segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Espera

Quanta inquietação
Na espera de sequer palavra
E esperava contemplando
O girar lento do cortinado
Guiado pelo leve vento
Que entrava sorrateiro pela janela
Que encobria a cama 
Que ainda deitava
E deixava-se fluir
Pois não poderia controlar-se
Já que nos sonhos vinham
Os pensamentos que lhe proibira
E agora renunciando
A todos os limites
Permitia-se esperar e sonhar
E desejar a espera.


Marina Cangussu F. Salomão

Cinzas

Como haveria tanto vazio
Em um deslize incompleto
Que enchia-se das memórias
Imaginadas para existirem.
Talvez era a vontade
De soltar-se das cinzas
Abandoná-las na terra
E subir com o vento
E alcançar a lenha
Para foguear a que restou.
Mas se subisse perderia-se
Nas correntes fortes de ar
De tanta leveza por ter se deixado
E perdido poderia ir
Seja lá onde fosse
E nem encontrar a madeira.
Assim não haveria motivo
Para abandonar o vazio
Pela completude das memórias
Que enfim existiriam
Pois poderiam nunca existir.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Deslocamento de reação

Não compreendia como poderia
Passar tantos dias em equilíbrio
E apenas um acréscimo ínfimo
Alteraria sua entropia
Exasperando-a de tanta energia
Energia que não lhe cabia
_ Poderia jurar!
E que não se enganassem
Caso houvesse escape pela boca
Ou seja lá mais por onde.
Sim. Tendia ao caos máximo
E em panela de pressão tampada
Explodiria no mínimo tocar
E pisaria sobre suas migalhas
Estraçalhadas pelo chão
De tanto deslocamento de reação.


Marina Cangussu F. Salomão

Epi

Aquelas manhãs sagradas
Depois de uma chuva noturna
Em dia fresco com o sol ainda criança
Brincando de esconder atrás das folhas
E seu riso fazia levantar as gotas
Que disputavam quem conseguiria alcançá-lo.
Sim. Era muito bucólico e real.
A manhã ainda de sono
Acordava apenas os pássaros
Que enfeitavam o cinza do resquício de sereno
Com seus cantos e rodopios
Bailavam soltos, me transbordando de inveja
Presa ao meu corpo preso ao chão.
Mas minha alma decidiu por acompanhá-los:
Flutuando de asas abertas entoando sua flauta
E elevava-se disputando com as gotas
E acreditava que poderia ganhar
_Porque fé é algo assim sem razão.
Ia dançando no vento até a árvore mais distante
Onde meus olhos perderiam-na da vista
E balançava em seus galhos
E abandonando o que a prendia ao seu corpo 
Unia seu sopro ao sopro do mundo
Bem que diziam que éramos um só!
Pleno. Livremente pleno...
Já encontrava as borboletas amarelas
Salpicando-se por entre as flores
E minha alma sentia o salpico
Pois era tudo. Estava em tudo.
Sentia mesmo as cócegas das formigas
O vento bagunçando seus cabelos verdes de capim
Poderia sentir tudo: tudo aquilo que o corpo não podia
A preguiça dos cachorros a bocejar e esticar o corpo
Os lagartos decidindo-se por tomar banho de sol
E até as gotinhas que desejavam-no
Descansando no caminho nas nuvens...
Tudo! Todos os átomos.
Sem a inveja da limitação
Pois o que era era alma, não a pobreza do corpo.


Marina Cangussu F. Salomão

Princesa

Não havia desejo de sorte
Ou interesse no que construía
Eram tão enfadonhas
As falas com justificativas
Tantas, tão explicadas
Que assustava:
Quantas perguntas saíam 
Antes da conclusão?
E ver os planos expostos
Amedrontavam-lhes 
As questões que os pairavam
E achavam que não era pureza
_ Não a que atestavam!
Então se afastavam das perguntas
Que ressoariam espontâneas
Pelo medo de também se perderem
Confusos em seus dogmas
E anotavam para lembrar-se
De retirar-lhe o trono.


Marina Cangussu F. Salomão

Vagando

As memórias começavam a vaguear-se
Esparsando a cada giro de instante
Sustentado pelo diferença de quilômetros
E fazia bem à promessa mal falada
Trocada entre o que se queria e o que se dizia.


Poderia voltar bambeando na inconstância
Ou concretizar-se nos pensamentos sem vontade.


Era que o tempo que as memórias rodopiavam
Apresentava-se imenso em ócio constante
E permitia intensificar o que havia
Também complicá-lo em complexo inexistente,
E labiríntico não havia a soltura atraente de antes.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Para Dirceu

Enquanto pasta alegre o manso gado,
Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.¹

Levaria-o para qualquer lugar que os passos comandassem
E encontraria na paz do silêncio das gentes
O verde dos pastos intercalado ao verde dos brejos.
E em todo o incomodar do mato e seus mosquitos,
A picar e pinicar onde encostavam,
Poderia deitar-me próximo de teu tédio
E perceber cada centímetro teu refletir o verde
Que me confundia se o chão ou a tua esperança
Se perdendo por todo ele.
E era tão bucólico e desfrutante o instante
Que permitia a nós perder o tempo dos segundos
E não ouvir, não falar, nem fazer nada
Apenas contemplar aquela finitude que envolvia,
Sem toda sua graça de outrora.
Mas permitia-nos brincar quais os mosquitinhos
Em seu zumbido doce e bobo,
E junto de tanta beleza nos enamorar.

¹ Tomás Antônio Gonzaga in Marília de Dirceu (Parte I, Lira XIX)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Formigas

Depois, que a embriaguez o deixasse
Iria desejar estar menos bêbado
No momento em que as formigas lhe subiram
Para poder senti-las e não apenas sabê-las
Na visão que ainda lhe era fiel.
Lúcido seria capaz de sentir suas pequeninas patas
Cada passo, na escala de sua enorme perna
E poderia compreendê-las melhor
Sem somente abaná-las e jogá-las ao chão.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 18 de dezembro de 2011

Controle remoto

Já não aguentava mais. 
Aquela confusão a sufocava.
Por que não poderia ter os dois?
Por que não poderia ter tudo aquilo que desejava?

  Sentia a respiração exigir-lhe mais e o coração avisava-lhe, desesperado a bater, que não suportaria, clamava pelo ar. Porém o ar rarefecia-se, tornava-se longe e difícil. Estava perdida.
  Morreria. Não havia onde sugar todo o ar que necessitava para manter-se viva, para controlar-se, controlar o desespero de seu coração.
  Morreria. 
  Mas talvez fosse melhor assim: chorariam por ela e por sua ausência, sofreriam essa ausência e ela os faria esquecer seus erros e suas faltas. Esqueceriam que deveria escolher e também perderiam na memória santificada de sua imagem em saudade o erro de sua escolha. Assim bem melhor. Morreria e seria absolvida de seus pecados, absolvida da condenação de escolher.
  Mas seu coração permanecia apressado, avisando-a que ainda não morreria e implorando pelo ar com a urgência que não gostaria que lhe exigisse. Precisava de tempo. Precisava de muito tempo. Mas se o desse perderia as alternativas: e não haveria escolha, mas também não haveria nada.
  E não poderia haver nada: Se abdicar-se de um já a enlouquecia, imagina perder os dois. Não. Não sobreviveria à miséria do nada diante de seus esforços e de suas dores, diante da loucura de desejá-los como parte de si.
  Como se cada um fosse um pulmão.
  Não poderia dar-se ao luxo de perder sequer parte, sequer segmento pulmonar. Pois é como um câncer: necessita de muita energia, de muito ar, de muito sangue nobre contaminado pelas alternativas. E um câncer não pode perder sua fonte, não pode perder seus pulmões.
  E por que não poderia ter os dois? Por que lhe condenavam à escolha?
  Bem sabia que suas vontades eram divergentes. Completamente opostas. E nem infinitamente suas retas se cruzariam. Nada as intercedia.
  Talvez isso que a sufocava: esse desejo pela impossibilidade. 
  Achava tão atraente sua união. Tão desejável! Delicadamente incerto e desequilibrado.
  Louco.
  E a loucura sempre a atraía tanto... Lhe persuadia suavemente a gostar de sua insanidade. A entregar-se ao seu mundo mais torto e mais fantástico: com tantas cores e de repente negro, sombrio e desesperador. A consumir-lhe a calma, a linha, o certo e o bem. A consumir-lhe a respiração, sufocante de tanto medo da razão, que impunha-lhe certeza e padrão, e retirava-lhe a loucura.
  A loucura que teimava em explodir e ousava-se a fragilizar os muros que a segurava a cada batida daquele coração desesperado.
  A loucura que a atraía e explicava porque a cada dia lhe aparecia uma desconhecida cada vez mais atraente no reflexo de seu espelho. E era tão atraente que sua permissividade aumentava: e ela poderia tudo. Poderia ter o que quisesse... Poderia ter os dois.
  Não escolheria.

Marina Cangussu F. Salomão


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O ronco

Enquanto o ronco barulhava
Ele ensinava os truques
E os risos secretos dos disfarces
Que se moldavam no silêncio
Das vozes e não dos corpos


Enquanto o ronco barulhava
Exibia a esperança da razão desleal
E das loucuras incrédulas
Que seriam bem guardadas
No silêncio dos olhares cúmplices


Enquanto o ronco roncava
Aprendia a ser longo e solto
A encontrar-se livre no silêncio
E a escapar intacto das tramas


Marina Cangussu F. Salomão

Embolhada

Apesar de seus anos
Ela não aprendera a desregrar-se
O que ao mesmo tempo
Protegia-a em suas justificativas
Argumentadas nas leis dogmáticas
E a permitia julgar:
Defender-se do que se negava.
Bem como impedia-a de ver
De sua proteção, o que havia
Um passo a frente em seu longe
E impossibilitava-a de compreender
Os sons que invariavelmente a atingia.
Mas era feliz em sua ignorância
Pouco escolhida diante dos fatos:
Afinal, não fora ela quem erguera
Os primeiros muros
Apesar de contribuir com muitos tijolos
Moldados nas crenças e terrores
Sem dúvida, que lhe estoriaram.
E vivera em sua ilusão redonda
Como menina boba
Que nunca larga as invenções das bonecas.


Marina Cangussu F. Salomão

A permissão

Um cheiro doce misturado ao cigarro
Que me irritava de tanto que entontecia
Unidos às mesmas frases e falas e textos entediantes
Que vinham de todo o murmúrio de todas as gentes
E colocava-me a fazer o que não devia
Nem nunca imaginava em palavras:
Desponderar-me inebriante de tentação.
Era a tristeza que expressavam 
Que pendurava meus pensamentos
Em imagens e falas repetidas
Repetidas e transformadas em algo ainda maior
Que enganava-me nas misturas que fazia.
É que não seria capaz de tais atos
Já que meu destino era amar neste mundo
Antes de sentir esse cheiro irritante
Que facilmente me desdobrava para contemplar
E agitava-me em sede de senti-lo.
Me incomodava tanto porque
Retirava-me de meu controle
Pelas cenas que meus olhos viam
Fazendo-me solta em sinceridade precisa
A admirar o que realmente havia:
Desacomodava-me, forçava-me a ser
Quem não era mas deveria
Dava-me liberdade. Plena liberdade
De sentir-me e experimentar-me
De permitir em toda sua confusão.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Etéreo

Dedicado a Anna Alvim

  Sua boca possuía um gosto de vômito que julgava ser o castigo para os pecados que não assumia cometer, mas cometia e sentia seus imensos prazeres pessoais inundar-lhe sem consciência (dir-se-iam). Sendo o único incômodo aquele gosto que passaria com alguns goles d'água.
  Era que, em sua proteção de paredes brancas e gélidas, esquecia de suas ações, lembrando apenas de si. De quem seria e de quem deveria ser para admirar-se. Esculpia sua própria imagem.
  Não era hipócrita, mas acreditava que se era responsável por suas definições sempre quando as notava. E as mudaria ou não, controlando o que lhe era mal e exaltando o bem aceito. Definindo o limite exato que a beleza se tornava veneno. E descobrindo onde estava o controle: em qual sorriso, em qual olhar, nesta ou naquela expressão e naquele jeito de falar com olhos intensos a engolir.
  Assim sabia, ao sair de seu quadrado protetor, ser quem lhe definiam e surpreendê-los em fáceis respostas sem manipulação no rosto angelical.
  E fazia, na segurança de seus ensaios. E possuía o que queria, os rostos que desejava.
  Não dissimulava e orgulhava-se disso. Conservava-se em sinceridade. E não carregava a culpa de sua ambiguidade, que permitia-lhe ostentar dentro de si suas possessões. Mesmo que confundia-se com as semelhanças, por vezes tão iguais.
  Mas não notavam, nunca notavam as complicações.
  E pecava _ dir-se-iam: por fazer o que não conseguiam e sofria as consequências em gostos que surgiam de repente como prova de que ainda possuía consciência.
  Não que a negasse. Sabia-a e ouvia-a. Mas não poderia juntá-la ao fato de possuir a si mesma sobre seu controle e, dessa forma, controlar os que lhe atravessavam.
  Não. Não via em que sua consciência deveria palpitar, a não ser nas vergonhas que sabia existir guardadas.
  Então, ela não monologaria sobre seus pecados, justamente porque não existiam. Não estava afirmando que não pecava, concluía apenas que aqueles devidos e definidos eram falsos para si.
  Não vinha do alto a sentença que os apontaria. Formavam-se em bocas como a sua, recheadas de conceitos repetidos. 
  Puro padrão.
  Soltos em argumentos pérfidos, enfeitados do que definiria como mesquinhez de prepotentes _ a julgar o que era bem e mal.
  Então, não haveria de castigar-se por ser capaz de decifrar-lhes a alma _ já que a deixava tão exposta. Bastava-lhe o vômito na boca, pelo nojo de ponderá-los sequer momento, de crê-los, tão vãos e terrenos.

Marina Cangussu F. Salomão

Insalobre

A razão, tão constante perfidez,
Envolve assombrosa os limites
Delimitando-os corretamente
Sem permissão de sequer folego
Ou aventura que invada espaços
Além da pele que o delineia
Além do sóbrio que o perfaz.
E o faz tétrico em lucidez
Deliberadamente insana
De tão correta e perfeita
Na construção de estórias
Sem deleites nas atrações espertas
E sem abandono nos olhares contratados.
Apenas ela tem o dom de desenhar
Os passos em recusa
Que negam as evidências
Tão notórias e claras
Por covardia de ofendê-la
E entregar-se consciente à água
Que desliza por entre suas pedras
Impedindo-se de afogar 
Nas quimeras da imaginação.


Marina Cangussu F. Salomão

Timbriante

Foi o que me tornou esse homem
imediatamente simpático:
a espontaneidade¹
Divertido em excentricidade
Que cativa de longe um deslize em sorriso
Não era bem exato como imaginava
E pecava no silêncio e nas falas
Que por muitas vezes concretizava o perder-se
Sugante em apócope dos versos.
E tão delinearmente insólito
Em suas regras moles no tempo
Quebrava o âmbar que mantinha
A estrutura fixa e honrosa de exposição
Mantida em vácuo
Desejando o líquido que lhe preencheria.
Então fez-se apodítico para desfechar
E completar surdinamente a imagem oca
Pois era ele e só, sem mais complicações
Sem os remorsos dos dias sem ideias
De graças inconstantes.
Pois só ele ignorava as frases feitas
E os ritos de polidez¹
Com a graça elegante de encantar.

Marina Cangussu F. Salomão

¹Simone de Beauvoir in Os mandarins

Unívoco

O inacabado estava na lucidez embriagante
Que girava a razão sem incúria
Permitindo-a entontear-se.
Eram duas faces siameses
Que não se conheciam sequer
Uniam-se na confusão de imagens
Ampliadas de pudor remoto
Abandonados os preceitos
Em erros incompletos.
Eram como pirâmides
Em uma face apenas
E no topo nunca estaria o causador
Por ser incompetente
No tríduo que não formara
Diante do casamento das duas faces
Idênticas em suas diferenças
Deliciosas de puro deleite.
Afinal, sua completude seria
A forma que sempre procurara
Encontrada envolta em faltas
Que se desenhavam terríveis e doces
De tanta espontaneidade.


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Era outra vez

O mundo de mágica
Se desenhava novamente
Tranquilo e assustador
Com os novos personagens
Em dramas que não se imaginava
Para cena tão perfeita
De jardins rosados e brilhantes
Mas se fazia e protagonizava
Sutil e gentil em risos
Bem pequenos e delicados
De olhares cúmplices e discretos
Como os raios do sol
Que entram pela manhã bucólica
Era tal o vilão bonitinho
Em capa de príncipe
Que tomava da princesa
Os pensamentos antes tão longínquos
E lhe transformava os gostos
E mudava a rota
De seu final feliz.


Marina Cangussu F. Salomão

Peso

E fartava-se de tanta lucidez
De tanto deslumbre controlado
E tanta fala imposta
Pois ao final nada pararia
Nada estaria presente.
Mas sobrepunham-se aos fatos
Às falas que disseram outra vez,
E nunca cumpriram-nas,
E faziam certa e somente
Sem saída diante das vontades
Reprimidas pelas magoas
E pelas palavras que rodeavam
Escondidas, incessantemente,
E deveriam forjar-se e também
À luz que fluía sincera das janelas.
Sendo que nada adiantaria
Negar-se em mentiras
Ditas em vão para o vácuo 
Porque o fim não existiria
Sem os dois gentes.


Marina Cangussu F. Salomão




Talvez

Incapaz de separar as exigências e o exibir-se
Ouvia os gritos que não desejava
Frente a embriaguez que lhe controlava
E o futuro confuso que desfizera em segundos.
Não era claro nem era sol
Mas fazia-se como meteoro
Apenas turvo em luz fugaz
A misturar-se em sua visão
Que nada via longe e concentrava-se agora:
Supérflua:
Perdida nas ideias que aceitava
Para construção da nova verdade exigida
Que desfazia-lhe a essência.
Essência vã que talvez nunca existiu
E ponderava-se apenas na voz que gritava
Por medo de soltar-se em perdas
E medo de ganhá-las.

Marina Cangussu F. Salomão

Ladeira

E os confusos tropeçam 
Em seu equilíbrio malabar, 
Desfazendo-se no chão.
Soltos e livres.
Redondos em ladeira lisa.
Fugindo do ser, do corpo, 
Do vil e do vão.
E se tornam escorregadios 
Para deixá-los livres e só.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Sede das gentes

Sua alma se soltava desta vez
Desprendida, libelulada
E afoita desregrava-se
Incapaz de raciocínio ou sensatez
Desejando apenas olhares
Para lhe suprir a sede
Que compunha sua paixão
Delirante pelas gentes
E libava cada gota de suor
Que lhes escorria
Como se fosse o único sustento
Para seu resto de corpo em putrefação
Encharcava-se e queria saber
Tudo o que lhe compunha
Cada componente que a formou
E a fez derramar linda e suave
Molhada em desolação
Enfeitando o dia
E contornando o mais suave delineio
Das faces diversas e aparentes
Que se mostravam todos os dias
Lisonjeiras ou não
E que tinham o poder de perpetuar
Aquela paixão de quimera
Que a fizera rasgar as grades
Que se auto-impusera
Sem chave ou cordão
E voltara a viver onde
O encanto se perfazia
De doces e horrores
Desenhando a primavera
Que compunha-lhe a vida




Marina Cangussu F. Salomão

Bolha

Deveria furar mais uma vez
Sua bolha túrgida de proteção
Que insistiam em encher
E insistia em deixar.
Refugiava-se aos poucos
Coberta em disfarces,
Para dentro de si e dos seus
E alegando tédio e cansaço
Ganhava o direito de se perder
Longe do que lhe atormentava
Fechando-se para o que era real
E quanto mais argumentos tivesse
Para dizê-los necessário afastados
Mas sopravam e enchiam seu casulo
Que mesmo cheio não suportava
O crescer de seu ego argumentativo
E estourava: jogando-lhe fora, longe e no chão
Sem ver destino, mas apenas o que perdeu
E perdia o que era real
E doía por se perder
Até encontrar novo refúgio
E se admitir diferente e capaz
Autossuficiente: em sua nova bolha.

Marina Cangussu F. Salomão

A vista

A borboleta perdia suas asas
Pedaço por pedaço
Depois de seu primeiro voo
Pois voar não era tão grande
Quanto deixar de ser larva
Afinal, que destino teria
O voar exibindo-se
Admirariam-na
E cansariam de sua beleza
Vã e solta.
Quando larva
Ainda havia a esperança
De elevar-se mais
E o sonho de poder ver do alto
Fazia-a agradecida
Por tentar.


Marina Cangussu F. Salomão

Contos


Depois da curva - Pouca Vogal


E sairia correndo feito louca
Com os cabelos voantes e embaraçados
Gritando aterrorizada todas as pragas
Enraivecida do que vira e se tornara.
Mas não rasgaria as próprias roupas
E cuidaria para não se machucar
Pois não fugiria para aquele lugar
Ou qualquer outro corriqueiro
Iria para um que não a sabia
E chegaria apenas com os cabelos
De quem tomou muito vento
E o mesmo muito pisado
Assolado deveras muitas terras
Não como resquício de quem foge
Ou mesmo lembranças de loucura.
Fingiria, continuaria o mesmo
Desenvolveria sua hipocrisia.
E seria perturbada para sempre.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Minha alma

Minha alma:
Leitora de tantas outras,
É frágil:
Amedronta-se ao cheiro
E à presença de outras
Teme suas vivificações.
Ao mesmo tempo
Que não flui ou revigora-se
Sozinha em seus temores
Precisa das outras almas
Para lhe contribuir com mais sopro.
Ela só consegue deslumbrar-se
Quando há distância.
Não sabe ser centrada:
Ela não é racional,
Ela é impulsiva.
Não confia e não se entrega
Ao mesmo tempo louca
Se revela em palavras
Soltas em um cuspe
Que enoja seus outros rostos.
Ela sabe desculpar-se
E martela seus defeitos
E conduz perfeitamente um julgamento
Justifica-se e compreende
Mas fere frialmente com conclusões.
Ela ascende e rebaixa
A si e a suas nutridoras
Devasta-as com tanto sopro
Sugado para recompor-se.
Ela treme e envergonha-se
E ao mesmo tempo se levanta
Com altivez consumada
Como se nada lhe afligisse
Incomodasse e atingisse.
Ela é frágil e chora escondida
E se despedaça a cada derrota
Se perde. Mas se refaz.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Conclusio

Talvez ela só não soubesse
Que as confusões se fariam
Sem pedidos e sem entranhas
Sem entrar suficientemente
Permissivo e contente
E que o que lhe doía
Ou o que lhe coçava
Não existia para os outros
Mas era real como sua visão
Como a diferença 
Entre o que todos viam
Porque cada um via diferente
E talvez fosse tempo
De fazer diferente
Sem permissão e compreensão
Fazer sem doer, sem pecado
Sem importar com as confusões 
Que lhe construiriam depois
Pois o depois ainda viria
E ela tinha certeza
Que nunca perderia
O que lhe segurava e protegia
Porque seu rosto impunha
Muita doçura para desfazê-lo
E para perdê-lo
E mesmo porque não faria mal
Despencar de uma bolha de sabão.


Marina Cangussu F. Salomão