quarta-feira, 30 de julho de 2014

Do pássaro que a mim se exibe

Ele tão fantasioso
Com tantos assuntos e papos
Ele de mil feitos e saltos
Sabe me trazer
Silêncio

Marina Cangussu F. Salomão

Desejo

Por que eu não posso te tocar
Como todos os amantes
Como todos os falantes
Como passarinho

Por que eu não posso te ter
Em meus braços
Em meu sorriso
Nos meus lábios

Por que eu não posso te ver
Sem a janela
Só com vela
E nada mais

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 29 de julho de 2014

Caracol

O mundo dentro
É tão intenso
É tão imenso
Que razoavelmente
Faz sair
O mundo dentro
Menino sedento
Se faz rabugento
No canto
Do desencanto 
Do mundo sem santo
De puro estranhento

Marina Cangussu F. Salomão

Tiquetaques

O tempo suspendeu-se 
Retundo e abaulado
Pelo o que o relógio diz ser segundo
Pelo que o mundo diz terceiro
Parou estático quieto
No segundo de terceiros
No quarto estágio de seu batimento

Deu-me uma brecha
Fundou entre nós um espaço
Fincou entre os mims uma flecha
Esburacou meu pedaço


Marina Cangussu F. Salomão

Pedaços

É estranha essa vida de pedaços
Que se recheiam mutuamente em varal sem laços
E já nem sabe-se mais o que pendura no esquecimento
Ou se pendura detrás dos tantos muros de arrependimento

Mas em algum segundo todos os pedaços desfilarão
Um a um sem norma ou sequência de padrão
Apenas sorriem como se delicados
Ou debocham mal encarados

E terá de vê-los com olhos, almas ou cores
E terá de tocá-los mesmo sem dispersores
Pois terá de senti-los mesmo com dores

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 20 de julho de 2014

Ideias Invisíveis

Se vim antes dos ponteiros badalarem
Por que ainda pergunto as horas de meu pulso de pouca precisão
E desde pequeno preciso saber onde se encaixam os ponteiros de cada segundo em vão

E preciso saber também das epopeias, 
anedotas, 
onomatopeias, 
colmeias
A rima que for
E preciso do ar para me refazer 
do tato 
da fala 
do fato 
do mato 
Como quiser compor

E preciso de ouvidos para deleitar-me seguro
No impuro, duro deste arpoador

Já os olhos são eles que precisam de mim
Em sua vida autônoma, louca e confusa
Sem direito à rima e à dor

No final, acho que tudo em  mim é loucura
Bem feitura Desatadura
Retrato caído e estendido
Reconstruído nesta amargura
Pois só pode ser loucura 
Tanta beleza.


Marina Cangussu F. Salomão

Primeiro verso que ficou em mim

Quem iria num dia de mormaço
Caminhar por onde eu passo
Assim sem mais ou menos

Quem iria neste terreno ter certeza
De ser pleno onde quer que seja
Mesmo que ameno o intuito inverso

Quem faria em qualquer praça
Bem no meio de massas
Cenas de palhaço:
Lá no mormaço do primeiro verso


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Meu labirinto

E por que a vida não ser simplesmente
Um parque verde em dia de mormaço
Grama. Brinquedo. Crianças. Passantes.
Cachorros. Palhaços.

Por que não ser naturalmente
Uma meditação em banco singelo
Casas. Aromas. Chinelo.

Não ser um tempo em vão
Um amor com vazão

Dessas a que se quer voltar... 

Marina Cangussu F. Salomão



O Labirinto De Novo

Nunca sei por onde piso
E talvez o melhor seria não pisar
Já que sou cega nesse chão amanhecido
Olhos cegos de poesia

Mas a arte é uma cria
Que impulsiona passos
Que cria rastros
E pouco mais que vida

Então sigo interrogando
Desconstruindo
Pisando
E fluindo pelo labirinto

Marina Cangussu F. Salomão

Derretimento

Fale-me de poesias
Ou daquelas cantorias
Mas fale-me
Do tédio, de teu pouco remédio
Do amor que me tinhas
Fale. Grite
Faça-me escutá-lo
Peça-me para derrotá-lo
Discorra. 
Prenda-me em masmorra.
Enquanto descerei meu corpo
Por todo o gramado
Este aqui mal amado
Derreterei-me neste verde
Que sempre foi meu
E que é completamente eu.
E veja se voltarei.

Marina Cangussu F. Salomão

Numen





Sinta menina
Tudo deixar de ser-se
Abandonar-se em pequenas partículas
Tudo se desfazer

Sinta
Pois já é carne
Tronco
Ponte e raiz.

Sinta que já não é mais nada além de tudo.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 13 de julho de 2014

Futuro do pretérito passado

As vezes me questiono se aquelas letras iniciantes rabiscadas
Algum dia sonharam ou pelo menos relampearam o que se tornariam
Se como menina pequena deslumbrei um não ser rainha ou princesa
Nem ter muita delicadeza no divagar sobre a verdade.

Porque era tão doce aquela menina 
Tão sutil e pequenina
Que os vestidos rodados eram seus sonhos
Os bordados, os recados. E amores.

E de súbito: continuam os vestidos, assim soltos, sem tato.
E continuam os amores, que hoje são fatos.
Resta saber dos restos..

Mas não importa quem eu era e quem eu sou
Já que tenho mil estórias justificadas por onde a vida debruçou
Eu quero é quem eu era naquele futuro do pretérito

Quem eu seria
Se algum dia adormeceria no decrépito


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Solidão

Ela veio
Linda e suave
Tocando-me a face
Ora rude ora macia
Acariciando-me a pele 
Anunciando a existência.
Traz-me as lágrimas 
Que há tanto se pendiam nas pálpebras
Precipitadas pelo vento.

Ela apareceu-me
Desta vez exalando orvalho seco
Cheiro de mato.
Junto a ela passam algumas ilustres figuras de alma:
Um casal esbranquiçado e seus dois amigos
Um olhar vazio e meio perdido
Boas tardes e assovios
E tantas bicicletas.

Mas finalmente veio
Embalar-me junto a uma folha de pequenos rastejantes pretos
Meio felpudos
Como a grama e suas cores salpicadas.
Ela chegou
Em dia longo de pouco sol
Depois da ponte
Ao som do encontro de águas
Em um banco tão simples quanto ela mesma
Com algum lodo e parafusos grandes
Madeira grossa
Como se plantado ao chão
Unido a todas as raízes.

E foi isso o que ela veio me falar.


Marina Cangussu F. Salomão