quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Crisálida

Gastei muito tempo de minha vida tentando me entender.
Pensando nos passos passados e presentes, no porquê, em minhas confusões.
Imaginei e deixei alguns pensamentos gastarem mais tempo que deviam. E me envolveram mais do que podiam.
Gastei muito tempo da vida em um mundo fechado que só pertencia a mim.
Se é que me pertencia.
Acho que eu era só mais um fantoche de mim mesma em meu imaginário de tragédias, sofrimentos, perdas, traições.
Sim, a vida tem dessas coisas. Mas ela nunca será só isso.
Não como era para mim. E por muito tempo foi.
E eu me perdia naquele redemoinho labirintoso sem saída que eu mesma criava.
Hoje acho que posso simplificar-lhe a definição e chamar de Casulo:

Eu me voltei. Ensimesmei. Criei meus mundos e minhas paredes impenetráveis: nem por fora, nem por dentro.
Prendi meus pensamentos conturbados e em avalanche em um casulo fechado.
E quase me sufoquei.
Quase me matei. Quase pulei da altura que tivesse que pular para quebrar aquela casca: aquele exoesqueleto de quitina. Porque me era insuportável.

Porém, um dia, quando ainda era uma criança, eu e minha irmã encontramos em nosso jardim dois casulos de borboleta. 
Foi esse dia que tive a minha primeira aula dessa espécie. Meu pai, que na época ainda me tinha um sorriso leve e imenso, nos contou de onde vinha aquilo: um casulo, que antes foi uma lagarta e que depois seria uma borboleta. 
Duas borboletas. Dois casulos. Duas lagartas. 
E eu me encantei... Antes tinha medo de lagartas, pois não sabia quem elas eram. 
Então eu e minha irmã pequeninas nos dividimos (como sempre). Cada uma teria um casulo e deveria olhar por ele.
E passamos dias, semanas, horas _ não me lembro, só sei que foram eternos _ constantemente esperando, como se espera por um parto: horas ansiosas, intermináveis e seguidas, cada uma por sua borboleta. 
Até o grande instante: quando a borboleta da minha irmã desabrochou. Como flor. Maravilhosa. Frágil. Delicada. Linda. Forte. Ela desabrochou amarela (e amarelo foi a cor preferida da minha irmã por muitos anos desde então).
A borboleta nascia junto de uma gosma clara, quebrando seu casulo lentamente. Sofrendo seu parto. As patas frágeis, as asas ainda molhadas. Encantadora. Nós, maravilhadas. E meu pai do lado nos aconselhando: não toque, paciência, deixe ela nascer sozinha (redundância, afinal, todo nascer é solo).
E foi brilhante aquele instante.
Aquele momento de mágica real. 
E depois de voada nos voltamos para a minha borboleta... E eu já a imaginando azul, ou amarela, ou colorida. Quebrando a casca, se libertando, sendo linda. 
Mas anoiteceu. Clareou. Anoiteceu. Meu casulo continuou fechado.
Foi aqui que tivemos nossa primeira lição de que algumas coisas vão, outras não e outras ainda podem voltar. E nossa segunda lição de que cada fase é importante, mas também deve ter seu fim, para que haja ida. Evolução.

Minha borboleta nunca floresceu.
Simbólico, para os que acreditam em símbolo.

E foi disso que me lembrei quando eu desesperada não conseguia sair de meu casulo. Quase condenada a morrer sufocada, para sempre: nem larva, nem borboleta. Indefinida.
Então velha já e anos depois, decidi que era a hora da "ida". Então desabrochei. Borboletei. Decidi que aquela fase deveria acabar.
Afinal tudo tem seu tempo: coisas, pessoas, momentos.
E a borboleta deveria chegar.


Marina Cangussu F. Salomão

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