terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ilusão

Caminharia por horas pelas ruas internas
Soltas em pensamentos obstinados
E teria o mundo nos braços
Pelo simples ato de buscar e engolir 
Seus sonhos, em sedenta aflição 
Desdobraria-se e não esperaria
Impaciente por guardar todo o mundo
E mudaria... Sim, mudaria!
Faria suas ilusões concretas
E não importa o que dissessem
Seria intenso no viver obliterado
Pelo todo incrédulo e sórdido.
E mesmo que cega fosse nos passos calmos
Permaneceria andando e aprofundando-se
Segura de seus fatos e suas verdades
Pois que importa na vida
Mais que ilusões que nos desolam e nos afogam?


Ter dentro d'alma a luz de todo o mundo
E não ver nada neste mar sem fundo,¹

Marina Cangussu F. Salomão

¹Florbela Espanca in Cegueira Bendita (IV)

sábado, 27 de agosto de 2011

A viagem

Tudo ficou claro diante da vontade:
Faria o que fosse preciso
Esforçando perante o ignóbil
Detento de entrega flácida e inesperada
Faria tudo e respiraria em controle
Pelo momento de encontro às palavras
Forjado e incômodo
Mas perfeito na união solene
De letras com sentidos
Às vezes fáceis, outras difíceis
Suspirantes em sustos decaídos
De presenças e olhares comandantes
Porém o gosto dos sentidos delirados
Nas imagens projetadas
Originadas do papel
Seria a fuga de todo o trepidar
Das dores malévolas
Do movimentar do ônibus.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Tarde congestionada

Ele via por entre carros
E entre passos
Cada alma que lhe cabia
Tão diversas, tão únicas
E misturadas
Ele sentia da janela
Tudo o que lhes partia
Despercebidas e apressadas
Trombavam-se
E não percebiam
Que o destino que havia
Transfigurava-se incompleto
E nos esbarros que
Apenas ele via
Unia-se medo e indiferença
Sem sentir a plenitude
Que jazia.


Marina Cangussu F. Salomão

O destino dos mudos

Por entre as gentes
Cansada e talvez inóspita
Flameja ainda a dúvida
Dissimulada em afetos.
Ela cresce baixa
Qual fungo em bom terreno
Até brotar superficial,
Cautelosa em medos.
Antes gritaria exorante
As faltas, as falhas
Afinal ainda retiram
Ainda rebaixam
E sempre reprimem.
Assim diversa, 
A dúvida questiona:
Fosse eu menos triste
Menos calada e só
Andando pelos corredores
Por ricas e nobres almas
Em que seu silêncio
Consome minha essência
Não deveria evaginar-me
E aparecer distinta?
Fazer ver-me
Tão sórdida quanto
E agora inquieta
E perguntar para que tanto
E por que menos tempo?
Ah! A resposta que deseja
Nunca é a que recebe
Não tangencia sua liberdade
Então não se implanta
Tão leve, tão solta
Enquanto seria firme
Assim vê, que mesmo tudo
Por entre livros
Por entre nomes
Não é nada se não faz-se
Se não brota por se própria
Sem água e sem vinho.


Marina Cangussu F. Salomão

Usurpação

Perco-me por entre os fatos
Refazendo os mesmos passos
Que outrora me acompanharam
E leve na lembrança solta
Tudo passa e se dissolve
Não mais áspero, me envolve
Até sinto a presença
A segurar-me pelas mãos
E tão casto e tão doce
Ainda mais vagaroso fosse
Imensa a ideia de assunção
E elevado, flutuante, sem peso
Vejo tudo mais distante
Parecem imóveis em estante
Os desesperados movimentos
Dos passantes distantes
Que nem notavam na paciência
Que usurpava-me.


Marina Cangussu F. Salomão

Absolutez

Como ousa professar tais palavras
Prepotentes e inconstantes
Agir suposto de acertos
Defendidos por tuas certezas
Não diga sobre tua verdade
Que mesmo nobre ou singela
Reveste-se de absolutez
Má, ignóbil e fajuta
Vê que o mundo não lhe parte
Nem pondera em tuas crenças
O todo lhe foge fácil
Escorregando sutil das mãos grandes
Ele é diverso, apesar de um
E sujo, apesar de belo.


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Remontado

Agora que tua ausência me consome
Sinto arquear-me intrínseco em sentimentos
E desfaz-se solos na ânsia do duplo
Único que me pondera e contrabalanceia
Infinito e completo
Em despedaços remontados.
E só, aquebrantado
Jaz inspirado em instantes
No desejo dos mesmos já extintos
Soltos em segundos partidos da fluidez
Desvanecidos em pura quimera vivida.
Fosse a lembrança dessa ausência menos pura
Mais concreta e imóvel
A deixar transbordar a ilusão
Que sinalizaria pequena como a visão 
Daquela tarde laranja 
Em riscos exaustos de azul grosso.


Marina Cangussu F. Salomão

Subsistência

Invade-me uma angústia
Pérfida e sutil
Vagarosa em trejeitos
Tão simplória
Quanto cobra pequena
A passar pelo vão da porta
Vem e habita-me
Traiçoeira e compulsória
Modifica olhares
Vacualiza esperança
Mas contorna-me de desespero
Louco por livrar-se
E em caos personifica
Ou mesmo idealiza
Cria do nada
Impossívelmente medonho
E planeja: claro e incerto
E vive: sóbrio e trépido.




Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sobra de Hefesto

Há uma causa enérgica
Forte, quente e propulsora
Que desenvolve-se dentro
Em caixa curta e pequena
Ela impulsiona a vontade
Com vômitos desesperados
De mudança e capacidade
Ela arde feroz e louca
Procura pela libertação
E completa certeza
Em queimar e consumir
Todo o corpo que a contem
Ela não descansa
Muito menos para
Cresce voluptuosa e incômoda
Perfaz-se inquieta
Prestes a explodir.


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Magrilinha

Ao amor de minha mãe
Ela cresceu naquele meio
Repleto de incentivos desvalorizados
Com impulsos limitados
Mas livres em seu esconderijo
Ela aprendeu a pensar
Com seus grandes olhos nos livros
Descobriu posicionamentos
Guardou conclusões pendentes
Suspensas nas restrições
Ela conseguiu unir pecados
Ligá-los à caridade
E ouvir a divindade
Alheia às regras murmurantes
Ela fez-se livre
Em sua crença e humanidade
E unida da confiança de seu Deus
Escreveu, criou, reinventou
E tão magrilinha, tão pouquinha
Não havia por onde sair tanto
Depois de uma infância de vermes
E uma adolescência emburrada
Ela: tão frágil e insegura
Certa em palavras
Sem credibilidade em teorias
Não poderia mostrar asas
Tão grandes e desenhadas
Certeira e gatilhada
Não poderia ser tão longe
Nem sorrir lateral em segurança
Porque nunca perceberam
Aqueles a quem mostrava a alma
O imenso castelo frágil que levantava
Nos erros e trepidações
Que pouco viveu, mas muito sentiu
Porque diante das palavras excessivas
Não viam nos dramas a conclusão
Que pênsil se fazia
Sedenta por um terreno a pisar
Encontrado apenas longínquo
Nos que a liam.

Marina Cangussu F. Salomão

Rascunhos descartáveis

Andava avulsa por entre as gentes
Passeava somando os passos
Admirando olhares deslizantes
Ouvindo fatos, casos e mentiras
Talvez percebiam-na em suas roupas
Ou nem notavam o que trazia
Era uma, mais uma, passante
Obviamente teria sentimentos e preocupações
Que importavam apenas aos seus
Era qualquer, mesmo que descrevesse a alma
Que desvendasse os nefelibatas andantes
Era apenas mais uma formiga
Por entre carros, prédios e estudantes
Porque as cabeças excêntricas eram vistas
Os vestidos suntuosos eram percebidos
E as palavras unidas escondidas
Permaneciam nos rascunhos descartados
Ignorantes de tudo o que eram.


Marina Cangussu F. Salomão

Pênsil

Perdi-me de meus erros
E tão correta e ausente
Incompletou-se a vida
Translúcida, perdida
Receio ser metade
Viver pérfida em santidade
Sem alcançá-la
Suspensa na perfeição.
Esqueci-os soltos em abandono
Agora nada me impulsiona
Nenhuma bondade
Nenhuma construção
Sem tê-los, vivê-los, sabê-los
A quem afligirei e tocarei
Sem consertos, sem perdão.




Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 14 de agosto de 2011

Nascimento

Ela vivia em seu cantinho
Absorta e trépida
Medrosa por achar e descobrir
Ver além de sua quimera
Limitada por ar e plástico.
E tudo tão centrado e perfeito
Talvez alguns segredos
Outros tantos pecados predestinados.
Vivia escondida, vivia escondendo-se
Temia a percepção,
Que achassem-na
Pois a estudariam sagazes
Espertos, não lhe perderiam
Sequer disfarce amplamente trabalhado
E se descobrissem, ela descobriria
Teria de enfrentar a imperfeitude
Teria que se refazer
Se encontrar no reflexo
Desacomodar e furar a proteção
Poderia entrar vermes e micróbios
Que invadiriam todo o seu espaço
Invadiriam seu próprio corpo
Eles a comeriam lentamente
Até sua completa putrefação
Ela morreria. E deveria morrer.
E se sentiria feliz por isso.


Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 13 de agosto de 2011

Febre

Explode em mim um sol quente
Despedaçado em pequenos salpiques mornos
Que me tomam e me fazem sentir
O reviravoltear dos sentidos
Tontos e Bêbados.
Como a música a invadir a alma.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Parto

Não me lembrava da dor imensa do parto
Nascer e soltar-se infante e desolado
Talvez febril e com certeza triste
Ir e sentir patético
O desenvolver e disputa do outro
Que cresce e empurra, suga e derruba
Por que tão sórdidos?
Aflige-me novamente os medos infantes
Inseguros em tua ausência.


Marina Cangussu F. Salomão

A Felicidade

Ressoava alto o que elas não fariam
A que seguiriam, o que sonhariam
Era claro os passos
Ainda mais na luz das ações
Alto, bem alto, o grito e as regras:
Boas moças, boas mulheres
Bons filhos. A Felicidade!
Mas pouco claro era a ausência
Em dedicação divina e terna
Felicidade... Felicidade!
Era castrada.


Marina Cangussu F. Salomão

Manifesto

Odeio essa voz que grita
Se espalhando pela casa
Estridente, autoritária, irritante
Com olhos ignorantes 
Extremos em reinado
Acima de tudo
Menos de seus próprios pecados.
Tampo os ouvidos
Mas ela continua a vibrar
Até implodir tímpanos
De irritações, exaustos.
Voz infame sem razão
Sem pensamentos, sem dúvida
Que não questiona, nem reflete
Nem reduz para sentir
Ou escuta para traduzir,
Tola de tanta manipulação
Voz que julga, que aponta
Se exaspera nos erros
Tropeçados de tão seus,
E tão deleite se alheios.
Voz que não se olha.


Marina Cangussu F. Salomão

Rememorar

A tristeza veio cedo
Na primeira xícara:
Como o tedioso pode ser agradável?
O insosso está agora tão denso
E desejado em fortes dores
Que arranham-se perante a perda.
É que antes indiferente,
Por fortalezas inânimes e vazias
Rodopiando sórdidas em redenção lenta,
Hoje procurado, atento
Diante da decisão de aceitar
E recomeçar e redescobrir.
Porém, toda decisão brota
Linda e delicada
Sorrindo sagaz e astuta
Mas também arde, sedenta
Por mais ou pelos pecados.
E logo cedo aquebranta-se
Na morbidez esquecida
Relembrada pelas chamas
Invadindo toda a lembrança.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Averbal

As palavras já não saem 
Como antes, fluidas e fáceis
Rabiscadas no papel.
Não surgem na mente
Combinados água e sol,
Nem mesmo o raciocínio
Externo e congruente,
Falha-me ao desabrochar-se
Em razão e conclusões.
Porque tudo segue para um
Os pensamentos se convergem
Para um único ponto,
Tão desejado e completo,
Que difícil se torna
Ver mais longe, além
Com olhos míopes
Treinando cerrar-se.
A concentração em poucas ações
Não sabe-se sadia ou correta,
Na verdade questiona-se.
Mas impossível de controlar
Cede, talvez confusa
Às decisões distorcidas do cabal.

Marina Cangussu F. Salomão

Ouça

Cante a quente água
Que lhe esbalda
Em forças insanas
De igual desespero
Cante: grite alto
Com vozes de louvores
Loucos de paradas
Cante a água que lhe afoga
E lhe queima
Descontrolada de seu poder
Cante: urre, 
Para ser possível ouvir.

Marina Cangussu F. Salomão

Resta

És tão complementar envolta em mim
Que me despedaço e enlouqueço
Tonto de deleite armazenado,
Em fins do amargo
E livre o que guardei.
Agora vendo-me partir
Sofro calmo em insensatez
E trépida na face desloca-se
Não mais trêmula que tua presença
Em músculos meus,
A lágrima, desejada em
Lembranças frágeis e doces
Que fazem insana a vontade
E paciente os gestos
Como aquele de minha pele
Sentindo amena e rígida a tua
Macia em encaixe fresco
E certo. Tão certo como a decisão
De despedaçar-me e deixar
Livre tudo o que havia de sentir.

(E nada resta, a não ser este sentimento)

Marina Cangussu F. Salomão