domingo, 31 de julho de 2011

τρυφερότητα

E toda a ansiedade que esbanjava-se
Rigorosa por se fazer senhora
Destronava para a ternura
Que construída em pequenos grãos
Invadiu todo o tempo eterno
Em finas camadas de contemplação.
Agora, mais ainda cabal e inteiro
Ela crescia tomando todo canto
E leve... Tão leve! Consubstanciava.
Poderia ser tocada e sentida
Em toda plenitude e desejo 
_ Completa!
Arfante, sedenta em sonetos.
E não almejava mais que leves toques
Trajando seu sentido
Para saber-se presente,
Pois na presença de sua lembrança
Seria retomado todo o gosto
E mesmo distante em solidão abrasada
Seria perfeito.

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Café

Ela era tão fluida em suas palavras
Tão fácil, tão clara em tamanha complexidade
Que estupefava-me em meu machismo estúpido.
Em todas as suas décadas
Ela mantinha a graça da sinceridade
E com olhos gatunos de ondas desfeitas
Defazia-me tonto em pedaços de éfigie.
Nunca ousei admirá-la às vistas
Para não permitir a estamparia de meus erros
Deformada perante o público.
Mas sempre invejei seu deleite
Em horas de falas soltas e arraigadas
E livres, como ela:
Que sabia voar no alto.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Fugere

O desenho do vento por sobre a água
Fazia-se tão perfeito e simétrico
Que prendia os olhos em cálculos impossíveis.
Tanta admiração se fez na observância atenta
E distraída às formigas que lhe subiam.
Sim, mais uma vez viria a chuva
Mas naquele momento pouco importava,
Molhar ou afogar-se já não lhe aprazia
Bem como não percebia a aclamação
De pequenas picadas aos pés
Estava em elevação ao ater-se ao olhar
E na alma ressoava apenas a vontade:
Que sintam o que sinto. E veem o que vejo
Mas sem crer no que creio.

Marina Cangussu F. Salomão

Zoto

Sempre os outros lhe importou tanto
Que desfez-se em prazeres alheios
E descreveu-se contra os seus
Já não tarde não percebeu
Ou ao menos mutou
Apenas as vozes arrependidas
Gritavam-lhe redondas
De desesperos ressonantes
Mas nunca encorajou-se
Por mais cedo que falasse
Nunca fez-se nas palavras professadas.

Marina Cangussu F. Salomão

Descrição

Desejava uma memória
Grande ou mesmo infinita
Para não perder os detalhes
Os quadros pintados em delicadeza
Pelos momentos divinos do amor

Pois em tarde bucólica e triste
Lá longe no mato de chuva
Fez-se sono em coberta de veludo
E colo de aquecida ternura
Em segundos queridos de contemplação

Nos pensamentos desciam louvores
De adoração e pureza
E já não havia sentimento mais terno
Tão doce o sonho e a preguiça
Tão calma a tarde em delícia.

Marina Cangussu F. Salomão

Sê pisante

Tão livre quanto a sensação de ver mais longe
E perceber-se tão pouco, tão mínimo
Livre por não ser nada e não dever
Nem seguir distinções descritas distantes
Nada além das sensações doces e puras
De temer, de morrer, de adorar.
Pois não há que afastar o medo dito ruim:
Definições não existem para aquele que sente e liberta-se.
Tão claro o mal é como cortar a relva
Por entre os dedos em manhã úmida
E bucólica. Tão bucólica e clara!
Bem digo: não há bem ou mal definidos
O que há são prisões que impedem
O pisar descalso na relva fria do mato.
Por isso, sê livre e pisante
Sem limitar-se ao que dizem mal
Pois morrer é recobrar-se para o pouco
E fazer novamente sem palavras ressonantes
Sem ecos, sem sortes. Mas adorado!

Marina Cangussu F. Salomão

O amor

Por vezes faltava-lhe a emoção forte
Que deveria cultivar sedenta e incansável.
Ausente e alheia dissimulava
Forjava os olhares e expressões.
Mas não tanto contemplava
E voltava-lhe calma a vontade ansiosa,
Bem no instante compreendia
O encontro do que procurava:
Perfeito e simples em manias
Envolto em pequenas irritações
E lindo se fazia, bem como amava.

Marina Cangussu F. Salomão

Embrião

Deixe a chuva vir amena
Caindo de gota em gota
A encharcar o corpo
Com os dias que chegam
E partem vazios
Do tanto que deixaram
E molharam o corpo seco
E sedento que esperava
Ansioso por partir-se
E derramar toda expressão
Em palavras guardadas
E loucas por expandir
Por isso, deixe a chuva vir
Amena nos dias chegados
Para libertar o embrião que guardava
Para não ser gélido 
E não desatar como pedras
Em lugar de gotas
Ensanguentando o corpo que cresce.

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 19 de julho de 2011

Poetar

E perdura-me o desejo secreto
De dissolvermos ambos em delírio
Oposto e não dissonante
De versos ladeados e exorantes
Talvez com poucas rimas
Mas cantando frio e ameno
Nos ouvidos de quem escuta
E entenderiam como sentir é maior
E nunca abandonariam a dor
Que parte do nobre ardor
De quem se entrega em poesia.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Vestigiar

Se soubesse a dor do inteligível
Apreenderia todos os nós
Que partem de nós
E se acumulam em alaridos
Disfarçados de gozo inútil
Pois perceber tem suas mazelas
Envolvidas em acordes mal treinados
Que de sonoros são violentados
Contra qualquer grau de afeto
Afinal, a ignorância esconde em si
O saber repleto em medo
Que se despista nos olhares
De afeições inversas
Por isso compreender carrega
Calar-se em dor.

Marina Cangussu F. Salomão

Acorde

Acorda-se com o furtar da graça
E aceita o findar da essência
Entre os acúmulos alarmados dos dias
Vê que a vida não é monólogo
Nem fala incerta em teatro
Que nada perfaz repleto
Somente com exatidão
E esta, nada tema ou desenvolve
Apenas desmantela em águas
Que retratam quão desrazoável
É a razão que permeia a sensatez
Originada da desgraça
Aceita após o acordecer.

Marina Cangussu F. Salomão

Atores de vidro

Em prantos diante do vidro
Existem seres em simulação
Que desenhados entre torres e saberes
São rodeados de cuidados e delicadeza.
Dissimulam desde falas
A movimentos e fraqueza
E nada move em seu quadro.
Exalando prazer e paciência
Pintam-lhes mais um troféu
Escondendo mais um medo.
Toda a exatidão não retrata, porém,
A ínfima alma habitante
Revolta em figuras.
Ela sabe onde parte a solidão
Compreende o desespero e a pobreza
E acolhe-se em caridade
Não satisfeita por habitação
É abafada perante critérios
E nunca veem-lhe o sorriso,
Defunto de esperança,
Nem as lágrimas que provocam
Soltas em precipício.
¹E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.


Marina Cangussu F. Salomão
¹Augusto dos Anjos in A máscara

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Espreita

Se soubesse como ficar à espreita
Entenderia o tédio de plateia
Onde a razão emana sedenta
À procura do achar-se e ao outro
E passam se tempos e horas
Vendo, será a mesma cena
Nem imaginação salva-lhe
Falta ar, falta outro, falta si
Procura teorias que lhe sedimente
Mas nada, nada completa 
Nada surge para ser vigiado 
Nem surge para ser encontrado
E inventa, desinventa
Escreve, reescreve
Mas devagar as janelas olham.

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 12 de julho de 2011

Dança fluente

O cheiro de tua saliva me envolve completo
E já não sou eu: somos dois
Em um número apenas.

Sem banalizar o que me contorce
E me revolta e me faz pleno.

De aconchegos e desesperos,
Me elevo e levo-me contigo.

E não só,
A música me envolve
E segreda-me no corpo.

Marina Cangussu F. Salomão

Culpada

É estranha a capacidade que têm de me errarem
E ando errante em meus acertos
Porque os erros não me partem
Fluem de vós e me colorem
Mas não me fazem: me marcam.
E marcando-me viro alvo 
Dos arrependimentos teus
Mas sou apenas lembrança, não sou.
Pois sou diferente de vós
Distintas minhas escolhas e meus passos
Tão diversos os fatos
E meus erros são outros.

Marina Cangussu F. Salomão

Eternidade

Fazia de certa e concreta, nada diversa,
Em busca do definido passo tradicional
Corrupio de vigente infância controlada
Sagaz em modelo perfeito e delicado

Dizia sobre o bem e sobre o mal
E não dúvida ou interpretação
Até crescer-se e sentir o vento que sórdido soprava
E atingia com duras verdades e indefinições

Emanada de sonhos inconcretos fantasiou o que via
Mas a dúvida persistia na tentação de pensá-la
E a crítica latejava em seus olhos
Tão novos na indiscrição e atentos na covardia

Pesada em erros definidos de infância
Voava alto em liberdade
E não pura sabia-se eterna sua morada
E viu-se que era ela a quem descrevia.

Agora diz-me, Fé, onde abrando meus erros
Se cresci na certeza e amadureci na falta
E incompreensível, tanta dúvida 
Aproxima-me de Tua grandeza

Ah! Perdão barroco que tanto espero,
Professo-me por amor ao eterno
Envolto pelo rancor do mundo
E eterna me sinto, mas não me faço. 

Marina Cangussu F. Salomão

Certeza mutável

Minha essência se desmancha tenra em equidade
E minha esperança se vê certa
Não que certeza seja fato ou coragem
Mas tudo em vontade se perpetua

E essência não são palavras, são vontades
Desejadas na luta dum ideal
Concreto, mutável, amadurecido

Assim, ideias perpetuadas em ações
Desenrolam-se no definido gosto por ser
E não meter-se por entre outros
Tão sórdidos quanto a cópia inefável da alvoroçada certeza.
Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 5 de julho de 2011

Controle de vôo





Preciso ater-me à admiração
Observação e análise
Para sentir o que há
Perceber o que se vive
E conhecer a música
Que me rodeia e me toma
Analisá-la e decidi-la
Sem permitir que me invada
Que me permeie
E desapacente-me
Preciso criticá-la
Preciso escolhê-la.


Marina Cangussu F. Salomão

O varredor

E se quiseres vivo
Ou nunca será
Pois não te peço morte
Peço apenas sorriso
Insincero, sei


E sorte dos que vão
Tão viva os que veem
Pois é tão efêmera a voz
Tão simples o fato
Desmanchado em percepção


E se fizeres vivo
Pois parto quando quero
E volto sem destino
Veja: note a corrida


E nunca finde agora
Tenho que ir, sei
Hora de ser passante
E ser passado


E não importa que existo
Importa apenas que sei
E se pedires fico.


Marina Cangussu F. Salomão

Coruja em Pleno dia

                    Ainda que eu tivesse o conhecimento
                    De todos os mistérios e de toda ciência,
                    Se eu não tivesse o amor eu nada seria...



São tão diversos e tão iguais
Tênues, tão tênues
E dir-se-ia sobre olhos
Sobre seus retratos
Mas não importa
Nada importa ante os sentimentos
Mesmo que se movimente os lábios
Em pensamentos tolos
De que vale a inteligência
Ou o homem que passa
Atarefado em beber da água
Que jorra do público?
Vale mais sentar ao sol
E ouvir a coruja em pleno dia.
¹Pois sentia agora que a única coisa
Que vale a pena dizer
É o que se sente, afinal.
A inteligência era uma estupidez.
Devia-se dizer simplesmente o que sentia.


Marina Cangussu F. Salomão

¹Virginia Woolf in Mrs. Dalloway

Bobos

Por que não param os passantes
Para escutar a música silente
Dos bobos e insanos?

Desenhado ao som da voz
Pinta-se negro sentado ao sol
E não triste (não triste)
Debruçava sobre a árvore:
Deleite dos pensamentos
É que nele via-se a alma
Enquanto outros nem se via olhos
Passam. Passam passantes.
Importaria quantos vão
Se não fosse aquela imagem.


Marina Cangussu F. Salomão

Os puros

Ao percorrer as questões
Em busca do eterno
Ínfimo que se perfaz
E desfaz no perambular
Diário de vidas e almas
Descobri-o no doce espaço
Confabulando com o etéreo
Em fina camada de solidez
Fez concreta as esperanças
Não para os tórridos
Mas para os simples
Onde a viuvez monótona
Da pureza ainda
Se casa às dúvidas
E fez-se só e lindo
Como o sol pelas folhas
Às sete central.


Marina Cangussu F. Salomão