quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Minha paixão

Ele é a minha paixão mais intensa
E não digo por ser a atual ou por olhar em seus olhos agora e nao ter coragem de dizer diferente
Digo porque é a mais pura verdade

E repare que sempre fui muito intensa em meus amores
Que podem durar anos de paixões que se renovam e repetem a cada vez que se torna mormaço
Ou ser completa em poucos meses de tão tudo que se viveu

Mas é que com ele não é uma intensidade concreta
Com relatos de experiências vividas
De fugas de loucuras de decisões precipitadas

Ele é uma intensidade sentida
Uma energia transcendental desde o primeiro instante
Com aviso dos guias e magnetismo incontrolável
Repleto de cheiros intrometidos
E insuportavelmente irresistíveis

Ele é a minha paixão mais gostosa e mais intensa.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

As coisas que ainda não compreendo no ser humano

Às vezes eu acho 
Com quase certeza
Que ele não existe

Porque ele é tão calculado 
Todo o tempo
Que uma pele não é capaz de se controlar

Não sente frio
Não sente fome
Poucas vezes está cansado
Não fala alto
Não se altera
Não desmodera

Às vezes 
Com quase certeza
Eu acho que ele se inventou

Para ser sincera
Eu queria ver ele quebrando paredes
De ódio, de amor, de dor, de paixão
Só para gostá-lo um pouco mais
Assim bem como ele é

E diz-se que comigo ele é mais ele
Ele é mais dele
Sem precisar mascarar

Como podem pessoas viverem no palco
Como podem viverem de salto alto
E maquiagem.

Marina Cangussú F Salomão

O mormaço

Bom mesmo é sentar 
Num canto confortável qualquer
E conversar aquelas coisas bobas de todo dia
E de teu rosto ver expressões leves 
De poucas preocupações
Dessas que sabe que estarei ali todos os dias
E ouvir e falar e apenas olhar
Sentir teus olhos em meus detalhes
E então tocar tua mão
E esse ser nosso único toque
Cheio de amor
Até decidirmos voltar para casa
Juntos.

Marina Cangussú F Salomão

Ave do Contorno: 6 da manhã de um dia útil

Elas passam apressadas
Ressabiadas
Arrumadas
Passam rezando o terço
Pensando no berço
Desesperadas
Umas param e pegam o ônibus
Outras correm desconfiadas
As outras olham desesperançadas
E vão feias e bonitas
Roucas e cortiças
E as ricas nunca passam
Vão segurando as pontas
Aguentando contas
E homens mal educados

Todos os dias elas passam...

É dificil ser mulher nesse mundo

Marina Cangussú F. Salomão

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Internalizações

Cuba é livre como eu
Vem de uma ditadura que lhe priva algo
Mas sabe ser mais livre que muita liberdade
Porque o povo é livre para sentir
E eu sou livre para ir e vir

Marina Cangussu F. Salomão

Terceiro dia em Cuba

O céu de Havana é negro às seis da manhã
Assim como a pele da maioria das pessoas.
E o céu de Havana tem estrelas que lhe brilham à noite
Assim como a pele de algumas pessoas.

E do Malecón começam as primeiras luzes
E nas sacadas tortas as primeiras pessoas
E na rua já se vão várias
Algumas porque precisam
Outras porque acordam

E às seis da manhã se ouve pessoas e nenhum carro
Havana é a cidade em que se escuta mais pessoas do que carros
Mas não pense que é silêncio
Aqui as pessoas falam 
E são ouvidas

E de minha sacada vejo algumas pessoas
E elas me veem.
Havana é a cidade em que as pessoas se mostram
E são vistas.
Havana é a cidade das pessoas.


Marina Cangussu F. Salomão

La Habana - Cuba
24/10/2016

Vontades de revelações

Alguns segredos eu guardo comigo mesmo

Como a sensação de algumas ruas
O cheiro de outras esquinas
Impossível dizê-las com detalhes

A vida é algo egoísta às vezes:

Que o melhor de mim não poderei dizer
Então digo apenas de lugares que fui
De coisas que fiz. Prédios que vi
Vistas que presenciei.

E nunca vão saber de tudo que me vai guardado no coração

Porque/ Por que a vida não é descritiva...

_ Eu queria saber o que te vai passando em moinhos pelos pensamentos
Mas a mim ficaram só relatos e imaginações.

Quem dera eu poder escutar as coisas de seu coração.

Marina Cangussu F. Salomão

Contradicciones

Em Havana não tem sim. Não tem não
Em Havana não tem proibição
Me disseram.

Não tem preço no ônibus
Não tem assento preferencial
Não tem marquise na calçada
Quando chove a água é real

Em Havana não tem muita lei
Te pouca diferenciação
Em Havana tem padeira às 11 da noite
De muçulmano a cristão
(Mas Havana não tem religião)

Tem duas moedas 
Mas só uma é nacional
Tem um preço apenas
Para quem fala a língua comunal

Em Havana tem charuto e tem rum
E tem campanha de prevenção
Em Havana tem alguma contradição

Havana é livre na ditadura
Havana sofre é de bloqueio
Havana é feliz com pouco rodeio

Em Havana as pessoas são coletivas
As ruas parecem bagunça
As crianças com expectativas

Mas por aqui tudo funciona
Por aqui tudo pretenciona
A felicidade.


Marina Cangussu F. Salomão

La Habana - Cuba
28/10/2016

Tempo do Presente

As memórias com ele vêm tão ligeiras
Que recheiam-me com mil imagens e pensamentos
Gostosos como um dia de chuva,
Intenso em mim com sua rotina diária.

E o presente dele me faz desejos inéditos:
Como viver juntinho agora (e não depois).
E ele é tão macio e sutil que ele pode ser da cor de anil
De tão mágico e intuitivo a certeza que me causa

Fantástico! que mesmo depois de 390 dias 
Não consigo acreditar na energia que me invadiu
E que me permitiu estar aqui.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A claridade

Nem lembro mais de seu abraço
Nem lembro mais de seus traços

Engraçado isso da vida se perder
E a minha se perdeu por caminhos tão bonitos

Nada mais é labirinto:
Tudo é claro e com amor

E nem só digo de parceria
Digo de mim mesma:

A vida hoje me sai em poucos poemas: concisos e belos
Nunca mais aquela confusão medonha de meus erros.

Marina Cangussu F. Salomão


Das mudanças, medos. Motivações

Tão vagarosamente alguns pedaços se despedaçam
Que a falta já não lhes cabem mais
E vai a vida se refazendo
Como rocha em erosão:
Aquelas a se sedimentar
Em mover louco
Porém suave de processamentos.

_Para que medo? Perguntei.
Isso é apenas besteira de iniciantes.


Marina Cangussu F. Salomão

Princípios

Nós dois nus
Encaixamos 
Tão perfeitamente
Que quando
Nós dois nus
Encontramos
Foi como mágica
Para mim
Assim de repente: plim!
Tudo estava compreendido.
Mas para ele tudo é vagaroso
Desses que vai uma tarde inteira
De nós dois nus
Amando.

Marina Cangussu F. Salomão

Proseando

Já não escrevo mais poemas 
Desses rápidos, ligeiros e intensos
No chegar.
A vida encheu-se tanto de amor
Que a rotina agora é prosa.

Marina Cangussu F. Salomão

Sobre o instante da paixão

Como pode nesse mundo existir força que eu diria rara e tão grande, que possa atrair dois seres: não desconhecidos, mas indiferentes?
E como posso eu, dentre tantos bilhões, tão alheia, ansiosa e inquieta, percebê-la passar por mim por um milésimo de segundo e, em minha sempre confusão de pensamentos, decidir segui-la?
Eu, tão incerta, tive naquele momento, a possibilidade da certeza. 
E a ela me agarrei.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Ele

Ele tem os olhos negros
Assim como vulcões
Desses vulcões que parecem dormentes
Mas estão por erodir

Ele também é erudito
Assim com vários livros na estante
Que antes, nas mãos
Estão prontos para serem relidos

E ele sempre me reler
Sabe de meus dias carcomidos
E mais ainda dos de regozijo
Esses onde estamos prontos para nos perder

E ele nunca me perde. 

Marina Cangussu F. Salomão

Governos

Ele é controlador, eu diria.
Controla o que fala, o que come, o que sente.
Controla o que o rosto expressa, as horas de sono, a própria mente.
Ele inclusive tem um caderninho de controles:
Anota gastos, dinheiros e alguns amores.
Controla passos e quilometragens. Calcula tempos.
Ele tem tudo sob controle:
Nunca nenhum excesso
Nem nenhum acesso
Tudo com sucesso controlado.
Acho que ele esconde um auto-manual de como proceder.
Ele controla até a respiração. 
Ele foca toda a atenção.
Controla a fome, a sede.
Acho que ele também controla desejos.
Controla tesão.
E ele me controla nessa situação:
E eu, tola, sou todinha dele, desgovernada.


Marina Cangussu F. Salomão

O ano

O mundo vai mudando a gente

De lugar
De formato
De aspecto
De anonimato

Vai virando
Mastigando
Transladando
Detalhando

Juntando retalhos

Marina Cangussu F. Salomão


Golpe de estado

E o dia continuou igual:

Acordei. Lavei o cabelo. Passei na farmácia. Segui para a aula. Almocei. Fui para o trabalho. Reunião a noite. Liguei para os meus pais. Conversei com o vizinho, o cachorro dele me latiu. Liguei a TV, que falava da separação de um casal famoso. Dormi.

Mesmo o que é brusco vem devagar. Para nenhum bobo desconfiar.

Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Salva-vidas

Ele tinha uma melancolia guardada
E seu melhor passatempo era ouvir as dores dos outros
Para tentar entender a sua

Ai feitiço desgraçado!
Eu amo relembrar tragédias

Mas ele era muito profundo para mergulhar
E dava medo aquele fundo escuro e sem chão

"Too deep to dive, sweet heart!"

Ai defeito insuportável!
Eu amo as coisas sem vazão

E por isso eu me ia: já lhe havia contado de tudo...

Eu afoguei. 


Marina Cangussu F. Salomão

Entre defeitos e qualidades

Ela amava ser amada.
Até que um dia ela amou.
E se surpreendeu com o poder que aquilo tinha. 

Marina Cangussu F. Salomão

Das construções

Existem tantas pessoas bonitas na rua
Então, porque eu ficaria em casa

Cachorros
Casais
Bicicletas
Irmãos

Tanto amor emanando um pouco aos que vêm solitários por dentro e tão sedentos
Como eu.

***

Lá em casa ninguém nunca ensinou o amor
E nós nos matamos tão aos poucos
Amando devagarinho
Que seria bom se as pessoas entendessem um pouco a teoria
E descobrissem que só o leite mata o macaquinho

***

Eu ando por um rua que sobe
E que também desce
E são vários advogados
Tatuadores, budistas, pintores
Representados nos prédios que circundam
Que me perguntei quando deixaremos de ser paredes

Foi aí que vi que paredes não são apenas nas casas
Escondidas em fotos de famílias felizes
Elas se constroem também nas ruas:
São os muros 

E agora muitas vezes na web

***

Existe tanta gente bonita em um caminho
Que eles não precisavam de argamassa
Só andar ou sentar.
E passar e ficar.

Marina Cangussu F. Salomão

Primitivo

Tem tempos que eu não morro.
Antes, no início de minha vida de adulta, eu morria um pouco todos os dias. Iludia-me nas correntezas de deveres que me impunham. E nunca me era fácil resgatar as partículas que me iam com a velocidade das passagens, resgatá-las e voltar a ser inteira.
E mesmo o trabalho de reconstituição me levavam quilogramas de energia.
Então eu me desfazia, um pouco todos os dias.
Até que em um deles, depois de quase finda as idas perdidas. Quase: não sou dessas de ser Fênix.
No meu Quase eu refleti de onde vinha o meu sustento, a minha essência. A essência que tanto gritava louca à procura. Aquilo a que poderia recorrer quando me faltavam apenas algumas partículas por se diluir no emaranhado de águas e ventos poluídos que me envolviam.
Descobri o que me enchia de regozijo pela vida.
E foi daí então que minhas correntezas mudaram: permaneceram os deveres, mas deixei também que outras correntes me levassem sem levar, mas repor. Preenchendo-me e repondo partes perdidas. Lembrando-me de ser Uma.
Achei. Lá de onde vem o meu astro, o meu sol: a natureza.
Então disse a mim mesma: eu sou mulher do mato. Dessas primitivas (alguns definiriam) que se sensibiliza no que ainda é pequeno, sem poder se sufocar na civilização.
Para mim, uma folha que cai do topo de uma cachoeira é motivo suficiente para me comover. E para me encher de beleza.


Marina Cangussu F. Salomão

Crisálida

Gastei muito tempo de minha vida tentando me entender.
Pensando nos passos passados e presentes, no porquê, em minhas confusões.
Imaginei e deixei alguns pensamentos gastarem mais tempo que deviam. E me envolveram mais do que podiam.
Gastei muito tempo da vida em um mundo fechado que só pertencia a mim.
Se é que me pertencia.
Acho que eu era só mais um fantoche de mim mesma em meu imaginário de tragédias, sofrimentos, perdas, traições.
Sim, a vida tem dessas coisas. Mas ela nunca será só isso.
Não como era para mim. E por muito tempo foi.
E eu me perdia naquele redemoinho labirintoso sem saída que eu mesma criava.
Hoje acho que posso simplificar-lhe a definição e chamar de Casulo:

Eu me voltei. Ensimesmei. Criei meus mundos e minhas paredes impenetráveis: nem por fora, nem por dentro.
Prendi meus pensamentos conturbados e em avalanche em um casulo fechado.
E quase me sufoquei.
Quase me matei. Quase pulei da altura que tivesse que pular para quebrar aquela casca: aquele exoesqueleto de quitina. Porque me era insuportável.

Porém, um dia, quando ainda era uma criança, eu e minha irmã encontramos em nosso jardim dois casulos de borboleta. 
Foi esse dia que tive a minha primeira aula dessa espécie. Meu pai, que na época ainda me tinha um sorriso leve e imenso, nos contou de onde vinha aquilo: um casulo, que antes foi uma lagarta e que depois seria uma borboleta. 
Duas borboletas. Dois casulos. Duas lagartas. 
E eu me encantei... Antes tinha medo de lagartas, pois não sabia quem elas eram. 
Então eu e minha irmã pequeninas nos dividimos (como sempre). Cada uma teria um casulo e deveria olhar por ele.
E passamos dias, semanas, horas _ não me lembro, só sei que foram eternos _ constantemente esperando, como se espera por um parto: horas ansiosas, intermináveis e seguidas, cada uma por sua borboleta. 
Até o grande instante: quando a borboleta da minha irmã desabrochou. Como flor. Maravilhosa. Frágil. Delicada. Linda. Forte. Ela desabrochou amarela (e amarelo foi a cor preferida da minha irmã por muitos anos desde então).
A borboleta nascia junto de uma gosma clara, quebrando seu casulo lentamente. Sofrendo seu parto. As patas frágeis, as asas ainda molhadas. Encantadora. Nós, maravilhadas. E meu pai do lado nos aconselhando: não toque, paciência, deixe ela nascer sozinha (redundância, afinal, todo nascer é solo).
E foi brilhante aquele instante.
Aquele momento de mágica real. 
E depois de voada nos voltamos para a minha borboleta... E eu já a imaginando azul, ou amarela, ou colorida. Quebrando a casca, se libertando, sendo linda. 
Mas anoiteceu. Clareou. Anoiteceu. Meu casulo continuou fechado.
Foi aqui que tivemos nossa primeira lição de que algumas coisas vão, outras não e outras ainda podem voltar. E nossa segunda lição de que cada fase é importante, mas também deve ter seu fim, para que haja ida. Evolução.

Minha borboleta nunca floresceu.
Simbólico, para os que acreditam em símbolo.

E foi disso que me lembrei quando eu desesperada não conseguia sair de meu casulo. Quase condenada a morrer sufocada, para sempre: nem larva, nem borboleta. Indefinida.
Então velha já e anos depois, decidi que era a hora da "ida". Então desabrochei. Borboletei. Decidi que aquela fase deveria acabar.
Afinal tudo tem seu tempo: coisas, pessoas, momentos.
E a borboleta deveria chegar.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

De minha terra

Por aqui o céu é sempre brilhante
Radiante. Estrelado.
Poucas nuvens cobrem o azul 
Escuro ou claro
Nesses meses ressecados.
E nada reluz alguma vida por aqui com broto
Só os galhos depenados
Dando um jeito de fazer bonito
Até com pouco colorido

Afinal não é a seca ou a chuva
É a beleza de cada um.

Marina Cangussu F. Salomão

Eu na janela

Vai chegando a tarde,
O fim do dia
Descendo a ladeira do céu.

O sol se acalma
E em seus últimos passos
Me diz para acalmar também:

Parar. Ligar Chopin
E levitar.

Assim eu faço.
Então ele dorme.

E o vento vem aos poucos,
Um pouco mais atrevido,
Me acompanhar.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Céu seu céu

No olhar
As nuvens se confundem

Sem formarem linhas
Elas condensam-se em formas desformadas

E tudo que se via era apenas céu
Azul ou branco

Mais parecia que envolvia o todo
Sem limites ou delineamentos

Na verdade: era.

Infinito
Imenso
Incompreendido pelo homem.

Marina Cangussu F. Salomão

Das saudades que se tornaram memórias

As coisas se tornam distantes
Se tornam eternas
Fossilizam em memória

E a vida segue frenética
Outras vezes calma
Sem tanto espaço para chorosas murmurações

E as saudades se amenizam
A vida de novo se harmoniza
E vive-se sem demasiadas ilusões

Marina Cangussu F. Salomão

É como se fosse

Ele sempre foi como se ele sempre fosse:
Ao entrar em minha casa
Invadir meu quarto sem convite
E espalhá-lo desodorantes, toalhas, escovas de dente.
Depois entra na cozinha
Busca comida no armário
Abre e fecha a geladeira.
Troca a marca do shampoo
Reclama do sabonete.
Ocupa lugar em minha mesa.
Lê meus livros.
E me incute a rotina de ver filmes, jogar capoeira, andar de bicicleta.
Ainda insiste, como se eu estivesse errada,
Para trocar o sabão em pó
Por uma bola sem cheiro,
Argumentando que com ela a roupa não da nó.
Senta à mesa de meus pais
Pede a benção à minha avó
Fala de amizade com meus preferidos.
Arruma minha cama.
Reclama do tempo de espera para tomar banho.
Esquece o chinelo que nunca mais voltou.
Compra comida e define o suco.
Diz onde deveria economizar.
Cozinha sozinho sem minha companhia.
Aponta meu estresse, minha fala errada, 
Minha identidade velha, meu jeito infantil, 
Meu apego excessivo.
Vai na farmácia e faz suco de laranja.
E quando menos percebo
Já define a minha rota
E reduz a minha cota (de pesos).

Ele chegou como se ele sempre estivesse
E é como se sempre fosse.

Marina Cangussu F. Salomão

Das coisas de pouco fluxo

Tanta coisa se deixa entrar sem permissão
Uma simples curiosidade
Um rancor, uma saudade
Ou então alguma música.
Outro amor. A fumaça.

E entram dores e perdem cores
Entram também alguns odores:
Às vezes bem-vindos
Já outros com nariz franzindo

E tanta coisa se deixa ficar na expulsão
Uma lembrança, uma memória
Uns sonhos, uma história

De outras vezes vem a tipoia, o gesso, a muleta

Tanta coisa vem e fica por um tempo
Enquanto outras não nos abandonam nem com o vento
Ah! Essas coisas sedentárias
Às vezes queria antes a vazão.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 8 de julho de 2016

O amor e as precipitações

Ele sempre me foi um mistério
Um desejo recolhido nos segredos que nem sei
E que fugiam de meu esconderijo
De meu controle e por regozijo
Acompanhavam meu olhar
Nos sutis passos distantes daquele homem

Passos lentos que a mim chamavam atenção
E que mais parece que sempre me deram vazão

Nunca entendi bem de onde vinha aquele interesse
Sem fala, sem mala, sem rotina. Só olhares
Que não se encontravam

Mas que em algum momento
Desses perdidos trazidos no vento
Resolveram se olhar

E foi como uma rotina perdida
Que volta sem tempo para acomodações
Mas que se encaixa e se delicia
Sem medo de condecorações

E com o tempo se ameniza
Se agasalha e se espreguiça no sofá
E por retrato se percebe que ali nunca entrou de mala
E que na sala é o seu lugar

E hoje esse homem secreto
Que a mim me tomou por completo
Quando me abraça me causa sentidos:
O mesmo êxtase que antes sentia
Quando com ele eu fugia no pensar

Fuga perdida só em pensamento
Mas sem consciência, sem alento
Que só agora me vem na memória
Lembrando do tempo que a ele não sabia interpretar

Então mais do que nunca me ponho certa
De que amo esse homem entreaberta
Que em mim anda vagaroso desde o princípio
Amo-o sem querê-lo em linha reta
Assim deserta de seus erros e suas quedas
Amo-o com particípios
De passados ou presentes
Amo esse homem sem ilusões e sem castigos
E sem fingir-me discreta diante seus precipícios

Marina Cangussu F. Salomão

Dissipação

Mesmo quando a vida não couber nós dois
Continuarei seguindo no que me move
Porque a ti nunca entreguei meus motivos
Nunca te dei o que me é perdido
Continuei sendo livre
E carregando os meus pesos

[...]

Engraçado como sempre penso na dissipação
Acho que não existe futuro entre duas almas soltas

É necessário que alguém te prenda e te fixe para que permaneça
E essa nunca será eu.

Marina Cangussu F. Salomão

Jumentas

Desde cedo acumularam entre nós
Coisas de outras vidas em seu após

E restaram dúvidas impiedosas
E ficaram questões imperiosas

Que nunca deixaram minha cabeça

Pois ficaram pungentes, ardentes, sedentas
E me deixaram inquieta, aberta, jumentas

Então fiz uma rima para não me esquecer
Que mesmo que eu perdoe e deixe adormecer
Eu quero lembrar para não apodrecer
Nesse meu gosto sagaz de me deixar me perder

Para não me deixar jurar mentiras
Juramentadas
Jumentadas
Jumentas

(perdão pela piada)
Marina Cangussu F. Salomão

A gente parte

Vamos aonde precisar
Colocamos a mochila nas costas e vamos
Para onde queremos
Onde cabemos.

A gente parte
E partimos também alguns corações,
Principalmente os nossos.

Mas já somos partidos:
Entre o amor de casa
E o amor da estrada.

Nós vamos
E contamos com encontrar
Alguém que venha com a gente.


Marina Cangussu F. Salomão

Ma me move

Maravilhosamente Mari ela olha
E molha a alma com calor e alegria
Acolhe o olhar
A lama cálida lembra
Love linda e lívida
Ela larga o leque
E ilumina o lar
Da alma que é o Amor

L. A. C. B.
05/2016

Marina

She comes from the sea
She comes to the sea
She goes with the sea

Ela é infinita.

Marina Cangussu F. Salomão

Ela descobria o seu desapego

Ela descobria o seu desapego:
A amiga perguntava "se você quer ir embora de onde mora e não quer voltar para de onde vem, para onde você quer ir então?"
Ela respondeu "eu não sei". Talvez eu venha para cá - como venho agora te visitar, por um ou dois anos, não muito mais que isso.
Talvez.
Agora já lhe vão quase 10 anos no mesmo lugar e antes disso lhe foram outros 15.
Mas nada nunca lhe apeteceu. E sempre lhe fora latente essa ânsia de sair.
Mas para onde ir? Era a pergunta de agora. E fora a pergunta não questionada muitas vezes antes.
E de onde lhe vinha esse espírito cigano? Sabia menos ainda: nada de costume ou justificativa. Vinha de ascendentes sedentários e televisivos. Nunca lhe ocorrera influência.
Entretanto, sabia bem e se lembrava de todas as chuvas que lhe percorreram a vida e os barcos que desenhava e construía para se colocar dentro e mandar junto na correnteza. Mas ela nunca cabia. 
Porém ela sempre soube que um dia iria.
Ir para onde? Tanto faz, o mundo é muito grande. Contando que parta, só importa ir.
Talvez um dia eu pare por outros 10 anos (eles passam rápidos se você deixar), pelos filhos... Só porque para eles é bom ter um lugar que é seu.

Assim ela descobriu que não tinha apego com amigos, família, com lugar. E se algum homem a quisesse, que a seguisse ou lhe oferecesse um plano de ida (não um anel brilhante).
Ela tinha raízes, era certo. Só não queria um lugar para ficar. Não queria enraizar-se.
O mundo chamava aquela alma de "macho" (era o que diziam lá em sua terra). Então macho seria, dizia ela. Não tinha medo de vazio (desculpe a ironia).
O vazio fazia bem, fazia espaço. Trazia leveza. Não deixava peso.

Acho que no fundo ela tinha era medo dos pesares da vida.
A distância romantiza as coisas.


Marina Cangussu F. Salomão





"I think if she'd been born a man, she would have spent her life sailing away somewhere, like her grandfather, always coming back here, perching for a moment, then off again... Always bringing back presents for the people she loved, or objects of remembrance, filling the tiny space here with acknowledgements that there is a world out there.
[...]
I think she hated being a woman. I think she hated living to turn over her independence to someone else. She escaped inside her head, and of course in her boat."

Jennifer Johnston (1991) - The Invisible Worm

sábado, 21 de maio de 2016

Ode ao moço e à bagunça que deixa em mim

Gosto das cores dele
Vermelhos e roxos e vermelhos

Das frutas dele: amoras pretas e vermelhas
E laranjas

Gosto das pontas de unha mal lixadas
Dos cabelos rebeldes
Dos excessos de pelos

Gosto da textura da pele
Do cheiro que tem gosto de textura
Gosto dele por inteiro

Gosto da respiração lenta enquanto dorme
Das mioclonias da sonolência
Do cheiro da expiração dormida

Da textura dos lábios
Da textura da voz
Do cheiro de novo o cheiro

Gosto da maneira como fala, como escuta, como cala
Gosto da maneira como anda, como come, como ama
Gosto da maneira como pensa, do que sente, do que retrata

Amo esse homem despenteado
Ou quando sai ainda molhado do banho

Gosto de quando me abraça e de quando não se desgruda de mim

Gosto de sua maneira sutil
E mesmo quando febril sabe me agradar.

Gosto de como ele se conhece
E de como me explica das coisa do lado de lá

E gosto de quando me poupa
Daquilo que a voz não está pronta para falar

Amo-o
(amo-te)
Sem conseguir mensurar
Nem mesmo me organizar

Marina Cangussu F. Salomão

Ritmo

Os tempos mudam às vezes vagarosos 
Por vezes com pressa.

E os bancos ficam por vezes ociosos 
Outras tantas em arestas

Já se vê pelas cores da janela com ventura 
E outrora com vigor.

E vai se indo a vida em temperatura 
Combinadas em rimas.

É gostoso ver o tique-taque dos ventos no vidros
Mudando as cores do céu 

Cores que iluminam a vista 
E nos coloca um chapéu. 

Nós que nem sempre somos cinza
E nem sempre multicor: 

Pois já dizia a medicina que a vida é em sobe e desce
Nunca numa linha muda de rancor. 

Marina Cangussu F. Salomão

Dele

Ele tem textura de ele
Com gosto de ele
E cheiro de ele

Ele é todo rimado

E eu amo poesia

Marina Cangussu F. Salomão

Dos incômodos

Nós mesmos não nos importamos com os nossos excessos
Com os nossos acessos
Com as nossa saídas

Nos incomoda o nosso regresso
Alguma falta de processo
Uma ou outra recaída

Temos medo do mundo pouco diverso
Da vida inteira sem verso
Do futuro sem plano, do presente sem partida


Marina Cangussu F. Salomão

Resiliência

Tem momentos perdidos na vida
Que a gente se reinventa
A gente se adentra
Um pouco mais.

E mesmo sem saber por onde
Sem saber se pode
É isso que a gente faz.

E dão boas diferenças
Um tanto quanto intensas
Se a gente olha para trás.

E faz um pouco de medo
E outro tanto feliz
Quando se diz que a gente é capaz.

Marina Cangussu F. Salomão