quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Vespa

São tantos espelhos à sua volta
Retratando e perseguindo-a 
Em seu voo rodopiante
E triste:
Sem rota
Sem fuga
E sem chão.
Tantos espelhos
Refletindo seu corpo
Longo e fino
Desengonçado e torto
Que já confunde a própria imagem
O horizonte e o fim
E bêbada de si
Cai 
Desmancha-se em chão enlodado
E então nada em qualquer direção
Com suas asas enlameadas
Na nova podridão infinita
Em mendigar incessante
Repugnante 
E triste

Marina Cangussu F. Salomão

Felino

Surrupio em teu quarto 
Enquanto ainda flutuas em sonhos
Para despertar-te com o delineio de tua face
Desde a barba por fazer 
Até a perfeição dos contornos de teus olhos

Então olho-te e o amor inunda-me tremendo
Estremecendo-me por juntar-me a ti 
E por ganhar ponteiros a fio a te admirar 
E ver o mais lindo de minha vida 
Ronronar tranquilo em meu aconchego

Marina Cangussu F. Salomão

Mãe:

Tão imensos teus afetos
Teus cuidados
Teus olhares.
Tão intenso teu falar
Teu calar
Teu amor.
Teus ares.

Marina Cangussu F. Salomão

Saudades

Começo a sentir teu vazio
E percebo que não só meu corpo
Mas minha alma é sedenta de ti
E teu silêncio consome-me
Aquietando paredes
E emudecendo janelas
Não havendo mais vista
Nem plenitude
Só o vazio corrosivo de tua ausência
Ferindo meu físico
Sangrando-me, desgraçando-me
Enquanto minha alma
Adormece tranquila após o pranto
Não restando-lhe nada
Após este segundo

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Bem ali

E bem ali
Quando se enrolam
A seriguela e a amora
E os troncos se espalham
Largos, vastos
Dando espaço a pássaros
Caburés, Sabiá-laranjeiras
Ganços, cães, formigas
Algumas moscas
Uns mosquitos
Muitos fungos e a preguiça
Bem ali onde o vento entra manso
Onde a copa variega-se
Nuns galhos altos, baixos
Uns entortados e outros encorpados
Bem onde voam belezas amarelas
E barulhos singelos
Que amedrontam pela noite
Dentre folhas e frutos verdes
Alguns já amarelados
Onde entram uns poucos raios
E se vê um pequeno céu azul
Quando o infinito já cabe bem nas mãos
Onde o chão são montanhas gigantes e verdes
Para os menores seres
Onde não há notícias, nem medos
Só silêncios
Exatamente ali, acolhidos por aqueles enormes braços
Se é seguro e calmo
Sem horas, segundos ou ponteiros
Só luz.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Fuga de ideias invisíveis - Do inconsciente

Destino,
Penso que a vida é estranha.
Eis-me aqui
Pura barganha.
Em troca a felicidade
Pura maldade.
E os olhos que não veem a verdade?
Talvez seja lealdade.
Estagnado então
E se for em vão?
Vive-se em maldade, lealdade e estagnação?
Um beijo de cão
Negro como morte,
Quem vai tem sorte.
Felicidade da ignorância
Que petulância!
Tolice do cego
Não nego!
Há mais de onde vem
Esse trem,
Vai me levar a algum lugar?
Amar
Rezar
Cagar
Transar
Viajar e só.

Eduardo Cardoso Araújo e Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Incertidão

Vou me colocando aos poucos nos detalhes
Me relatando
Me discriminando
Nas perguntas
Nas palavras camufladas
Algumas frases
E me penteando
Descabelando
Segundo meu gosto
Nunca à minha identidade
Talvez por vaidade
Talvez por inexistência 

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Engraciados

Quando olho esse teus olhos castanhos
Tão adequados aos teus contornos
Tão harmônico e singelo
Vejo o encontro de brilhos de difundirem
E o amor meu une-se ao teu
E nos teus olhos vejo nossa alma
Sedenta, requieta e completa
De repente não percebo que tenho corpo
Sugada por essa hipnose sedutora
E já não sinto mais nada além de uma leve flutuação
E meu corpo se desmanchando no tremendo dessa força
Então sinto que tocas aqueles átomos que seriam lábios
E gentilmente reconstrói-se a parte em mim
Tuas mãos iniciam o delineio
E por amor une minhas partículas decompostas
Cada átomo e cada célula, pelo desejo enérgico de tuas mãos
Delicadamente, tu voltas em mim a mulher. Inteira
Então na maestria de nosso pensamento
Deambulamos em conjunto e em soltura
E caímos em transe epiléptico por desejo voluntário
Aqui ondas são refeitas e recompostas sem antes serem destruídas
Por isso a maré se torna tão violenta
Impossibilitando a interrupção da invasão da areia
Então toma tudo. Entrega tudo. Invade e ocupa
Até tremer todo um terremoto de recompostura e isolamento em dois
E a carne minha une-se à tua
Engraciados ao chão.

Marina Cangussu F. Salomão


Sítio Santo Sé

Andar uns passos com os pés no chão,
massageando o corpo inteiro 
nas pedrinhas mansas da estrada. 
E por cima um sol que racha.
E vai-se: 
Um, dois, três quilômetros. 
Uma sombra verde. 
Quatro. 
Um café em copo de esmalte. 
Cinco, seis. 
Uma água trincando descendo a ladeira de pedras.
Em seguida lama, isca, pescar.
O sol já arde as costas. 
Nem longe um suspiro. 
Talvez um peixe pulou na água. 
Não seria sapo?! 
Um grilinho inocente e essas moscas chatas. 
Uma libélula. 
Um cavaleiro daqueles que voam. 
Outro peixe pulou na água, veio lá da taboa. 
Foi o vento. 
Uma borboleta: tão intensa, vive um dia. 
Ixe! Agora é maribondo. 
E as minhocas fugindo da lata.
Lá de longe me gritam umas panelas 
avisando o almoço. 
Deve ser um sinal universal. 
Nas pernas pura terra, 
sacode mas não dá jeito. 
Um sabão e uma toalha 
e na água aqui de fora da bica outra massagem. 
Ela vem quentinha descendo com o sol. 
Êta! Bate de cabeça inteira. 
Enxuga.
Um prato de maxixe, torresmo, arroz e feijão.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cia-mesmas

A Luísa Cangussu

Dos desgastes e das saudades
Dos ruídos e das maldades
Entre estórias e comoções
Entre brigas e empurrões
Elas vão indo crescendo
Agigantando nessa fileira lisonjeira

Irmãs siamesas
Nem grudadas nem separadas
Nem falidas mas bem amadas
Nasceram em linhas distantes das opostas
E se grudaram pela vida, até que arrependida
Os traços se foram indo juntos novamente

E foi uma rosa, outra azul
Uma chorosa, a outra nem blue
Uma de pernas, a outra braços
Uma estrelinha, a outra amassos
Uma feroz, a outra mosca
Uma cuidadosa, a outra tosca
Uma veneno, a outra crendo
Uma medo de sangue, outra de ratos
Uma casas, outra matos
Uma TV, a outra livro
Uma usa peneira, a outra crivo
Uma cozinha, a outra arruma
Uma espera, a outra apruma
Uma soneca, a outra agita
Uma calada, a outra grita
Uma música, a outra letras
Uma na sala, a outra nas gretas

E uma a uma no quintal
Desfilam as glórias
Dos tijolos deste sarau.


Marina Cangussu F. Salomão



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Teatro

Adormeço envolta em teu aroma
Suspenso em teu suor que ainda exalo
E, por vezes, existe tua presença
Teu toque, teu olor
E nosso abraço
Harmônico
Como sinfonia antiga e treinada
E penso que amores têm disso
De ser um derretido e vagaroso mormaço
Assim tranquilo, suspenso e tenso
Silenciado nos olhos cerrados e no ato.

Marina Cangussu F. Salomão

Quimerismo

Deixe a vida cambiar seus profundos eu
Deixe ressonar num sono calmo em que se desperta
Deixe tranquilamente rodopiar em som
Desatinar sem tom
Para que o gosto seja temperado por ti
Deixe seus rostos deslizarem em teu espelho
Deixe os próprios traços vermelhos
Rosas, azuis, sanguinolentos
Deixe suas metades, seus detalhes e os seus
Permita o cambio de Quimeu

Marina Cangussu F. Salomão

Versos

Não busco nomes
Perdidos. Repetidos. Sonoros.
Me importam verbos:
Calados. Achados. Feitos.

Mas na vida vão-se indo vozes
Vão perdendo escritas
Esquecendo gestos
Desfazendo erres

E no fim de minha vista
Consigo apenas a morte
Matando-me no pulso nulo
Que pulsa inconstante

Sem som. Sem tom. Nem palavra.

E não restam os erres finais
Sem sombra de gerúndios
Nada indicativo
Nem infinitivo ou participação

Resta-me em busca inóspita e vã
Vestir as vestimentas mesmas
Brancas e Imortais
Sufocar incompletudes e me consumir

Pálida, metade e triste. Sem ser, só nome.



Confessamento

Desculpe-me
Por ter minhas facetas
Minhas caras
Minhas caretas

Desculpe-me
Por ser tão ingênua
Medrosa
Arraigada
Atrasada em seu relógio de pulso

Desculpe-me
Mundo injusto
Justo de baboseiras

Marina Cangussu F. Salomão

Rebobina

Nasci inadequada em minha bolha de sabão
Enquanto a minha primeira palavra foi não

Nasci astuta em minha caixa de sapato
Enquanto de meu pai era um carrapato

Nasci no colo de alguém triste
Enquanto a letra ainda insiste

Nasci voando no meu chão
Enquanto a vida perecia em vão

Nasci cortando as minhas partes
Enquanto no escuro fazia artes

Nasci na hora do irmão doente
Enquanto nos caminhos ia alguém carente

Nasci com dúvidas sobre a vida
Enquanto o mundo estava de saída

Nasci no meio de um matagal
Enquanto almas vagueiam na marginal

Nasci amando o mundo de deus
Mas isso ninguém viu, nem eu.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 5 de janeiro de 2014

Fuga de ideias invisíveis - Da vida

E vieram:
A chuva
A sombra
Uns riscos
Uns ricos
Arriscado
Avistado
Ensolarado
Talvez entardecer
Tanto faz como vieram
Sei que chegaram
E arrastaram
Bagunçaram
Quebraram
Depois arrumaram
Deixaram de foram uns retratos
Tratados
Cajados
Soldados
E sei lá quando reconstruirão

Marina Cangussu F. Salomão

Ecos

Se te memoras meus sonidos
Por que se perdem meus sentidos
Meus pedidos e minhas faltas

Perdes facilmente as perdas
Ganhas facilmente presentes

Mas nunca guardas desapegos
Nem arregos
Nem marasmos

Marina Cangussu F. Salomão

Beijo-teu

Chegue.
No silêncio 
Que nunca te pertenceu. 
E agasalhe-se,
Rotundo,
Em meu lençol de verão.
Abrace-me.
Soe-me.
E ressoe-me 
Em teu conjunto de partes:
Que te completa.
Que me anexa.

Chegue.
Cedo.
A tarde.
No oposto do beija-flor:
Venha mansinho
Devagarinho
E de olhos fechados.

Marina Cangussu F. Salomão

Colorado

Se a vida tingisse suas cores em seus tijolos, 
Teria um tom róseo
Nem pink nem bebê: rosa
Algo terra, claro
Roseado.
Do vermelho
O sangue
A dor
A luta
Alegria
Calor.
Do branco a paz, o nada
E o tanto faz:
Carregado nos rostos que não se vê
Unânime
Unívoco
Universal
Ubíquo.

Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 4 de janeiro de 2014

Marina

Os olhos azuis não conseguem esconder sua busca

Por sonhos alados em países reais
O bocão que fala demais
Fala que ela é só dela e nossa e se acabou
Os sorrisos são encantados
Pois as tempestades são turbulentas
Nas levezas ela dança na chuva
Às vezes inunda-se pelo tempo
Dança pelas portas abertas da casa vazia
Pudera ela ser livre mais que viva
Intensamente ígnea pelos ecoa de liberdade
Como eu, ela é poeta por abuso
Poeta da vida
Pois as feridas dessa, não queremos levar.

Ísis Caldeira Prates

Do rabisco

Da folha pautada
Amarelada
Que ainda há de se encontrar aqui,
Para preenchê-la,
Espera-se por ti.
De uma amizade
Que de cores e flores,
Risos e tons
Há bom som à espera
De você chegar
Pra preencher as pautas
Dos tons de lá
De BH.

Melissa Andrade - à minha amiga Marina Cangussu

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Só risos sem só

Para Eduardo Cardoso
E se te fossem loucos
Estes cabelos revoltos
Estes caminhos perdidos

E se te fossem soltos
Estes destinos rotos
Estes desatinos

E se fossem teus
Lugares de rimo
Sonhos de menino

E te caíssem risos
Assim pequenino
Sem só.

Marina Cangussu F. Salomão

Crépido

E do silêncio da alma
Desatina a calma
No ritmo crépito
Da dança crescente
E já não mais inquieta
Rodopia certa
A música reta
Das curvas da vida 

Marina Cangussu F. Salomão

Do dia após o outro

Foram-se algumas lembranças
As inconstâncias e os desatinos

Foram-se recheados
Desatados sem destinos

E foram-se incongruências
Algumas desavenças
E o menino

Marina Cangussu F. Salomão

Tílburi e tiburones

Meus desajeitos
Sem desfechos

E minhas estórias
Quadriculadas

Rompem contornos
E desfazem traços

E cada laço
Ressoa em seu lado.

Marina Cangussu F. Salomão

Caminho dos grandes

Vêm atrapalhar meu gozo
Com seus olhos vendados
_E nariz, ouvido e tato
Já perdem até o olfato
E inúmeras razões

Vêm, e nem em segundos
Reviravolteio-me
Meus olhos aquietam-se
Negados de si
_Perdidos desvios

E nunca virão
Nem gozarei de uma vida inteira
Porque meu eu decrépito
Incomoda desde incompletude
Negando atitude
Como minha primeira palavra profetizou

Marina Cangussu F. Salomão

Do fim

Ouvir-se-ia dizer:
Quem sonha também morre.
Deleitado em esperanças.

E vão se indo vãs
Perdidas em território astuto
Afogando em chão permuto

Assim morrem:
Os segredos. Os amores.
Apagam-se os prazeres, as dores.

Restando apenas corpo, mortos
Passantes

Marina Cangussu F. Salomão