sábado, 26 de novembro de 2011

Ópio

As palavras injetadas rodopiavam por minha cabeça
Em repetição confusa de ordens
Assim como as faces se trocavam repentinamente
Confundindo-me em meu ópio
E de repente não era a face correspondente
E fechava os olhos para não contemplar-me
Solta, solta em loucura sã
Rodopiando com as palavras
Em baile complacente e estranho
Perdendo os limites que me compunham
Em pedaços espalhados
E tentava em vão recolher-me
Juntando as migalhas soltas
Que não aceitavam meu comando
E se estiravam prazerosas e fétidas 
Pelo chão impossível e também solto
Que não me permitia um passo concreto
E me punha a equilibrar insegura
Em ações loucas e desesperadas.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Subjetiva

Via todos se definharem
Pelo ditado absurdo de ser maior
E se reduziam
Em suas imagens de grandeza,
Cresciam cada vez mais
Deteriorados.
Duvidei de ser o mais alto
Suas devidas determinações
Pois olhando para cima
Não via nada além
Do que lá já estava.
Então parei completamente de ver
Com meus olhos míopes
Que já não viam tão longe
Com a cegueira veio a mudez
Pois já não entenderiam
Minha fala afásica
Labirintando-se subjetiva
No que me parecia concreto
Criado na escuridão e na baixeza,
Distinto de suas construções
Egipcianas e cesáricas.
Passaram a olhar-me
Meio gauche, idiossincrásica
E não questionaram
Para não ouvir.
Mas de qualquer maneira
Ninguém encontrou a grande luz.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Construção vaga

Apenas deixarei fluir
A ansiedade louca
De holocrinar-me
Em palavras
Pela manhã tão felizes
Já a tarde tristes
Diante de todos os afazeres
Práticos e urgentes
A retirar-me a fantasia,
Concretizando apenas
O útil inútil para o ser.
E sem mais buscas
Por sutilezas
Desfazer em desenhos
As que habitam-me
Questionando porquê
Tão inúteis
As perguntas não
Se pautam em argumentos,
E assombram-me
De imensa veemência
À ignorância
E sem ao menos compreender
O significado de compreensão
Encorajam-se a remontar
Sua morfossintaxe
Completa e perfeita
Inundada de vácuos
E vazios anencefálicos
Ah! Perdem em usos terríveis
Tão singular significado
De cada união de letra
Que as compõem
Colocando sua nobreza
Em infundamentos
Expressos em altivez
E segurança pérfida
Construídas em medalhas
Com dois versos diferentes
Moldados na praticidade
Sufocante de cada dia.
Sim, deixarei fluir
Minha ânsia solta
De desenhar palavras,
A duvidar de seu uso,
E ainda mais insignificados
Surgirão de minha obra.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Apoptose

Tire-me de mim
Antes que minhas próprias garras
Ensanguentem-me
Vestindo-me de guerra
E destruindo meus pilares 
Falsos em véus brancos.
Antes que mostrem
Minha pele solta
A rir do que sobrou
Sem verde e sem rosa
Sem a ilusão de antes.
Antes que minhas fraquezas
Se esparramem de suas gavetas
Bagunçando todo o chão
E não haja onde pisar.
Antes que eu arranque minhas asas
E desista de voar.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

As batatas

Corria apressada, fugindo para o outro lado, na ânsia de proteger-se deles. Até ouvir aquele estrondo e ir ao chão seco e quente, sujo do fim do dia. E no esforço de mover sequer músculo envolto em dor que penetrava-a agudamente, expandindo seus limites ao tomar-lhe, desejava imensamente que os outros chegassem logo, na esperança incrédula de que viriam.
E eles chegariam antes que as outras pontadas lhe retirasse o último instante de consciência de seu tempo.
Eles já deveriam ter chegado guiados pelo som treinado... Deveriam mas nunca vinham, enquanto as pontadas de protesto começavam a rasgar-lhe a carne.
Sim, o som já lhes era corriqueiro e ela era nada além de mais uma manifestação de desprezo. 
Mas ela não era igual. Ela era ela, afinal!
E isto lhe fazia toda diferença: doía nela agora e importava a ela a última chance de permanecer no triunfo de cada respiração. E junto permanecer sentindo, planejando... E construir o que desejara - e desejara muito, quisera fazer a diferença e sentir-se diferente!
Porém, agora, jogada em meio a tanto sangue, percebia que quaisquer dos anteriores menosprezados também haviam planejado. Que também teriam mudado. Que quem morre também sonha!
Mas por descobrir isso deveria ser a escolhida para voltar e avisá-los que não estão protegidos em seus sonhos, que nunca estariam salvos.
Porém a alternativa também não vinha nunca em anjos de brilho e branco dar-lhe a honra de ser a escolhida. E sem a sua própria salvação, em morte pouco nobre, sentia aquecer-lhe a cara amassada no asfalto quente, não sabia de sol ou sangue. 
E já escuro, em noite nova, esqueceu dos revoltos a brincarem com seu corpo, quase novamente pó. E sentiu que a ele voltaria (mas não para onde deveria voltar). Seu pó constituiria aquele solo podre em que estirava-se, tão nojento que há tanto detestara. 
Terra infértil, que agora a recebia com sorriso inóspito e um canto irônico.
A primeira vez que a vira, também em asfalto de muitos carros em noite média - já sem luz, mas não imaginava sem vida - em corredor de paredes de papel e enfeite de algumas sucatas, formando o que chamavam de casas com quintal repleto de ratos criados. Matados no almoço, com água igualmente suja. E diziam que lá moravam vidas de gentes.
Gentes que se rebelariam e apareceriam nas manchetes: "Estudante morta em plena rua".


Marina Cangussu F. Salomão


A saudade

Quem me fará 
Por loucas tardes
Revirar-me
E em sorrisos breves
Condensar a insanidade
De ser sincera
Em dois


Quem me colocará
Nua de esconderijos
A rir até do óbvio
E como criança
Enfeitar-me lúdica
E ignorante
De pobres bolhas de sabão


E quem me fará
Soltar palavras justas
Tão mais abertas
Que sonorizem jardins
E paredes
Embasando a concretude
De ser um só


Se há ruas e mais ruas
A construir-se
Para retirar-te a proximidade
E outras mais que ainda
Não andamos soltos
Completando-as conosco
E fazendo-nos completar


Se há bravos chingos
Dos outros
Irritados por sermos do outro
Obrigando-nos
A obstruir passagens
Que queríamos 
Para a vida cabal


Se a saudade não parte
Nem mesmo abandona
Desconstruindo o fato
De estarmos tão leves
E sabermos flutuar
Pois flutuantes no céu
Nos encontraríamos.


Marina Cangussu F. Salomão

Escrita

Quando as palavras etéreas
Ecoam rebatendo nos papéis
Sinto acalmar a ânsia
E subir mais um pouco
E exaltar e aproximar
Um pouco mais do Eterno


Então apacenta-me
Em horas de cumprimento
Pois solta-se aos poucos
Meu pó em membros
Certos e bem construídos
Para alcançarem o vento


O vento em poeira e voz
Alcança a terra e o ar
Deixando a cada um
O que lhes resta e pertence
Então retorna vazio
E invade-me de sopro.


Marina Cangussu F. Salomão

Memórias contínuas

E lembrava com pequenos sorrisos
O lúdico do outro tempo
Com memórias selecionadas
No que era aprazível e fiel
Era-se a infância em brotamento
De ilusão do perfeito
Que em tanta nobreza
Preferiu por vingar-se
Mesmo no solo áspero
De tantos dias
E permitiu o momento
De exaltação de seres
Antes tão rejeitados
Que lindos, em infância
Vergonhosa e boba,
Concretizaram na inocência
Bons caminhos.
Que permanecerão sólidos
E pouco só.


Marina Cangussu F. Salomão

A (des)criação

E fez concreto e desnudo
Certo nos pensamentos
Anticinestésico e fosco
Sem esperança e desespero
Em horas contadas
Com esforços devidos e calculados
Afônicos e impossível
De dança natural
Exceto a dos passos técnicos.
E fez só na busca perfeita
Pela aversão do erro
No desmontar medroso
De refazer e relocar
Sem brilho e fluidez
Mas gosmento em congestão
Que impedia todo o fluxo
E estancava o ilusório
Exceto o das palavras solas.
E fez-se claro e certo
E viu que não era bom.


Marina Cangussu F. Salomão

Dias duetos

Abreviado o solo
Em visitas doces
Enfeitava os passares
Com medidas de sustento
Que acrescia-lhe aumentos
E retirava o mesmo
De todos os dias,
Punha-lhe altares
Para subir
Repletos de cuidados
E a impressão
Era esculpida até
Nos arredores
De tanto que emanava,
E o que fosse
Era agora mágico
E no fantástico infante
Construído em meio
A corredores recheados de flores
Fazia o si verdadeiro.


Marina Cangussu F. Salomão

Azul

Vago e distante
O olhar contemplava o branco
Concreto e liso
Do teto, possuindo apenas
Seu único sentido.


Antes o mesmo branco
Com textura lisa e suave
Cobria-lhe as vistas
De olhos quase cerrados
Fremitando no abrir-se.


E possuía sentido
Na cautela de guardá-los
Segredando seus fazeres
Em cumplicidade
Do que chamavam terno.


Em ida com pouca fuga
Restou, porém, sua insignificância
Pequena e sem motivos
Então volta o simples teto
Que emanava azul.


Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 5 de novembro de 2011

Idôneo

Vivia em solicitude
Um tanto austera
Outro menos perfeita.
Exaltada na admiração 
De seu equilíbrio
Tão harmonioso e incrédulo,
Prole da posteridade
De seu pós-guerra:
Após temores e júbilos,
A equidade sentimental.
Que em sua alma
Desenhava-se em tinta seca
E devidamente cômoda,
Desfazendo-lhe a flutuez
Que nas embolações antigas
Perfumavam o espelho,
Que hoje sem busca
Petrifica-se e perde
Toda a fluidez dos sonhos
Que outrora refletira.


Marina Cangussu F. Salomão

Em construção

Aos do outro ano

Suavemente foram se dispersando
Os tijolos que compunham seu pedestal
Soltando-se um a um
Em busca de uma nova construção
Que fosse mais bela
Onde seriam pintados
Redecorados e alcançassem outra posição
Não aos pés da estátua
Como fizera ser em construção
De efigie fria e autoritária
Que agora sem tijolos
Para compor o sustento de seus pés
Teria que voar com suas asas duras
E manter seu peso de concreto
A flutuar no ar da gravidade
Ou cairia no chão em pedaços
E se faria cascalho
Onde os velhos tijolos se reuniriam
Para edificar-se.

Marina Cangussu F. Salomão

Idílio

Deveras transitávamos
Ignavos por entre calçadas
Sem a mesma pressa
Dos que trombavam
Íamos sem história
Um tanto supérfluos
Pelas esquinas que preferíamos
Já em ignomínia
Não importavam o que pensavam
Ou mesmo seus planos belicosos
Importava apenas
Nosso malabar por entre
A gente e só
Na fuga calma e vagarosa
De mãos dadas
Sendo nosso único medo
Desprendê-las
E vê-as livres com rumos
Independentes e fartos
Mas sem objetivo pleno
Como o que movia
Nossos curtos passos
Pelas calçadas
Que não carregavam
Fardos dos passantes
Mas o próprio peso
De sua felicidade restrita.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Melusia amúsica

Digna de admiração pelo
Enfeite externo seguido do que
A discernia e a comprazia


Melusia sabia atrair para si
Os interesses bem definidos
E compreendia possuí-los

Concentrada em observar
Parecia absorta nos pensamentos
Que proviam dos que a rodeavam


Decifrá-los em destreza
Manipular as pedras que lhes partiam
Em seus pequenos olhares silentes


Calada demais para sua visão
Clara e calma de delicado
Temor e confiança


Não expressava-se completa
Ou revelava-se em nudez
Diante de suas palavras


Protegia-se dos erros que conduzia
Saltava-os com pouca devoção
Para poupar-lhes alguns breves instantes


Melusia compreendia que seu canto
Talvez doce em sedução
Seria fatal, mesmo para si


Ao sabê-lo em consequências
Acautelava-se, recolhendo no púcaro
O pouco que lhe emanava. 


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Alexitímico

Consubstanciava-se ao nada
Em busca de formar-lhe
Uma concretude em estátua
Irrelevando o sopro
Ou mesmo a substância.
Entregava-se à convulsão
De querer ser-se imagem
E em atitudes agraciado
Recoberto pela igualdade.
Marasmática,
Que escondia-lhe a alma,
Amúsica e afásica,
E possivelmente não a possuía.
E nada cônscio e íntegro
Integrou-se aos pueris clubes
Que lhe armazenavam o vácuo.
E em destino mais provável
Não era capaz de transubstanciar
Ou ao menos perceber-lhe
E só, morto, concretizou-se
Em estátua: dura e gélida.


Marina Cangussu F. Salomão