quarta-feira, 17 de junho de 2020

Depletado

Isso da metade da vida
Da metade das coisas
Leva uma maturidade incompleta
Uma expectativa depleta

Já não tem mais o brilho de um princípio
Nem carrega a sabedoria do final

Isso da metade das coisas
Cabe por completo a crise

Inconstante incerteza de certo, amor, preguiça

Tanto ainda por caminhar apesar do caminhado
Tanto ainda por planejar apesar do planejado

Queria eu um tempo para viver lentamente.

Marina Cangussu F. Salomão

Já se vai um ano de silêncio

Já se vai um ano de silêncio
Com poesias rabiscadas em papel rascunho
Que se dirigiam diretamente ao lixo

Já se vai um ano ou talvez mais
Que pouco faz sentido o que vejo e o que sinto
E gostaria que tudo isso não se replicasse:

As misérias que se vê ao penetrar a casa de um humano
Ao entrar na vida, perscrutar a mente...

Fico admirada com a dureza da nossa espécie.

Marina Cangussu F. Salomão

Mentiras que dizem a verdade

Eu escrevi em minha pele algumas mentiras que dizem a verdade.
Mas quem se importa com todas as verdades mentirosas que surrupiam nosso ser por aí?

Eu escrevi algumas palavras tortas em folhas avulsas e cadernos 
Que foram para o lixo depois de anos guardados empoeirados no armário.
Quem lerá palavras soltas que trazem qualquer reflexão dispersa?
Nem eu reli antes de decidir por desfazê-las.

Eu pensei algumas coisas e disse outras ou parte delas. Ninguém ouviu.
(Fique no metrô vendo os seres humanos por 5 minutos e verá que ninguém escuta.)
Absolutamente ninguém. Nem aquela pessoa que você paga para isso.

No final eu quis desistir. Desistir de quê?
Fiquei tão confusa que desisti de desistir.
Eu me sentei no meio-fio da marginal 
E deixei os pensamentos passarem como os carros que passam.

Eu escrevi algumas mentiras em minhas costas.
Mas elas estavam certas.
Só se é livre quando se recorda.

Marina Cangussu F. Salomão

Oração

No escuro da madrugada eu disse:
Deus deus deus esteja comigo

O nascer do sol respondeu:
Eu estou com você.

Marina Cangussu F. Salomão

O Fruto

A borboleta
Obstinada e obsessiva
Em seus últimos segundos de voo livre

Uniu-se ao talo
Enraizado e irreverente
Ereto, forte e vil em estrutura

E se tornou flor.

Marina Cangussu F. Salomão

Bruxaria

Eu sinto o cheiro das flores

Eu sinto o cheiro dos ventos

Às vezes adivinho o que vem vindo

Nas mudanças de estações

De luas e de tempos.

Marina Cangussu F. Salomão

Desgraça

Havia um homem fedido no metrô

Havia um homem fedido no vagão K056 da linha vermelha no horário de pico

Oh deus, o que fazer com o homem do metrô?

Excluído em seu canto. Único canto com espaço.

Havia um homem e uma multidão amontoada.

Havia um homem e seu cheiro.

O metrô parou parado no meio do caminho.

Havia (no passado) um homem jogado na via.

Pobre da multidão amontoada parada com o homem fedido e o home na via.

Podre homem fedido.

Salvou-se o ex homem da via.

Marina Cangussu F. Salomão

Cheiro

O cheiro dele deve entrar 
Nos poros das paredes e dos móveis
Deve alastrar-se e impregnar as moléculas
Deve excitar cada átomo
Invadir o lençol, o colchão, 
A madeira, o azulejo

Porque mesmo se ele vai embora
Se abro portas e janelas
Se faço faxina ou acendo incenso
O cheiro continua pela casa

O cheiro dele deve estar em mim
Em minha pele, em meu cabelo
Em minha saliva
Onde quer que tenha me tocado


Marina Cangussu F. Salomão

Nas tardes de Domingo

Venha
Deite-se nessa rede comigo
Deixe que o balanço embale nossos pensamentos exaltados
E nossas frustrações do dia-a-dia
Venha
Vamos dormir abraçados o sono da tarde de domingo
E nos amar quietinhos
O amor dos amantes de todo dia
Venha
Deixe que seu cheiro entre em minhas narinas
E meu coração se conforte com a proteção de seu carinho
E que eu te acolha em meu ninho
Venha
Que possamos fazer planos de presentes e futuro:
Deixe os pensamentos voarem soltos em qualquer sonho
Qualquer coisa que seja nossa
Venha
Case-se comigo na tarde de domingo

Marina Cangussu f. Salomão