sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Pinga

Não sei se cada pingo é um pingo enquanto pingo.
Ou se originar-se da mesma nuvem os faz nuvem, enquanto nuvem.
Pois, não sei se enquanto pingo devem ser nuvem.
E se enquanto nuvem devem ser pingo.
Também não sei até que ponto os pingos se unem naturalmente para a gota, para a poça, para a nuvem.
E me pergunto se enquanto poça devem ser pingo ou se só poça.
E se como pingo devem se lembrar que estão na poça. Então não são poça, são pingo. 
Mas são poça.
Afinal, será que essas moléculas sabem se são pingo, poça ou nuvem? Ou será que acham que são átomos somente? Ou pensam que são gente?
Pior: e se gente acha que é pingo? 
E se a gente não sabe que é pingo?
Sabe menos ainda que é pingo enquanto gota. E que também é nuvem e que é poça...
Mas quanto aos vários pingos em um mundo inteiro: não seriam uma nuvem mundial?
Entretanto, eu não sei até que ponto tudo isso vale a pena...
Mas, concluindo os questionamentos, pingo é gente ou gente é pingo? Enquanto composição? 
E quanto à composição? 
Ou se isso é só uma oração?

Marina Cangussu F. Salomão

Rito

Eu sou um animal selvagem 
Domado
Guardado 
Todo o instinto de predador

Eu sou sedenta da aniquilação 
De caça
De presa
Do sangue

E se não há caçada
Eu serei minha própria oração
O meu sacrifício

Marina Cangussu F. Salomão

Sadismo

Preciso de teu pedaço
De tua mordida
Preciso de tua pele
De tua ferida

Preciso que me aperte
Que me morda
Que comprima meu pulmão
Que me jogue ao chão

Preciso que me tire o ar
Que me enforque
Me mate
Preciso de você de qualquer maneira

Do cheiro de tua pele
Do amargo de teu beijo
Preciso do teu sorriso irônico
Preciso de seu rosto catatônico

Preciso aqui.
Agora.
Inteiro. Completo. 
Repleto.

Venha antes que passe toda a minha beleza
Toda a minha certeza de te querer
Venha antes que eu mesma marque a minha pele com suas arranhaduras
Com uma nova tatuagem dizendo suas loucuras

Por favor, venha derreter-me
Abater-me
Faça-me pálida. Roxa
Faça-me vermelha de tanto beijar-me

Venha em minha soltura
No meu perder-me
Venha antes de meu descontrole

Antes que arranque os pelos
Antes de invadir-me a dor
Antes de possuir-me outro calor

Marina Cangussu F. Salomão

Erudita

Meus pedaços estão todos despedaçados
Todos em pequenos pedaços
Pequenas migalhas
Esmigalhados 

Prestes a explodir
E se elevarem como partículas
E voltarem-se como gotículas
E rolarem por entre formigas

Loucos por serem um
Por serem unicamente
Por sempre corpos de um só corpo
Por serem soltos

Sedentos por ir-se pelo ar
Sem remeter-se
Sem esconder-se
Sem esvair-se

Na verdade
Eu sou um vulcão prestes a erudir
Prestes a erodir
Erudita

Marina Cangussu F. Salomão

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Se olhássemos as origens 
Entenderíamos suas vazões...

Marina Cangussu F. Salomão
Às vezes me seria apenas o sol quente e mormaço.
Mas o vento forte insiste em mim.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 24 de agosto de 2014

Falésias nas falácias

Nada mais belo do que o ser-se por natural
O deixar dos remos 
O permitir dos ventos
O ir-se indo pelo movimento de pés
Sem nascimento de esforços 
Ou de loucuras desvairadas
Apenas loucuras apaixonadas
Pelo nascer por entre frio ventos e chuvas
Ou por entre o sol
Em meio ao seu excitar de elétrons 
E fazer de gases nobres.
Apenas o fazer nascer você
Pelos seus próprios átomos. 
Tua própria imensidão.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Fuga de ideias invisíveis - Asa ritmada

E nessa asa ritmada
Não sei se subo ou passo
Não sei se vou ou faço
Se tenho rumo ou traço
Só sei que fico
Na amalgamada
Da alma degenerada
Meio descabelada
Entretanto quadriculada.
E sei que canto meus contos pelos cantos
E noto se ferem outros tantos
E se geram outros santos
Porque meu ritmo é esse da santidade
De qualidade e brevidade
Meio inteiro sem parâmetros
Sem retângulos e metros
Mas de meu ritmo sei também que são vaidosos
Outras vezes escandolosos
E é por isso nunca serei mudo
Nem tudo. Nem nada

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 17 de agosto de 2014

Domingo à noite

Para Adson EGS

Há quem diga que os remos são como peixes afobados, 

desesperados pela pressa do sem sentido. 
Sem rugido e sem entrega. 
Afinal, para que o remo se as portas virão cada uma à sua vez. 
Cada uma uma vez. 
Se não para para boiar, 
todas as molduras passarão. 
Sem direito a voltas. 
Sem direito a vistas. 
Porque a correnteza já se foi. 
E o cardume também mudou. 
Se não contempla, 
nada terá o gosto do eterno. 
Do etéreo eternizado: 
essa mágica sagrada do instante. 
Essa marcha sagrada do passante.

Marina Cangussu F. Salomão

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A minha alma apodreceu muito antes de nascer
E eu perdi tudo... Antes mesmo de ter.


Marina Cangussu F. Salomão

Naufrágio

Está tudo molhado
Tudo inundado
Tudo perdido
Achado pela água 

Está tudo encharcado
Tudo alagado
Tudo moldado
Refeito na eira desmoronada

Está tudo sumido
Tudo esquecido
Bem sem sentido
Nos extremos de meu condomínio

Marina Cangussu F. Salomão

Pedaço de ritmo incontido

Que passa coração
Tu neste teu órgão ritmado
Não sabes da complacência da vida
Pois nada faz-te sangrar em ferida

Que passa coração
Se pouco sabes da resistência de teus canos
Apenas espera o rugido nos teus planos
Enquanto esbanja-te em tua sofreguidão

Que passa coração
Acreditas na absolvição de teus condenados
Como se os anos passassem alterados 
E tudo ficasse em vão

Que passa coração
Quando até em ti te mudam o gingado
E mais rápido faz-te teu ido sem voltado

Que passa pedaço de músculo especializado
Que faz-te desordenado?

Marina Cangussu F. Salomão

Sobrado

Suavizado
Sintonizado
Situado.

      Sobrado
      Soldado

Marina Cangussu F. Salomão

Do ver ouvir e falar

Eu tive que gritar várias vezes em meu ouvido
Eu tive que gritar
E eu gritei
Eu me esgoelei
Mas eu nunca ouvi
Eu nunca vi as ondas de meu som me atingirem
Então silenciei o suado e suavizei-me à janela.
Eu tive que ver passar: 
Os passageiros, os passantes e os passados
Eu tive que me debruçar
Eu tive que ver os futuros passados passantes
Passantes escancarados passados
E os passageiros de meu próprio voo passando
Eu tive que ver passar
Porque o meu grito reto nunca atingiu meu ouvido oblíquo.
E eu nunca disse a mim mesma.

Marina Cangussu F. Salomão

domingo, 10 de agosto de 2014

A velha estrada de tijolos amarelos

Para Tico Salomão, pois foi quem me ensinou a estrada que deveria seguir. E hoje, ainda nela e distante, desejo com todo o carinho uma parada rápida no final, para ao menos abraçá-lo e dizer que o amo, mais do que o mais impossível. (Eu te amo, Pai)



E fui andando pela estrada de tijolos amarelos
Que desde muito me disseram na infância
Segui sem saber onde pisava, se parava ou ia
Mas rememorava sempre aquela fala
Que dizia que ele seguiu
Então repeti

E andei pela estrada de tijolos amarelos
Era ela apenas o sonoro de meu coração pulsante
Era o sonho, o dream murmurante
Me dizendo sempre para buscar o que era meu
E a voz me era tão familiar
Que segui

E cheguei ao final da estrada de tijolos amarelos
E era tudo o que sempre pedi
Porque mesmo na coragem de ir-me pelo meu eu
Soube ao final e desde o começo
Que caminhos guiados por sonhos nos levam para casa
Para o axis rodeado pelo amor mais seu

Marina Cangussu F. Salomão