segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Balança

Há muito aprendi a colocar um pé enfrente ao outro
Bem juntos, para sentir o tato, apesar do calçado
Para sentir que eles continuavam ali: 
Juntos e grudados ao chão.
Há muito chamei aquela sequência de caminho
E com ela desenhei um traço em linha reta
Com muitos riscos, voltas, esquinas e rabiscos sem saída.
Há muito chamei isso de estrada
E a chamei de minha
E me vi sozinha
Porque os passos eram só meus.
Mas sem pesar.
Sem pesar nada.


Marina Cangussu F. Salomão

Perdição

Meus pensamentos são perdidos
Desencontrados na aurora
Perdidos no se por-se.
Perdidos ao por-me em minha cama

Perdidos desenhos
Imagens e sonhos
Perdida a vida em pensamentos desastrosos
A inocência em vagares poderosos

Meus pensamentos são perdidos
Vadios. Vagabundos.
Controlados pelo esvair-se de fluidos.

São pedaçados
Amalgamados
Idos sem voltados

Marina Cangussu F. Salomão

A Estrela Cadente

Nunca fui uma explosão de estrelas
Nem nunca me colidi ou me construí
Nunca dissolvi-me em um mar de poeira
Sempre fui matéria. Átomos.
Por isso nunca estive em dicionários ou enciclopédias
Ou em qualquer banco de dados referenciado
Nunca fui o início ou o fim de um mundo.
Sou mais como uma estrela sem brilho
Nova. Ainda antes de se formar
Ou após morrer. Sem ser distinta entre a multidão.
Mas apesar de não ser nada e de meu pouco brilho
Vivo as minhas pequenas explosões
Chocando-me entre paredes e ares
E, em outra hora, tangenciando-me em distâncias.
Voo e volto de minhas reações.

E é por elas que chegarei um dia à cadência:
Que apesar de finda
É a mais linda dentre os olhos.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Segunda carta

As tuas algemas continuam apertando meus punhos presos às minhas costas. As mesmas algemas que vão trancafiadas à tua farda, moldando-te exteriormente nessa armadura de robô.

E eu nunca fui capaz de fugir desse laço reluzente, que a mim, mais parecia um ponta de faca colada em meu caminho: cada passo para a distância seria um passo à profundidade de meu corpo e dor. 

Mas talvez eu deveria ter-nos ferido com essa lâmina. Apenas para que morrêssemos rápido. Antes que te jogastes do penhasco de tua estrada e junto, as tuas algemas e tudo que a nela se prende. E te sentistes culpado nesse teu céu conturbado.

Eu sei, quisestes nos matar muitas vezes. Nos anular. Ou melhor, aniquilar, pois essa é uma palavra mais forte. Mas eu, como parte intrínseca tua, sempre quis muito viver. Mesmo que apenas tenha sobrevivido todo esse tempo.

Mas o que quero te dizer, antes que pules dessa tua altura mínima de horror, é que nada foi culpa tua. E estará tudo redimido quando compreenderdes todos os passos que se talharam nas amnésias de teu álcool.

E mesmo que meu desejo envolva teu pulo, para que eu possa me libertar finalmente. Eu nunca vou conseguir deixar o teu amor e continuarei presa a ti. Mesmo que de súbito passe pela minha mente que eu te empurre. Porque sei que não gostas de ser agente, tu foges do sujeito de teu verbo. Enquanto eu multiplico as ações em adjetivos e advérbios. E, afinal, há tanto tempo estou te matando, que me atrevo a chamar de suicídio, pois empurrando-te: me jogo grudada.

Pois, na verdade, viemos com os mesmos defeitos de morte. Os mesmos desejos de sangue e dor, por nunca permitirmos a cicatrização de tantas feridas. 

E até a dignidade nos padece nesses segundos de terror, pois não nos permitimos o direito de mãos para proteger o rosto. Para que assim, percamos toda essa identidade que nunca existiu. E que prefere morrer a se libertar. 

Éramos livres. Mas nunca nos recordamos: tu a perder-te e eu a viver sem quem nunca me deixou existir.


Marina Cangussu F. Salomão

Postagem

Não há hora ou tempo definido
para as coisas tangíveis
Pois elas se vão e se formam
em rodopios imperfurantes do corpo
Que mesmo morto
Continua tocável

Menos ainda para as que se desfazem
no ir-se fluindo do pensamento
Ou aquelas dos sentimentos
Que são de outro departamento.

Marina Cangussu F. Salomão

Paragem

Já não saem mais histórias dessa paragem de pensamentos congelados
Sufocou-lhes. Guardados dobrados na gaveta.
É que se precisava organizar a vida
Sem tanta reviravolta de loucuras.
Porque percebeu que deivaramento era só em pensamento
E a própria vida continuava besta.

Marina Cangussu F. Salomão

"Era cadente a estrela"

Sou essa de sorriso pungente
Insistente
Que pirraça diante uma graça
Que desespera pela expansão das levezas

Essa de amor infinito
Que se entrega pelo que comove
Que deliria e enlouquece
Pelo que a move

Sou puro sentimento
Intensidade
Delírio e desejo

Sou completa por ser sofrida 
ardida 
vencida 
iludida 
e insistente

Sou sensível e desatinada
Grande, azeda e descontrolada
De beleza pungente e coração pulsante

Sou essa de encontros encontrados perdidos em algum canto
Com dificuldades por entre o manto
E passos soltos em meio à música

Sou carente
Sou cadente
Sou demente
De mente endoidecida e sã

Sou toda intensidade e vibração da vida

Mesmo que nem sempre ela me acompanhe.

Marina Cangussu F. Salomão

Histórias

E foram alguns passos escolhendo voltar para casa. 
Três deles. 
Procurando ter para onde voltar. 

Mas todos os outros sete desligaram suas bússolas. 
E se perderam. 
No infinito.

Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Rascunhos

Às vezes quando acordo, a qualquer hora do dia, à tarde ou à noite, pergunto-me o que de tudo isso vale a pena. Na verdade,quando me desperto para a infinitude em alguns momentos,me questiono o que seria arrependimento, perda de tempo, o que se forma pelo atoa em uma vida tão comprida. 
E a minha resposta oposta diante do fim é sempre a mesma: paixão.
É que quando todo o fim se faz concreto, todas as horas são rememoradas como últimas e todas as oportunidades únicas, e tudo se preenche de um gosto maduro de consequência, mas nem tudo se envolve de validade. 
Então se formam desfiles mentais de vida e aquilo que te desfila sempre é o que acelera as embrenhagens de teu circuito, e esse responsável nunca são pernas, dinheiros, horários, cadernetas. 
Afinal, tuas moléculas só se dissipam quando se conectam com outras. E sentir é o que nos permite ir como um corpo inteiro deitar e deleitar em nosso desejo, conectar-nos.
Então, pouco importa se é ódio, terror ou casamento, os músculos se movem quando sentem o enlouquecer das sinapses estremecerem suas partes, enegrecerem as vistas e derreterem-se em gritos ou beijos.
Assim, a vida se move sem ser moinho levantando água, mas como o rio que se vai e se renova, ou como o menino que envelhece. A vida cresce. E a pessoa, em seu segundo de reflexão antes de sua extinção, se entrega, porque no fim é isso que a salvará: o amor que deixou ou que desfez. As marcas que os sentimentos deixaram na memória, na história e na retórica.

Marina Cangussu F. Salomão