segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Espera

Quanta inquietação
Na espera de sequer palavra
E esperava contemplando
O girar lento do cortinado
Guiado pelo leve vento
Que entrava sorrateiro pela janela
Que encobria a cama 
Que ainda deitava
E deixava-se fluir
Pois não poderia controlar-se
Já que nos sonhos vinham
Os pensamentos que lhe proibira
E agora renunciando
A todos os limites
Permitia-se esperar e sonhar
E desejar a espera.


Marina Cangussu F. Salomão

Cinzas

Como haveria tanto vazio
Em um deslize incompleto
Que enchia-se das memórias
Imaginadas para existirem.
Talvez era a vontade
De soltar-se das cinzas
Abandoná-las na terra
E subir com o vento
E alcançar a lenha
Para foguear a que restou.
Mas se subisse perderia-se
Nas correntes fortes de ar
De tanta leveza por ter se deixado
E perdido poderia ir
Seja lá onde fosse
E nem encontrar a madeira.
Assim não haveria motivo
Para abandonar o vazio
Pela completude das memórias
Que enfim existiriam
Pois poderiam nunca existir.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Deslocamento de reação

Não compreendia como poderia
Passar tantos dias em equilíbrio
E apenas um acréscimo ínfimo
Alteraria sua entropia
Exasperando-a de tanta energia
Energia que não lhe cabia
_ Poderia jurar!
E que não se enganassem
Caso houvesse escape pela boca
Ou seja lá mais por onde.
Sim. Tendia ao caos máximo
E em panela de pressão tampada
Explodiria no mínimo tocar
E pisaria sobre suas migalhas
Estraçalhadas pelo chão
De tanto deslocamento de reação.


Marina Cangussu F. Salomão

Epi

Aquelas manhãs sagradas
Depois de uma chuva noturna
Em dia fresco com o sol ainda criança
Brincando de esconder atrás das folhas
E seu riso fazia levantar as gotas
Que disputavam quem conseguiria alcançá-lo.
Sim. Era muito bucólico e real.
A manhã ainda de sono
Acordava apenas os pássaros
Que enfeitavam o cinza do resquício de sereno
Com seus cantos e rodopios
Bailavam soltos, me transbordando de inveja
Presa ao meu corpo preso ao chão.
Mas minha alma decidiu por acompanhá-los:
Flutuando de asas abertas entoando sua flauta
E elevava-se disputando com as gotas
E acreditava que poderia ganhar
_Porque fé é algo assim sem razão.
Ia dançando no vento até a árvore mais distante
Onde meus olhos perderiam-na da vista
E balançava em seus galhos
E abandonando o que a prendia ao seu corpo 
Unia seu sopro ao sopro do mundo
Bem que diziam que éramos um só!
Pleno. Livremente pleno...
Já encontrava as borboletas amarelas
Salpicando-se por entre as flores
E minha alma sentia o salpico
Pois era tudo. Estava em tudo.
Sentia mesmo as cócegas das formigas
O vento bagunçando seus cabelos verdes de capim
Poderia sentir tudo: tudo aquilo que o corpo não podia
A preguiça dos cachorros a bocejar e esticar o corpo
Os lagartos decidindo-se por tomar banho de sol
E até as gotinhas que desejavam-no
Descansando no caminho nas nuvens...
Tudo! Todos os átomos.
Sem a inveja da limitação
Pois o que era era alma, não a pobreza do corpo.


Marina Cangussu F. Salomão

Princesa

Não havia desejo de sorte
Ou interesse no que construía
Eram tão enfadonhas
As falas com justificativas
Tantas, tão explicadas
Que assustava:
Quantas perguntas saíam 
Antes da conclusão?
E ver os planos expostos
Amedrontavam-lhes 
As questões que os pairavam
E achavam que não era pureza
_ Não a que atestavam!
Então se afastavam das perguntas
Que ressoariam espontâneas
Pelo medo de também se perderem
Confusos em seus dogmas
E anotavam para lembrar-se
De retirar-lhe o trono.


Marina Cangussu F. Salomão

Vagando

As memórias começavam a vaguear-se
Esparsando a cada giro de instante
Sustentado pelo diferença de quilômetros
E fazia bem à promessa mal falada
Trocada entre o que se queria e o que se dizia.


Poderia voltar bambeando na inconstância
Ou concretizar-se nos pensamentos sem vontade.


Era que o tempo que as memórias rodopiavam
Apresentava-se imenso em ócio constante
E permitia intensificar o que havia
Também complicá-lo em complexo inexistente,
E labiríntico não havia a soltura atraente de antes.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Para Dirceu

Enquanto pasta alegre o manso gado,
Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.¹

Levaria-o para qualquer lugar que os passos comandassem
E encontraria na paz do silêncio das gentes
O verde dos pastos intercalado ao verde dos brejos.
E em todo o incomodar do mato e seus mosquitos,
A picar e pinicar onde encostavam,
Poderia deitar-me próximo de teu tédio
E perceber cada centímetro teu refletir o verde
Que me confundia se o chão ou a tua esperança
Se perdendo por todo ele.
E era tão bucólico e desfrutante o instante
Que permitia a nós perder o tempo dos segundos
E não ouvir, não falar, nem fazer nada
Apenas contemplar aquela finitude que envolvia,
Sem toda sua graça de outrora.
Mas permitia-nos brincar quais os mosquitinhos
Em seu zumbido doce e bobo,
E junto de tanta beleza nos enamorar.

¹ Tomás Antônio Gonzaga in Marília de Dirceu (Parte I, Lira XIX)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Formigas

Depois, que a embriaguez o deixasse
Iria desejar estar menos bêbado
No momento em que as formigas lhe subiram
Para poder senti-las e não apenas sabê-las
Na visão que ainda lhe era fiel.
Lúcido seria capaz de sentir suas pequeninas patas
Cada passo, na escala de sua enorme perna
E poderia compreendê-las melhor
Sem somente abaná-las e jogá-las ao chão.


Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 18 de dezembro de 2011

Controle remoto

Já não aguentava mais. 
Aquela confusão a sufocava.
Por que não poderia ter os dois?
Por que não poderia ter tudo aquilo que desejava?

  Sentia a respiração exigir-lhe mais e o coração avisava-lhe, desesperado a bater, que não suportaria, clamava pelo ar. Porém o ar rarefecia-se, tornava-se longe e difícil. Estava perdida.
  Morreria. Não havia onde sugar todo o ar que necessitava para manter-se viva, para controlar-se, controlar o desespero de seu coração.
  Morreria. 
  Mas talvez fosse melhor assim: chorariam por ela e por sua ausência, sofreriam essa ausência e ela os faria esquecer seus erros e suas faltas. Esqueceriam que deveria escolher e também perderiam na memória santificada de sua imagem em saudade o erro de sua escolha. Assim bem melhor. Morreria e seria absolvida de seus pecados, absolvida da condenação de escolher.
  Mas seu coração permanecia apressado, avisando-a que ainda não morreria e implorando pelo ar com a urgência que não gostaria que lhe exigisse. Precisava de tempo. Precisava de muito tempo. Mas se o desse perderia as alternativas: e não haveria escolha, mas também não haveria nada.
  E não poderia haver nada: Se abdicar-se de um já a enlouquecia, imagina perder os dois. Não. Não sobreviveria à miséria do nada diante de seus esforços e de suas dores, diante da loucura de desejá-los como parte de si.
  Como se cada um fosse um pulmão.
  Não poderia dar-se ao luxo de perder sequer parte, sequer segmento pulmonar. Pois é como um câncer: necessita de muita energia, de muito ar, de muito sangue nobre contaminado pelas alternativas. E um câncer não pode perder sua fonte, não pode perder seus pulmões.
  E por que não poderia ter os dois? Por que lhe condenavam à escolha?
  Bem sabia que suas vontades eram divergentes. Completamente opostas. E nem infinitamente suas retas se cruzariam. Nada as intercedia.
  Talvez isso que a sufocava: esse desejo pela impossibilidade. 
  Achava tão atraente sua união. Tão desejável! Delicadamente incerto e desequilibrado.
  Louco.
  E a loucura sempre a atraía tanto... Lhe persuadia suavemente a gostar de sua insanidade. A entregar-se ao seu mundo mais torto e mais fantástico: com tantas cores e de repente negro, sombrio e desesperador. A consumir-lhe a calma, a linha, o certo e o bem. A consumir-lhe a respiração, sufocante de tanto medo da razão, que impunha-lhe certeza e padrão, e retirava-lhe a loucura.
  A loucura que teimava em explodir e ousava-se a fragilizar os muros que a segurava a cada batida daquele coração desesperado.
  A loucura que a atraía e explicava porque a cada dia lhe aparecia uma desconhecida cada vez mais atraente no reflexo de seu espelho. E era tão atraente que sua permissividade aumentava: e ela poderia tudo. Poderia ter o que quisesse... Poderia ter os dois.
  Não escolheria.

Marina Cangussu F. Salomão


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O ronco

Enquanto o ronco barulhava
Ele ensinava os truques
E os risos secretos dos disfarces
Que se moldavam no silêncio
Das vozes e não dos corpos


Enquanto o ronco barulhava
Exibia a esperança da razão desleal
E das loucuras incrédulas
Que seriam bem guardadas
No silêncio dos olhares cúmplices


Enquanto o ronco roncava
Aprendia a ser longo e solto
A encontrar-se livre no silêncio
E a escapar intacto das tramas


Marina Cangussu F. Salomão

Embolhada

Apesar de seus anos
Ela não aprendera a desregrar-se
O que ao mesmo tempo
Protegia-a em suas justificativas
Argumentadas nas leis dogmáticas
E a permitia julgar:
Defender-se do que se negava.
Bem como impedia-a de ver
De sua proteção, o que havia
Um passo a frente em seu longe
E impossibilitava-a de compreender
Os sons que invariavelmente a atingia.
Mas era feliz em sua ignorância
Pouco escolhida diante dos fatos:
Afinal, não fora ela quem erguera
Os primeiros muros
Apesar de contribuir com muitos tijolos
Moldados nas crenças e terrores
Sem dúvida, que lhe estoriaram.
E vivera em sua ilusão redonda
Como menina boba
Que nunca larga as invenções das bonecas.


Marina Cangussu F. Salomão

A permissão

Um cheiro doce misturado ao cigarro
Que me irritava de tanto que entontecia
Unidos às mesmas frases e falas e textos entediantes
Que vinham de todo o murmúrio de todas as gentes
E colocava-me a fazer o que não devia
Nem nunca imaginava em palavras:
Desponderar-me inebriante de tentação.
Era a tristeza que expressavam 
Que pendurava meus pensamentos
Em imagens e falas repetidas
Repetidas e transformadas em algo ainda maior
Que enganava-me nas misturas que fazia.
É que não seria capaz de tais atos
Já que meu destino era amar neste mundo
Antes de sentir esse cheiro irritante
Que facilmente me desdobrava para contemplar
E agitava-me em sede de senti-lo.
Me incomodava tanto porque
Retirava-me de meu controle
Pelas cenas que meus olhos viam
Fazendo-me solta em sinceridade precisa
A admirar o que realmente havia:
Desacomodava-me, forçava-me a ser
Quem não era mas deveria
Dava-me liberdade. Plena liberdade
De sentir-me e experimentar-me
De permitir em toda sua confusão.


Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Etéreo

Dedicado a Anna Alvim

  Sua boca possuía um gosto de vômito que julgava ser o castigo para os pecados que não assumia cometer, mas cometia e sentia seus imensos prazeres pessoais inundar-lhe sem consciência (dir-se-iam). Sendo o único incômodo aquele gosto que passaria com alguns goles d'água.
  Era que, em sua proteção de paredes brancas e gélidas, esquecia de suas ações, lembrando apenas de si. De quem seria e de quem deveria ser para admirar-se. Esculpia sua própria imagem.
  Não era hipócrita, mas acreditava que se era responsável por suas definições sempre quando as notava. E as mudaria ou não, controlando o que lhe era mal e exaltando o bem aceito. Definindo o limite exato que a beleza se tornava veneno. E descobrindo onde estava o controle: em qual sorriso, em qual olhar, nesta ou naquela expressão e naquele jeito de falar com olhos intensos a engolir.
  Assim sabia, ao sair de seu quadrado protetor, ser quem lhe definiam e surpreendê-los em fáceis respostas sem manipulação no rosto angelical.
  E fazia, na segurança de seus ensaios. E possuía o que queria, os rostos que desejava.
  Não dissimulava e orgulhava-se disso. Conservava-se em sinceridade. E não carregava a culpa de sua ambiguidade, que permitia-lhe ostentar dentro de si suas possessões. Mesmo que confundia-se com as semelhanças, por vezes tão iguais.
  Mas não notavam, nunca notavam as complicações.
  E pecava _ dir-se-iam: por fazer o que não conseguiam e sofria as consequências em gostos que surgiam de repente como prova de que ainda possuía consciência.
  Não que a negasse. Sabia-a e ouvia-a. Mas não poderia juntá-la ao fato de possuir a si mesma sobre seu controle e, dessa forma, controlar os que lhe atravessavam.
  Não. Não via em que sua consciência deveria palpitar, a não ser nas vergonhas que sabia existir guardadas.
  Então, ela não monologaria sobre seus pecados, justamente porque não existiam. Não estava afirmando que não pecava, concluía apenas que aqueles devidos e definidos eram falsos para si.
  Não vinha do alto a sentença que os apontaria. Formavam-se em bocas como a sua, recheadas de conceitos repetidos. 
  Puro padrão.
  Soltos em argumentos pérfidos, enfeitados do que definiria como mesquinhez de prepotentes _ a julgar o que era bem e mal.
  Então, não haveria de castigar-se por ser capaz de decifrar-lhes a alma _ já que a deixava tão exposta. Bastava-lhe o vômito na boca, pelo nojo de ponderá-los sequer momento, de crê-los, tão vãos e terrenos.

Marina Cangussu F. Salomão

Insalobre

A razão, tão constante perfidez,
Envolve assombrosa os limites
Delimitando-os corretamente
Sem permissão de sequer folego
Ou aventura que invada espaços
Além da pele que o delineia
Além do sóbrio que o perfaz.
E o faz tétrico em lucidez
Deliberadamente insana
De tão correta e perfeita
Na construção de estórias
Sem deleites nas atrações espertas
E sem abandono nos olhares contratados.
Apenas ela tem o dom de desenhar
Os passos em recusa
Que negam as evidências
Tão notórias e claras
Por covardia de ofendê-la
E entregar-se consciente à água
Que desliza por entre suas pedras
Impedindo-se de afogar 
Nas quimeras da imaginação.


Marina Cangussu F. Salomão

Timbriante

Foi o que me tornou esse homem
imediatamente simpático:
a espontaneidade¹
Divertido em excentricidade
Que cativa de longe um deslize em sorriso
Não era bem exato como imaginava
E pecava no silêncio e nas falas
Que por muitas vezes concretizava o perder-se
Sugante em apócope dos versos.
E tão delinearmente insólito
Em suas regras moles no tempo
Quebrava o âmbar que mantinha
A estrutura fixa e honrosa de exposição
Mantida em vácuo
Desejando o líquido que lhe preencheria.
Então fez-se apodítico para desfechar
E completar surdinamente a imagem oca
Pois era ele e só, sem mais complicações
Sem os remorsos dos dias sem ideias
De graças inconstantes.
Pois só ele ignorava as frases feitas
E os ritos de polidez¹
Com a graça elegante de encantar.

Marina Cangussu F. Salomão

¹Simone de Beauvoir in Os mandarins

Unívoco

O inacabado estava na lucidez embriagante
Que girava a razão sem incúria
Permitindo-a entontear-se.
Eram duas faces siameses
Que não se conheciam sequer
Uniam-se na confusão de imagens
Ampliadas de pudor remoto
Abandonados os preceitos
Em erros incompletos.
Eram como pirâmides
Em uma face apenas
E no topo nunca estaria o causador
Por ser incompetente
No tríduo que não formara
Diante do casamento das duas faces
Idênticas em suas diferenças
Deliciosas de puro deleite.
Afinal, sua completude seria
A forma que sempre procurara
Encontrada envolta em faltas
Que se desenhavam terríveis e doces
De tanta espontaneidade.


Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Era outra vez

O mundo de mágica
Se desenhava novamente
Tranquilo e assustador
Com os novos personagens
Em dramas que não se imaginava
Para cena tão perfeita
De jardins rosados e brilhantes
Mas se fazia e protagonizava
Sutil e gentil em risos
Bem pequenos e delicados
De olhares cúmplices e discretos
Como os raios do sol
Que entram pela manhã bucólica
Era tal o vilão bonitinho
Em capa de príncipe
Que tomava da princesa
Os pensamentos antes tão longínquos
E lhe transformava os gostos
E mudava a rota
De seu final feliz.


Marina Cangussu F. Salomão

Peso

E fartava-se de tanta lucidez
De tanto deslumbre controlado
E tanta fala imposta
Pois ao final nada pararia
Nada estaria presente.
Mas sobrepunham-se aos fatos
Às falas que disseram outra vez,
E nunca cumpriram-nas,
E faziam certa e somente
Sem saída diante das vontades
Reprimidas pelas magoas
E pelas palavras que rodeavam
Escondidas, incessantemente,
E deveriam forjar-se e também
À luz que fluía sincera das janelas.
Sendo que nada adiantaria
Negar-se em mentiras
Ditas em vão para o vácuo 
Porque o fim não existiria
Sem os dois gentes.


Marina Cangussu F. Salomão




Talvez

Incapaz de separar as exigências e o exibir-se
Ouvia os gritos que não desejava
Frente a embriaguez que lhe controlava
E o futuro confuso que desfizera em segundos.
Não era claro nem era sol
Mas fazia-se como meteoro
Apenas turvo em luz fugaz
A misturar-se em sua visão
Que nada via longe e concentrava-se agora:
Supérflua:
Perdida nas ideias que aceitava
Para construção da nova verdade exigida
Que desfazia-lhe a essência.
Essência vã que talvez nunca existiu
E ponderava-se apenas na voz que gritava
Por medo de soltar-se em perdas
E medo de ganhá-las.

Marina Cangussu F. Salomão

Ladeira

E os confusos tropeçam 
Em seu equilíbrio malabar, 
Desfazendo-se no chão.
Soltos e livres.
Redondos em ladeira lisa.
Fugindo do ser, do corpo, 
Do vil e do vão.
E se tornam escorregadios 
Para deixá-los livres e só.


Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Sede das gentes

Sua alma se soltava desta vez
Desprendida, libelulada
E afoita desregrava-se
Incapaz de raciocínio ou sensatez
Desejando apenas olhares
Para lhe suprir a sede
Que compunha sua paixão
Delirante pelas gentes
E libava cada gota de suor
Que lhes escorria
Como se fosse o único sustento
Para seu resto de corpo em putrefação
Encharcava-se e queria saber
Tudo o que lhe compunha
Cada componente que a formou
E a fez derramar linda e suave
Molhada em desolação
Enfeitando o dia
E contornando o mais suave delineio
Das faces diversas e aparentes
Que se mostravam todos os dias
Lisonjeiras ou não
E que tinham o poder de perpetuar
Aquela paixão de quimera
Que a fizera rasgar as grades
Que se auto-impusera
Sem chave ou cordão
E voltara a viver onde
O encanto se perfazia
De doces e horrores
Desenhando a primavera
Que compunha-lhe a vida




Marina Cangussu F. Salomão

Bolha

Deveria furar mais uma vez
Sua bolha túrgida de proteção
Que insistiam em encher
E insistia em deixar.
Refugiava-se aos poucos
Coberta em disfarces,
Para dentro de si e dos seus
E alegando tédio e cansaço
Ganhava o direito de se perder
Longe do que lhe atormentava
Fechando-se para o que era real
E quanto mais argumentos tivesse
Para dizê-los necessário afastados
Mas sopravam e enchiam seu casulo
Que mesmo cheio não suportava
O crescer de seu ego argumentativo
E estourava: jogando-lhe fora, longe e no chão
Sem ver destino, mas apenas o que perdeu
E perdia o que era real
E doía por se perder
Até encontrar novo refúgio
E se admitir diferente e capaz
Autossuficiente: em sua nova bolha.

Marina Cangussu F. Salomão

A vista

A borboleta perdia suas asas
Pedaço por pedaço
Depois de seu primeiro voo
Pois voar não era tão grande
Quanto deixar de ser larva
Afinal, que destino teria
O voar exibindo-se
Admirariam-na
E cansariam de sua beleza
Vã e solta.
Quando larva
Ainda havia a esperança
De elevar-se mais
E o sonho de poder ver do alto
Fazia-a agradecida
Por tentar.


Marina Cangussu F. Salomão

Contos


Depois da curva - Pouca Vogal


E sairia correndo feito louca
Com os cabelos voantes e embaraçados
Gritando aterrorizada todas as pragas
Enraivecida do que vira e se tornara.
Mas não rasgaria as próprias roupas
E cuidaria para não se machucar
Pois não fugiria para aquele lugar
Ou qualquer outro corriqueiro
Iria para um que não a sabia
E chegaria apenas com os cabelos
De quem tomou muito vento
E o mesmo muito pisado
Assolado deveras muitas terras
Não como resquício de quem foge
Ou mesmo lembranças de loucura.
Fingiria, continuaria o mesmo
Desenvolveria sua hipocrisia.
E seria perturbada para sempre.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Minha alma

Minha alma:
Leitora de tantas outras,
É frágil:
Amedronta-se ao cheiro
E à presença de outras
Teme suas vivificações.
Ao mesmo tempo
Que não flui ou revigora-se
Sozinha em seus temores
Precisa das outras almas
Para lhe contribuir com mais sopro.
Ela só consegue deslumbrar-se
Quando há distância.
Não sabe ser centrada:
Ela não é racional,
Ela é impulsiva.
Não confia e não se entrega
Ao mesmo tempo louca
Se revela em palavras
Soltas em um cuspe
Que enoja seus outros rostos.
Ela sabe desculpar-se
E martela seus defeitos
E conduz perfeitamente um julgamento
Justifica-se e compreende
Mas fere frialmente com conclusões.
Ela ascende e rebaixa
A si e a suas nutridoras
Devasta-as com tanto sopro
Sugado para recompor-se.
Ela treme e envergonha-se
E ao mesmo tempo se levanta
Com altivez consumada
Como se nada lhe afligisse
Incomodasse e atingisse.
Ela é frágil e chora escondida
E se despedaça a cada derrota
Se perde. Mas se refaz.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Conclusio

Talvez ela só não soubesse
Que as confusões se fariam
Sem pedidos e sem entranhas
Sem entrar suficientemente
Permissivo e contente
E que o que lhe doía
Ou o que lhe coçava
Não existia para os outros
Mas era real como sua visão
Como a diferença 
Entre o que todos viam
Porque cada um via diferente
E talvez fosse tempo
De fazer diferente
Sem permissão e compreensão
Fazer sem doer, sem pecado
Sem importar com as confusões 
Que lhe construiriam depois
Pois o depois ainda viria
E ela tinha certeza
Que nunca perderia
O que lhe segurava e protegia
Porque seu rosto impunha
Muita doçura para desfazê-lo
E para perdê-lo
E mesmo porque não faria mal
Despencar de uma bolha de sabão.


Marina Cangussu F. Salomão

sábado, 26 de novembro de 2011

Ópio

As palavras injetadas rodopiavam por minha cabeça
Em repetição confusa de ordens
Assim como as faces se trocavam repentinamente
Confundindo-me em meu ópio
E de repente não era a face correspondente
E fechava os olhos para não contemplar-me
Solta, solta em loucura sã
Rodopiando com as palavras
Em baile complacente e estranho
Perdendo os limites que me compunham
Em pedaços espalhados
E tentava em vão recolher-me
Juntando as migalhas soltas
Que não aceitavam meu comando
E se estiravam prazerosas e fétidas 
Pelo chão impossível e também solto
Que não me permitia um passo concreto
E me punha a equilibrar insegura
Em ações loucas e desesperadas.


Marina Cangussu F. Salomão

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Subjetiva

Via todos se definharem
Pelo ditado absurdo de ser maior
E se reduziam
Em suas imagens de grandeza,
Cresciam cada vez mais
Deteriorados.
Duvidei de ser o mais alto
Suas devidas determinações
Pois olhando para cima
Não via nada além
Do que lá já estava.
Então parei completamente de ver
Com meus olhos míopes
Que já não viam tão longe
Com a cegueira veio a mudez
Pois já não entenderiam
Minha fala afásica
Labirintando-se subjetiva
No que me parecia concreto
Criado na escuridão e na baixeza,
Distinto de suas construções
Egipcianas e cesáricas.
Passaram a olhar-me
Meio gauche, idiossincrásica
E não questionaram
Para não ouvir.
Mas de qualquer maneira
Ninguém encontrou a grande luz.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Construção vaga

Apenas deixarei fluir
A ansiedade louca
De holocrinar-me
Em palavras
Pela manhã tão felizes
Já a tarde tristes
Diante de todos os afazeres
Práticos e urgentes
A retirar-me a fantasia,
Concretizando apenas
O útil inútil para o ser.
E sem mais buscas
Por sutilezas
Desfazer em desenhos
As que habitam-me
Questionando porquê
Tão inúteis
As perguntas não
Se pautam em argumentos,
E assombram-me
De imensa veemência
À ignorância
E sem ao menos compreender
O significado de compreensão
Encorajam-se a remontar
Sua morfossintaxe
Completa e perfeita
Inundada de vácuos
E vazios anencefálicos
Ah! Perdem em usos terríveis
Tão singular significado
De cada união de letra
Que as compõem
Colocando sua nobreza
Em infundamentos
Expressos em altivez
E segurança pérfida
Construídas em medalhas
Com dois versos diferentes
Moldados na praticidade
Sufocante de cada dia.
Sim, deixarei fluir
Minha ânsia solta
De desenhar palavras,
A duvidar de seu uso,
E ainda mais insignificados
Surgirão de minha obra.


Marina Cangussu Fagundes Salomão