sábado, 31 de março de 2012

A fuga das lágrimas

Vivo com esse horror
A perambular-me a cabeça
Dizendo-me para fugir 
E pede irresistível
Que eu fuja rápido
Em desordem e sem lágrimas.


Mas minhas pernas trêmulas congelam
E a vida se ordena no ritmo das lágrimas que se esvaem
Por não suportarem o ritmo dos dias.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 28 de março de 2012

Julgamento do Purgatório

Não sois daqueles que nasceram para o nada
Não és determinado ao ócio ou à fuga do tempo
Antes de nascê-lo, proclamei-o firme
Professei-o em seu tempo, devido tempo
Não quis jurá-lo o mundo nem pescados
Prometi-lhe somente o controle do pensamento
Não o desejei passar vagaroso sem soma
Incapaz de perceber o leve ritmo
Pulsando nas veias dos redestinados à passagem
Imaginei-o correndo entre cavalos
Com o mesmo vento e sobre este
Com a crina solta por sobre o pelo
Como o flamejar do fogo no ar
Determinei-o à ação e atração
À rapidez dos dias calmos
Às vistas das belas cenas desenhadas em olhares
Desenhei-o para a vida.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 27 de março de 2012

As praças

Gosto de você:
Quando permite sua democracia
Nos desenhos dos passantes calmos
Verdes, amarelos e marrons
Que olham vagarosos ou absortos
Passam e deitam
Matutando seus pesares sem glórias
E você retira-os maternal do fardo
Permite instante sequer de nada
E silêncio, talvez sorrisos
Nada além.
Regenerando as crateras para as novas
Assim chegada a outra rua
Aprendeu a ser compreensível
Nos maiores pecados e confissões
Ao acender de luzes fracas
E olhar silenciosa os desastres
E os negados amores.
è fiel em seu tempo
E rígida em tanto desgaste.


Marina Cangussu F. Salomão

A bailarina

Ela queria dançar por entre as gentes
Com seu novo balanço de voo livre
Depois de tanto imaginá-lo na gaiola
E de tanto sonho, planejou cada passo
Cada harmonia entre braços, pernas e olhos
Em seu rodopio fascinante à procura de olhares
E quando abriu-se a pequena porta que a continha
Saiu livre sem tropeços com leveza
E fez sentir seu vento onde passava.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 23 de março de 2012

Iludibrio

Qualquer fazeres que me causa
Leva meu corpo a tangenciar-se 
Na busca de menos gritos para minhas vozes
E corre meu corpo rastejando pelo chão
À procura de nova fresta com novos horrores
Para iludiar-se.


Marina Cangussu F. Salomão

Palavras

Aquelas palavras que saem da boca de poucas,
Meio tortas, sem domínio.
Sem controle e sem domínio.
Saem livres sem sentidos.
Elas não percebem seu passado
De longe apressado e perto
Tão deixada por sobre as gentes.
São as palavras livres,
Não compradas nem vendidas
As mais lindas.




Marina Cangussu F. Salomão

Epifaniada

Naquele momento me senti 
Sem saber onde estava
Os ônibus passam apressados
E eu olhava apenas as gotas
Encharcarem minha roupa
Mais rápido do que lento
Talvez aquele fosse apenas
O lugar onde não deveria estar
Afinal durante a noite sonhei
Que me afogava em mim mesma
E por isso meus olhos pesam
Porque tive medo do barulho da água lá fora
E agora estou nela
Afogando minha roupa
E meu pensamento está 
Naquele passado que não deveria existir
Mas permanece martelando e retrucando
Minha face inerte.
É apenas um teatro de cena triste
Fingir que me suicido por ele
Pelo pensamento mais irreal
Afinal tudo era irreal naquele instante.


Maria Cangussu F. Salomão

Os fugidos

Não quero fugir dessa vez
Quero viajar apenas
Lá para onde vão os fugidios
E sentada observá-los
Em vida fugida e possessada
Quero ver se sabem livrar-se
Se desenham seus passos
Mais moles, menos tensos
Se sorriem e se observam
Se posso fugi-los
Ou me entrego.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 20 de março de 2012

Rodeantes

Nessa rua tem um rio
E eles se encharcam todos os dias
Na lama que ele traz
E rodeiam seu leito
Com o cheiro repulgente.
Os outros pés se afastam e se negam.
Mas não lhes resta outro passo
Se não rodear.
Talvez deitem na areia
E divirtam-se
Colorindo símbolos pelo corpo
Para lembrarem do que não ficou.
Ou se lavam na água ainda corrente,
À procura do domínio dos próprios pés.
Mas sempre volta a lama.


Marina Cangussu F. Salomão

Sopro contido

Ele era apenas uma paixão
Meio solta com ares fugaz
Mas tão perto. Real.
Tão palpável e tão nós.
Que conseguia tocá-lo
E desenhá-lo listas
Delimitando a contenção
E deixando tanto livre sem pecado.
E ele não era uma estátua,
Era um sopro se aproximando
E desde longe me ansiaria por senti-lo,
Ao menos leve por sobre a pele.


Marina Cangussu F. Salomão

quarta-feira, 14 de março de 2012

Embuste

Já devo estar misturando
Ao ver teu rosto em meus espelhos
Se fazendo e desfazendo
Em risos de ironia por minha perda.
Deve ser todas essas garrafas
Que escondi ás minhas costas
Tentando escapar do eu segredo.
De repente uma das faces vem
Não a do espelho, mas da lembrança
E sorri-me tão terna acariciando
Quase choro pela remissão
Até ouvir a outra gargalhada
Insólita para a demanda.
Eu quem deveria rir por seu desfeche
Seguindo filas atrás de meu incomodo
Girando entre putas e entre lutas
Lá bem onde não te verei.


Marina Cangussu F. Salomão

Analogia

As gotas se desmancham na parede
Delimitando o rastro de seu próprio suor
Elas descem sufocadas e amarradas
À vista o único chão
Eram da chuva sola até ali
Até descerem livres em voo (e não queda)
E limitar-se no concreto.
Marina Cangussu F. Salomão

Ensinamento fugaz para os ouvidos

Tenho medo do mundo
Ele desenhou suas linhas
Um tanto insípidas e insipientes
Escondendo seus retratos
Nos altos de seus topos
E pintando sua estranheza
Em face bordada de cor
Não assumiu sua secura
E sorri de esguelha
Meu desmontamento.
Nunca aprendeu a fazer
Como se havia feito.


Marina Cangussu F. Salomão

Axioma

Oh bom Deus, Pai todo poderoso,
Livrai-nos de todo mal pedagogo
E de toda cruz forçada entre os pés.
Purifica os pensamentos induzidos
E as quedas pouco vistas e temperadas
Dizei-nos a verdade:
Que a nossa não existe.
Afastai de nós as bocas altas sem razão
E desmonte o pecado nas faces limpas pelo desprezo.
Amém.

Marina Cangussu F. Salomão

Silêncio

Não te peço abraço nem fala,
Não te peço olhares,
Não te peço pena.
Vê: peço apenas silêncio.
Para meus pensamentos fluírem
Em minha redoma meio perdida
Que flutua em água suja,
Tentando equilibrar-se de pé
Ou toda lama invade o barco
E submerjo na podridão que deixei vir.


Marina Cangussu F. Salomão

Fim da tarde

Você era como aquele céu de fim de tarde
Em que se troca dia por noite
Um tanto amarelo marrom
Um tanto de azul salpicado de poucas estrelas
E me lembrava de sua duplicidade paradoxa:
Quente e harmônico.
Pois eu o adorava no cheiro morno
De seu suor excedente de hormônios
E a textura rude se sua pele molhada,
Unidos aos sus poucos grunhidos reprimidos
Na tentativa de conter tanto
Com sopros bem pensados
Em tanta carne de cumplicidade e cuidado
Tão doce e carinhoso som
Me causando ardores e me aquecendo
Não sei se de prazer ou ternura.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 1 de março de 2012

A louca

Sua loucura era tão normal quanto as outras:
Eram todos incompletos ou repletos demais
Vazios. Extremamente vazios
Na redundância de suas repetições e representações
De suas pressas e poucas vistas,
Nada de olhares.
Olhavam apenas para a loucura dela
Com cara de assombro,
Sem inteligência de suas palavras.
Olhavam-na bizarros e incrédulos quando gritava:
Não consigo ouvir a voz do vento!


Marina Cangussu F. Salomão