quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

No casulo


Cada um faz seu caminho
Em pedras coloridas, como queiram

E torcem e distorcem
Convertem e divertem
Quebram e requebram

Seus retratos e passados
Suas esperas e o que esperam
Seus motivos e motivados

Cada um vai se entorteando
Ensimesmando
Escarafunchando

Até abrir-se formado.

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Olhos altivos no chão


Sustentavam-se de seus castelos derrocados
Destruídos em amarelo cinza cor de terra
E iam rastejando altivos em sua poeira árida
Lambendo todo o pó na ânsia de ser ouro

Revestiam-se daquela ilusão contentados com o desenlace
E o único que erguiam da imobilidade eram os olhos
Para não ver o chão tão perto e tão podre
Sob seu rastro de perfeita hipocrisia

Marina Cangussu F. Salomão

Lembrança


Sinto-me tão apertada neste cubículo de paredes
Que um simples olfato familiar fragiliza-me
E contorce toda a minha efigie, retraída por tocar
E produzir o mais lindo som em lágrimas de notas
Claras e pulsantes, rodopiantes entre as lembranças mais nobres.

Marina Cangussu F. Salomão

Meu castelo


Há poucos anos, após se desfazerem todos os castelos pré-construídos e moldados que me deram e sustentaram, questionei ao alto quando voltariam as preces sem pressas e as graças, quando voltaria o sincero.
Sobrou-me apenas paciência.
O tempo, então, resolveu-se por soar lento, vagaroso, em cada suor e em cada choro.
E após mil quatrocentos e sessenta e um dias, sentindo cada um pesar-me tenramente, contando cada um de seus segundos, vi que passaram ligeiros, rápidos. E que me deixaram seus mil turbilhões, e estes me ergueram junto do vento e lá em cima criei asas, bem grandes e redondas, que quando me guardavam, de longe, era o mais lindo castelo.

Marina Cangussu F. Salomão

Voou


Hoje me permito voo rasante
Sem paradeiros
Sem pressas
E sem medo
Só sonho e recheios
Só asas.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Imensidões


 O todo se faz pequeno 
Na imensidão do colorido daqui de baixo
E rodam e giram embriagados de tanta luz 
E tanto que se deve ver
E perdem na imensidão de cima 
O tanto que se devem ser

Marina Cangussu F. Salomão

Linha de imaginação


Iam no segmento repetitivo
De imitar os mesmos gestos
Em mesma linha de andamento

Formados nos pacotes coloridos
De idênticas cores e laços
Embrulhados em prateleiras

Iam com a mesma função
A mesma repetição
Competir diferentes arranjos

Inventavam poucos detalhes
Recheavam com sons avulsos
Aproximavam em pura rivalidade

...Eram bonecos sonhando a própria compra

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Supracitação

Não canto em canto escuro
Nem falo só calo
Em incontestáveis contáveis
Solos em solo seco
Na árida terra molhada
Por meu choro em coro
Dos poetas largados
De meu chão alaranjado

Marina Cangussu F. Salomão

Cantos

Hoje me calo em silêncio aterrorizado
E não há canto em qualquer parte
Nem sol nem voz nem abençoado

Há desleixos em insuportáveis cantos
Em gretas buracos diachos

Marina Cangussu F. Salomão

Sentimentos nos velhos quartos

As memórias falham no estar novamente
E as cenas se desenham todas em terceira pessoa
Pessoas estranhas e tristes em fantasmas
Incapazes de tocar em suas águas e horrores.

Marina Cangussu F. Salomão

Solo

Quem poderia dizer para onde vai a vida
E o que vamos ser
E se os caminhos onde damos os passos
São os mesmos onde construímos nossos castelos
Diga-me: onde tudo isso pára
Já que nem me reconhecem em fotos antigas:
Meu rosto muda, meu corpo muda,
Minha alma muda, quiçá minha essência.

Marina Cangussu F. Salomão

Cético

Disfarça-se em incredulidade
No tontear de falta de risos,
Falta de turbulências,
Falta de vocais.
E gira e roda, tonteia
No fingir de não ser os olhos
Que remexem para lados
Ou a mente desenhada na cabeça.
Apenas julga o mundo passando em círculos
Impondo o movimento da terra
Registrados nos teóricos.
E esquece seu próprio movimento.
E não mais se mexe
Nem retira os pés
No medo da pouca fé
De caminhar.

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Meu desejo

Somente quero estar lá:
Por trás da cortina enevoada 
Sentindo o cheiro molhado
Que a terra transpira.
Somente ela e minha contemplação
Em horas monótonas e vazias
Que preenchem meu espaço
Em sussurros e balanços.

Marina Cangussu F. Salomão

Síndrome

O tempo não para em seu cubículo abarrotado
Nem os olhos cerram.

Os pensamentos tolhem
Em seus quilômetros de listas e tantos defeitos.

A garganta entope,
Os lábios embatucam.

E os grandes olhos procuram pela vida.

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Transparentes

Os transparentes
Que passam em suspiros
Mal notados
Escondidos nos cantos
Passavam estranhos 
Do outro lado dos olhos 
Que não olhavam
Passavam sumidos
Calados
Sem corpos
Inconcebíveis
Em transitório devanear de anônimos
E iam para incontestáveis lados disfarçados
Assombrados
Em malas, pernas e sapatos.

Marina Cangussu F. Salomão

Meus olhos

Olhavam para cima 
E giravam em perfeita circunferência
Repetidamente
Iam no meio e voltavam ao centro
Procuravam os motivos
Os suspiros e a saída
Mas não viam, nem sabiam, nem notavam
Eram cegos.

Marina Cangussu F. Salomão

Buzinas e gemidos

Eles nos matam aos poucos
Consumindo nosso ócio 
Em mil gritos aturdidos
De tantas buzinas e gemidos.
E consomem a alma etérea:
Aquela diminuta alma sem ar
Sufocada em seus barulhos 
E nos tantos deveres,
Que retira o que é capaz
E desenha nos corpos os traços a ser,
Lineares e delimitados.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Habitabat in Purgamentum init

Eles iam bem próximos ao chão
As mãos estendidas no final dos braços
A cabeça baixa, os olhos espertos: 
Para baixo. Azuis, bem cinzas
Envergonhados.
Mas ninguém os via.

Marina Cangussu F. Salomão

Expulsantes

Vinham com malas abarrotadas
Desesperadas 
E vazias

Traziam os costumes
Os rumores
E os atores

Mas ficavam acanhados
Intimidados

Desde seu sotaque
Até sua farinha

Então corriam ao seus extremos
Envergonhados

Marina Cangussu F. Salomão

Castelo

Doía-lhe todo aquele silêncio
Deteriorando em sua face 
E nas expressões mal feitas 
Doía-lhe a alma, a cor 
As flores que não lhe rodeavam mais
Desmoronando no ser-se
No manter-se
No fingir que é.

Marina Cangussu F. Salomão

Ideias de minhas grades

Lá pela tarde
Quando a chuva vinha
Assim grossa e repentina,
Daqui da grade
Ouviam-se os gritos lá fora
E mil pássaros subindo
Daqui, dependurada pela mão
Acreditava o terror aos de lá
E que os pássaros fugiam do chão
Até quando aproximei-me da janela
E vi que apenas brincavam
Nas lindas gotas no contraste amarelo.

Marina Cangussu F. Salomão

Meu secreto

Queria ouvir
Em seu mais íntimo segredo
As vozes dos que calam
Ouvir as palavras
Que insistem em seus olhos
Aquelas que clama
Chamejam
Preciso ouvir aquelas vozes
Que ninguém ouve
Abraçá-las intensamente
Acariciando-as e protegendo
Sussurrando baixinho
Canções de mãe
Para que a dor do silêncio
Pudesse ir-se livremente
Para longe daqueles olhos tristes
Medonhos e famintos.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Desabarrotância

Tinha a mania e costume de acumular o que desejava profundamente em grandes potes, recheados, belos e cobiçados. 
Transbordados.
Eram chamados postergados. Adiados para quando pudesse viver sem normas e horários.

Enquanto no outro pote, um só, acumulava e esvaziava os afazeres, os de todo dia e toda hora: os Áridos.
Quentes e secos. 
Como suas palavras e seus minutos (cheios). 

Porque os outros Tempos viviam guardados, esperando a desistência do medo para brilharem na desabarrotância.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Olhos abertos e suas vistas

   Os olhos estavam mais abertos naquele último instante. E isso doía-lhe toda a alma. Toda a frágil e insana alma: perfurada em sensibilidade que lhe atravessava feroz no que os olhos viam.
   E se sentia só: decadente, paralisada. Mas dentro uma ânsia incalculada, encabulada  uma desorganização (era isso que a feria).
   Sentia-se incapaz com as mãos cheias.
   Afinal, se seus olhos claramente concluíam, porque suas mãos eram fracas ao mexer?
   Necessitava as palavras, as mesmas que sempre incomodaram, em sua sequência certa, em linha, enfileiradas, as devidas palavras na entonação correta para que fossem ouvidas e adquiridas em cabal sentido.
   Eram tão poucas em sua sequência ínfima, porém tremiam por se porem organizadas na língua. Eram difíceis, inaudíveis.
   E enquanto mortas, solas e esquecidas, o coração vagueava no esquecer se batia. E os olhos continuavam vendo todos, sem distinção de fortes e vagos, putrefazerem-se vivos, deteriorando-se degradados, comendo o chão, com risos doentios e choros coléricos.
   Careciam famintos apenas daquela sequência simplória de rebeldia.
   Mas ela não existia. permanecia sufocada em um choro incompreensível: única voz dos pequenos olhos abertos.

Marina Cangussu F. Salomão

Demasiado

Sou esta com tendência a transgressões
Que se envolve em excessos
Que grita em teus ouvidos
A que esquece ou se dissolve
Aquela que olha somente
A que chora
Que desaba e desmorona
Que levanta em asas
Que voa
Aquela que sorri e exagera
Sou aquela que sente em demasiado.

Marina Cangussu F. Salomão

Monólogo enfrente o espelho

Do alto da janela vejo aquele jardim 
Calmo e tranquilo com gotas nas águas
De um verde simples e definido
Calmo
Dizendo se morre ou apascentando o vive
Tão calmo e passivo 
Que sinto o que me transformara 
Na rapidez de teus dias
Rodando estonteante 
Nas luzes velozes de tua loucura
Que gira absorta e trépida 
À espera do fugaz momento 
Pra tomar-te deveras
E fazer-te escotomas cintilantes 
Brilhando apenas em instantes 
E se perdendo
Lá poria a música em algum lado para dançá-la 
Mas nem se quer nota que tocava
E é incapaz de dançar os passos ensaiados 
Incapaz de tê-los em ritmos 
Porque brilhas demasiado ou nada.
E só hoje vê-se o teu baseado 
No mais fino espiral
Contrapondo a fragilidade que se retira.
De onde vens, diga-me?
Tua luxuria por entre pedras
Tua soberba em teus caminhos
Tuas vozes todas gritando mil sons
Mas onde encontras 
Como chegastes e por onde vieras?
Vê-se ainda que definhas
Se perde e some em teu incontrolado


Marina Cangussu F. Salomão

Azorbatada

Por que tive que nascer louca
Endoidecida?
Salva pelas cores que me colorem
E os contornos que me descrevem
Por que nasci com esse medo?
Azorbatada?

Porque nasci em exceções
Fantasiada em incômodos
Incontornada e consternada
Fora de mim e de minhas paredes
Brigada e desgradecida

Marina Cangussu F. Salomão

Junção de sons

Como posso dizer que o amo
Se me embaraço nas palavras e significados
E não os encontros sem redundância
E nem delineiam meus desejos

Como posso contorná-lo 
Com as palavras de meus sentimentos
Se desconheço suas combinações
E não consigo juntá-las em sons

Como posso descrever-lhe o que vejo
Quando se desfaz todo o tédio
E fito-o em admiração
Que ressoa na vergonha de ser olhado

Como posso discorrer em discursos
A carícia de senti-lo ternamente
Não perto nem longe
Mas existente em minha posse

Como transcorreria-lhe mil diálogos
Em nomes definidos
Para um incontentar de sentidos
Por abraçá-lo somente

Como faria-o acertar minhas intenções
Tão vagas em meus trajetos
Sem letras para compô-la
Mas sempre tão intensas
E eu tão dele.

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Nosso óbito

O mundo é triste
Com suas mortes prematuras
Que vão indo sedentas
Racionalizar

Mas o mundo permanece
Com seus desejos insaciáveis
Para os novos olhos
Que deixarão de brilhar

E se perde a cada instante
Mais dos brilhantes sonhos
Que morrem sem questionar
Ou calam para não falar

Ficam apenas os olhos retos
Alinhados nos próprios passos
Já nem sabem sobre abraços
E o que é voar


E enquanto uns morrem
Um por um
Outros calam
Corretos demais


Marina Cangussu F. Salomão

Por nós

Há uma dor em mim
Calada, surdina, escondida
Porque agora os ouvidos também escutam
E os olhos desataram a chorar

Marina Cangussu F. Salomão

A terra do meio

Há muita dor em meu preço para desamarrar-me
E não acelerar na pista reta que me entorta 
Na loucura de entontear-me sóbria em banho 
E derrame entrega à loucura do que não vem de mim.

Há muita dor e muita loucura para confundir-me e consumir-me

Marina Cangussu F. Salomão

Sua presença

O desejo invade-me descarrancando o desespero do longe
E a imaginação pode fluir solta nas cenas de tua companhia
Vem e abraça-me nos olhos cerrados e na falta de tato
Sinto a caricia de tua pele roçar-me ávida.
É o segundo que modifica toda a ausência e introspecção
Que agora me move ainda mais sedenta àquele abraço que não existe,
Mas me envolve e dissolve ao me lembrar de ser sua.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Formigueirar

Deixe-me livre para penetrar em meus pesares
E senti-los consumir-me como redemoinho em água plana
Invadindo meu afogamento apenas cético a olhar
Deixe-me cabisbaixa, deixe-me insossa
Que eu discorde ou que complete
Que exagere em tresloucadas dores e amores
Ensandeça as verborragias e cuspa em tua cara
Deixe que feche o rosto como criança 
Sem justificar-lhe em papel branco de mil linhas
Deixe que me derreta nesta quimera
Que morra ardendo em meio ao asfalto
Ou que fuja em desespero por passos curtos
Deixe-me sentir. Incendiar
Deixe-me formigueirar.

Marina Cangussu F. Salomão

Do retorno aos cheiros e vontades

Volta à infância sem presentes
E é capaz de sentir o cheiro impregnante
Da bolacha e do lápis
Que rolavam em outras mãos
Que não eram suas

(Come-os incansavelmente até abarrotar-se)

Invade-lhe as saudades, as meninices:
Relutara tanto por não abandoná-la
Que ao se ir foi completa
Restando a rispidez e a saudade
E agora invade-lhe a cura e a raiva:

Ah incompletude de outrora,
Por que invade-nos agora
Sem pedir para entrar
És tão doce e tão terna
Tão longe. Tão vaga
Que sobra apenas no fechar de olhos
De imaginação solta
E vai-se indo em tempo
Mas já nem tempo vê-se passar.


Marina Cangussu F. Salomão

Nas montanhas azuis

Eu ficaria estática, 
Arregalando-me 
Aos pequenos detalhes 
Que cobrem de tinta 
Os traços de cada desenho 
Que pinta o mundo passar lento,
Se estivesse ao meu lado

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os homens de boa ventura

Eram máquinas entorpecidas em sandice
Sem recobrarem os movimentos que lhes enchiam
Eram loucos e desdobrados. Rápidos
Eram bons: limitados.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

"Agora és livre se ainda recordas"

A vida pulsa em seu silêncio
Protegida da memória do instante
E deitada de olhos fechados
Posso ouvir apenas o som do vento
A flutuar-me na pequena vastidão de si

E sinto que a vida se expande:
Tudo é largo e vasto
Até as lágrimas podem vir tranquilas
Tal como o vento a acariciar-me

E no mais puro silêncio
Não me resta tentação de volta
Só o tempo e o vento e eu flutuante
Então ouço no profundo cochichar
A lembrança de ser livre e recordar


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Peso das rodas ao girar

Ao mesmo tempo esperança e derrota
São estas rodas girando curvas no asfalto

E toda sua poeira memoria-me o que deixei
Junto do rumo que me convence do que tenho

Mas por tantas não supero o peso
E titubeio no sopro tênue de desabar-me
E retornar para meu colo

É tanto, tamanho este peso equilibrista
Que esqueço de ver o que passa
Para sofrer pelos que ainda planejam sair.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 14 de outubro de 2012

Na noite de ir-me

Suporto o paginar de tempos
Colocá-lo sóbrio à minha frente
Suporto tê-lo ruidoso e sincero
Mas me aquebranto no calar solo
E silenciar diante os pensamentos
Que dizem nas palavras escritas outrora
O lápis que me desenha e contorna
Tão sórdido, tão só
E vejo os outros rumos e outros passos
Porque tão distantes aos olhos
Mas rodeantes me enlaçam
E me fitam bem aos olhos
E rasgam em tudo o que dizem

Marina Cangussu F. Salomão

Caminho dos meus pés

Novamente meus pés aspiram o avesso
E se trocam e tropeçam
Nos passos idos e vindos 
Adestinados em seus desejos
E teimam em voltar
Outros teimam em ficar
Sabem apenas seu contrário
E seu trocado
Mas o querer é pouco
Nada além de ser um passo só
Em sua direção


Marina Cangussu F. Salomão


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Minha idade

Tenho a idade da alma
Que leve rodopia
No sopro de ventos
E se deixa ir indo
Inocentemente
Em sua pouca forma
Aonde lhe cabe ir
Entre músicas e cantos
Nas vozes e nos discursos

Tenho a idade do som
Que mexe o vento
Em esmagadores
E soltos
E estou em sua rarefação
Sendo ar pouco
E com espaço
E me expando
Onde tiver que crescer

Tenho a idade de uma ave
Que descobriu que voa
E se joga lentamente
Em qualquer possibilidade
De vou e vai voando
Linda todo seu céu


Marina Cangussu F. Salomão

Passarinho

Passarinho solto
Andorinha canta

Passarinho, ri
Andorinha lenta

Nada é permanente
No mundo das cotovias

Marina Cangussu F. Salomão

Futuro dos frutos

Fomos fortes em demasiado 
Nesse mundo de fraqueza.
Derrotamos muitos passos.
Não paramos, nem sonhamos,
Lutamos apenas.
E a briga nos deixou marca de ferida
E nenhuma vitória.

Não é capaz de perceber 
O que faz a seus filhos?
Sufocando-os em lama
Mais podre que a sua?
Liberte-nos, somente
Para sermos aquilo 
Que nos resta de aves.

Marina Cangussu F. Salomão

Por sobre as árvores

São nesses momentos em que contemplas
Que podes ouvir todos os sons do mundo
Falando de todas as formas ao teu ouvido
Deitado vagaroso na sombra da vazia árvore de outono.
E vês nos olhos fechados todos os passos que te passam
O vento nas folhas e quantos rodopios deram para chegar ao chão
E quantos deram por sobre ele
Sentes a doce e delicada raridade a borboleta
Pousando no mais feio dedo de teu pé
E vês com olhos bem abertos o menino humilhado
As meninas coloridas e os que não se importam
Vês a todos a poucos deles te veem
Mas basta-te as borboletas e as formigas.

Marina Cangussu F. Salomão 

Cinza

Plantei flores em minha janela
Para disfarçar meu cinza:
Aquele que fica do outro lado
Olhando-me todo o dia

E finjo que estou em casa
Abro-a para tocar-me o vento
Mas já nem tenho penas
E as asas são apenas braços

Sentei.
Não poderia voar
Mas chorar a extinção de mim

Marina Cangussu F. Salomão


Desamparada

Curam, mas não libertam
Porque não têm voz 
Presa ao papel
De onde nunca saíram.
E fica imóveis como meus pés
No mesmo chão que a plantaram
Gritando mudas seus desespero
Seu horror ao mundo e a seus olhos.
Gritam: merecendo ao menos um ruído

Marina Cangussu F. Salomão

Paragem dos pensamentos

Como dois tempos que se cruzam
Num rodopio voraz e efêmero
Giro que vem no vento
Rasgando e tecendo
Costurando os dois pontos
Em uma só colcha
Que se chama gente.

Marina Cangussu F. Salomão

Olhos claros

Estes olhos que não estão em qualquer lugar
Se escondem e se negam
Temem a admiração
Estes que estão abafados e calados
Em toda sua gesticulação e dança de cílios
Eles que rodopiam incessantemente
Porque guardaram sua fala
E não conseguem gritar

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Àquela que me pariu

Posso ter todas as raivas do mundo
Posso culpar-te por tudo
Mas não desperceberei
Que me olhas e me cuidas
Discretamente de teu castelo da grades cinzas
E felicita-se porque fugi.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 23 de setembro de 2012

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Felicidade

Vivo na espera 
Em que seus pequenos passos
Se movam harmonicamente à saída
E encontre a liberdade que a espera
Lá fora

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Olhos de boca e a poesia


Queria me jogar pelas ruas 
Arrancando as poucas roupas 
E mostrando minha perfeição. 
Desenvolver minha arte 
Na verdade que me envolve.
Queria ridicularizá-los
Amedrontá-los 
Arrancá-los como a meus panos 
E surrá-los ao chão. 
Queria minha poesia escancarada 
Aos olhos que falam.
Mas consigo apenas poemas contidos 
Do meu amor.

Marina Cangussu F. Salomão

Boca

Acostumei-me ao toque leve de teus lábios
Em toda sua maciez e ternura
E posso descrever cada curva 
Cada sobressalto
Quando seco ou ao meu lado
Sinto-o de dentro para fora
No tocar sutil de tua 
Mais cândida demonstração
Quando leve ou sedento
São carinhosamente 
Meu rebento solto
Que me percorre 
E é minha posse

Marina Cangussu F. Salomão

Formigueiro

O formigueiro prossegue
No balancear frenético
E se enlaça e entrelaça
Baldeia, retorna, entorta e cai

E eu vou no meio dele
De um lado ao outro
Contorcida de olhos abertos
E quero tudo de cada um

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Amado


Para Eduardo Cardoso
Amava cada segundo de tua maciez
Cada contorno e cada curva
Todo sobressalto da pele
Todo seu relevo e deslize
Amava seu tom e sua cor
Seus detalhes, seus brancos
Suas cores e seu negro
Amava-o inteiramente
E não sabia como não tê-lo
Em todo o futuro que viria
Em todo seu tempo
Amava cada ternura
Cada pigmento e sofrimento
Cada delícia de sorriso
Amava-o em todos os meus sonhos
Nos míseros pensamentos
Nos pequenos contentamentos
E em toda a vida
Amava-o e bastava.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O soluço guardado

Para Binhazinha

Posso voltar para os teus braços
E esquecer a existência desta vida
Mas toda essa rotina inquietante me assusta
Na mesma repetição do antes, 
Porém agora, de toda forma incompleta

Mas ninguém vê sua inexatidão
A astucia com que me rodeia e percalça
E me impede de não seguir por esta vereda 
De verde alto ou baixo. Pouco importa!

O que importa é que o caminho 
Não deveria continuar reto
Nem as pessoas tão sérias ou risonhas
Nem eu deveria tentar reerguer-me
Já que o chão me parece mais seguro
E a sua falta mais ardente a cada dia

E dizem e dizem sobre mim 
E sobre os outros
Mas nem sei quem são: nem a mim
Teus braços me tiraram o espelho nítido
Quando resolveram que podiam me deixar

E agora tenho que ser forte, 
Sobreviver por aqueles outros
Antes tenho que por meu próprio pé em mim

Mas no silêncio dessas lágrimas
Não é nada do que me aquece:
Talvez perdida seja o caminho

Marina Cangussu F. Salomão

Desabafo dos choros

Hoje andam e pedem companhia
Antes jazia a soledade sem fortuna
A perambular entre os olhos afoitos
Que retiram sua esperança para nutrir-se


Pau e pedra se torna o coração
Pois nos rodeios de histórias
Pediu assombrado uma mão


Hoje clamam pela companhia
Antes soltavam-te nos primeiros passos
Sem treino pelos guias 
Andando nas bases recortadas

Pau e pedra se torna o coração
Pois nos rodeios de histórias
Pediu assombrado uma mão

Marina Cangussu F. Salomão

Zurzo

Se pudesse calar-te
Na louca lucidez das ruas
E quietar o ulular
De teus tons terríveis,
Pobre ungulado pedinte,
Faria-o casto aos olhos
E belo ao espelho
E daria-te vozes vesanas
Para verter teu vetusto
E tua imaginação

Marina Cangussu F. Salomão

O teu coração

Rodeia-te severo
O olhar das culpas
A venerar razões
E desonrar verdades

Rodeia-te o sumiço
E os palavrões
Sussurrando leveza
Escondendo o herói

Rodeia-te inópia
O afago dos abraços
Cruzando os teus castos
Lindando-te.

Marina Cangussu F. Salomão

O fim do caminho

Pedi-te com todas as lágrimas
Que permanecesse estático
No abraço que te deixaria
Mas reteve-se no antes
E deixou-me desculpas
Que depois retornariam

Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 8 de setembro de 2012

Cortina rasgada

Os bonecos foram colocados na estante mais distante
Redecorando a sóbria parede do quarto sombrio
De costas não veriam com seus pequenos óculos
O que no meio do quarto se construía
E só no final os viraria
Sem entender
Se aqui
Ou no outro
Ainda tinham vistas
Ou se as grandes asas abertas coloridas 
Cresceram só sem sua inveja e sua vontade inquietante
E aprenderam a saltitar em sua própria áurea clarinante
Em tilintos sem casulo e sem estrelas no noturno

Marina Cangussu F. Salomão