terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Epílogo

 Engraçado ver-nos neste trem: sérios e austeros, fingindo ser adultos rumo a mais uma viagem corriqueira. Enquanto por debaixo da mesa que une nossos assentos se faz questão de roçar ao menos os joelhos, como se disséssemos "estou aqui contigo". 
 Então, pergunto-me se casais fazem isso: contatos secretos e subversivos. Mas logo constato que o casal ao nosso lado não apresenta essa face dual: sob e sobre a mesa.
 Mas nós sim. Sempre temos duas vidas, duas caras: a do trem e a da mesa, a do quarto e a da rua, a da festa e a da sala, a nossa e a de cada um. 
 E muitas vezes nos perdemos e nos confundimos dentre todos esses nossos personagens. Mas sempre fazemos questão de sermos mais de um e de mantermos a singularidade de nossa individualidade. 
 Juntos somos assim: adultos sérios com discussões profundas; ou crianças experimentando primeiras vezes e comendo com as mãos; ou amantes loucos, por vezes pornográficos, eu diria.
 Mas não é que escolhemos esses personagens. Não escolhemos estar num palco, essa arte e falsidade. Mais parece ser um natural de nós dois. Uma demanda inconsciente e instintiva. 
 Como no dia que nos reencontramos: difícil descrever aquela sensação estranha de tentar controlar um desejo que paira entre nós dois. Tínhamos tanto a conversar, algumas feridas para recompor, porém ele me pediu um abraço. E do abraço um beijo. E do beijo o cheiro, o corpo, a pele. A pele dele me consome, me invade, me derrete, me mela, me destrói. Destrói toda a Marina livre e solida, pronta para ser feliz e só. Ele destrói a Marina que a Cecilia bem descreve em "Solombra": já de horizontes libertada, mas sozinha. 
 Ele me faz querer ser dois: Marina sob e sobre a mesa. Marina unica e livre e Marina amante e entregue.
 E temos essa pressa de nos entregar, porque sabemos que vamos nos perder. Talvez seja esse o motivo de outros casais não terem esses pequenos segredos de trens: eles ainda durarão eternamente.
 Nós não. Somos apenas ferias de verão, finais de semana, feriados. Somos passageiros, em trens ou em vidas.
 Mas não nos importamos, conquanto continuemos indo. Afinal, departure time é a nossa definição.

Marina Cangussu Fagundes Salomão

Tiques

Alguns chamam de depressao,
Outros de emburramento,
Exagero,
Solidão,
Drama,
Frescura

Eu chamo de sensibilidade

Marina Cangussu F. Salomão 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Rotura

Vou indo mais que solta
Vou indo louca
Assim rota
De meus nós...

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Staring

Seriam estas tuas manchas marrons, creio. 
Assim, atônitas sem espaço. 
Mas tão harmônicas em teus olhos de cansaço.
Porque: como uma alma leve poderia manchar-se tão sardonicamente 
E descrever-se sedutora e de mistérios. 
Se ao olhar parecem apenas manchas. 
Não sujeira ou resquício. 
Mas mancha plana, homogênea, hiperpigmentada.
E destacada. 
Neste teu fundo verde.
Verde.

Marina Cangussu F. Salomão

Compromisso

Vou pintar de preto e branco as minhas cores
Preto e branco o teu sorriso
Vou deixar tudo claro e conciso
Escrever em letras claras e garrafais o teu feitiço
Vou te desarmar 
Vou te colocar sobre o meu piso
Vou te falar sem isso
De dizer pelas metades de meu sumiço
Para estar com você

Marina Cangussu F. Salomão

Pesagem



E disse a ponte ao amor:
Não quero que te tranques em lugar algum
Quero que sejas livre para unir
E ir sem pesar.


Marina Cangussu F. Salomão