
Sem direito a vistas. 
Porque a correnteza já se foi. 
E o cardume também mudou. 
Se não contempla, 
nada terá o gosto do eterno. 
Do etéreo eternizado: 
essa mágica sagrada do instante. 
Essa marcha sagrada do passante.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A minha alma apodreceu muito antes de nascer
E eu perdi tudo... Antes mesmo de ter.


Marina Cangussu F. Salomão

Naufrágio

Está tudo molhado
Tudo inundado
Tudo perdido
Achado pela água 

Está tudo encharcado
Tudo alagado
Tudo moldado
Refeito na eira desmoronada

Está tudo sumido
Tudo esquecido
Bem sem sentido
Nos extremos de meu condomínio

Marina Cangussu F. Salomão

Pedaço de ritmo incontido

Que passa coração
Tu neste teu órgão ritmado
Não sabes da complacência da vida
Pois nada faz-te sangrar em ferida

Que passa coração
Se pouco sabes da resistência de teus canos
Apenas espera o rugido nos teus planos
Enquanto esbanja-te em tua sofreguidão

Que passa coração
Acreditas na absolvição de teus condenados
Como se os anos passassem alterados 
E tudo ficasse em vão

Que passa coração
Quando até em ti te mudam o gingado
E mais rápido faz-te teu ido sem voltado

Que passa pedaço de músculo especializado
Que faz-te desordenado?

Marina Cangussu F. Salomão

Sobrado

Suavizado
Sintonizado
Situado.

      Sobrado
      Soldado

Marina Cangussu F. Salomão

Do ver ouvir e falar

Eu tive que gritar várias vezes em meu ouvido
Eu tive que gritar
E eu gritei
Eu me esgoelei
Mas eu nunca ouvi
Eu nunca vi as ondas de meu som me atingirem
Então silenciei o suado e suavizei-me à janela.
Eu tive que ver passar: 
Os passageiros, os passantes e os passados
Eu tive que me debruçar
Eu tive que ver os futuros passados passantes
Passantes escancarados passados
E os passageiros de meu próprio voo passando
Eu tive que ver passar
Porque o meu grito reto nunca atingiu meu ouvido oblíquo.
E eu nunca disse a mim mesma.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 10 de agosto de 2014

A velha estrada de tijolos amarelos

Para Tico Salomão, pois foi quem me ensinou a estrada que deveria seguir. E hoje, ainda nela e distante, desejo com todo o carinho uma parada rápida no final, para ao menos abraçá-lo e dizer que o amo, mais do que o mais impossível. (Eu te amo, Pai)



E fui andando pela estrada de tijolos amarelos
Que desde muito me disseram na infância
Segui sem saber onde pisava, se parava ou ia
Mas rememorava sempre aquela fala
Que dizia que ele seguiu
Então repeti

E andei pela estrada de tijolos amarelos
Era ela apenas o sonoro de meu coração pulsante
Era o sonho, o dream murmurante
Me dizendo sempre para buscar o que era meu
E a voz me era tão familiar
Que segui

E cheguei ao final da estrada de tijolos amarelos
E era tudo o que sempre pedi
Porque mesmo na coragem de ir-me pelo meu eu
Soube ao final e desde o começo
Que caminhos guiados por sonhos nos levam para casa
Para o axis rodeado pelo amor mais seu

Marina Cangussu F. Salomão


quarta-feira, 30 de julho de 2014

Do pássaro que a mim se exibe

Ele tão fantasioso
Com tantos assuntos e papos
Ele de mil feitos e saltos
Sabe me trazer
Silêncio

Marina Cangussu F. Salomão

Desejo

Por que eu não posso te tocar
Como todos os amantes
Como todos os falantes
Como passarinho

Por que eu não posso te ter
Em meus braços
Em meu sorriso
Nos meus lábios

Por que eu não posso te ver
Sem a janela
Só com vela
E nada mais

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 29 de julho de 2014

Caracol

O mundo dentro
É tão intenso
É tão imenso
Que razoavelmente
Faz sair
O mundo dentro
Menino sedento
Se faz rabugento
No canto
Do desencanto 
Do mundo sem santo
De puro estranhento

Marina Cangussu F. Salomão

Tiquetaques

O tempo suspendeu-se 
Retundo e abaulado
Pelo o que o relógio diz ser segundo
Pelo que o mundo diz terceiro
Parou estático quieto
No segundo de terceiros
No quarto estágio de seu batimento

Deu-me uma brecha
Fundou entre nós um espaço
Fincou entre os mims uma flecha
Esburacou meu pedaço


Marina Cangussu F. Salomão