segunda-feira, 30 de abril de 2012

O jovem da mesa ao lado


Sua vida é tão vazia e silente
Que deixa passar sem atê-la
Sem sentir o xadrez de seu chão
Nem vê a dança disforme
Das pétalas que caem avulsas
Nem o passar ligeiro
Dos trêmulos vidros ao vento
Não percebe o contorno
Da água que dança no chafariz
Nem a tristreza lânguida
Das velhas nas praças
À espera da morte: esperança dos maridos
Nunca esbarrou com o sorriso inquieto
Dos olhos azuis das meninas
Nem lhes ofereceu uma flor tímida
Nada. Nunca viu nada
Trancado naquela mesa.

Marina Cangussu F. Salomão

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A guerra

Na guerra da luta constante
Disputam os desastres,
O maior crime
Cometido ou pressentido.
Concorrem horrores
E desolações,
Na vista cada dia maior,
Petrificadas as almas
E perdida a fé.
Na guerra da luta de todos os dias,
Manter o vivo e respirando
Em enxangue vermelho
Não há mérito algum
No heroísmo¹
Nem na luta ardente
Da perda de partes
Soltas ou suas,
Perde-se os pensamentos,
A alma,
A consciência
De ser-se animal.
E resta apenas a imortallidade
Recheada de promessas
De super-homens,
Dos desumanos.
E muitos saem ilesos na aparência
Mas nenhum volta a ser como antes²

Guerreio todos os dias
Desde abrir os olhos
Até fechá-los
Em cada pisco.

Marina Cangussu Fagundes Salomão

¹ ² Isabel Allende in O Plano Infinito

Avesso

Ele não era perfeito para mim 
Nem possuía todos os apetrechos
Que minha fronte vintesca desejava
Tinha a doçura que meus dias anulavam
E não favorecia as retóricas de meu prazer
Nem sabia consumir-se em palavras
As lidas, faladas ou deambuladas
Deleitava-se em meu tédio
E irritava-se com meus agrados
Sucumbia no êxtase de minha argumentação
E discorria das felicitações com o vão:
Vazio e infinito como suas imensas horas.
E isto que me impressionou
Fazendo olhá-lo e completá-lo
Em minhas vils teorias
Debochá-lo em desinteressanteza
E de tantos cálculos e arrogâncias
Senti o rodopiar de suas travessuras
Do vento que o acompanhava nos pensamentos inexos
No instante charmoso que nunca vi passar
Intrometido em suas horas estranhas
De espontaneidade e singileza
E no afeto de seu olhar carente
Vi-me intranquila e infirme
Ridicularizada por minhas falas
Como ninguém via.


Marina Cangussu Fagundes Salomão

Os anos

   Disseram-me que poderia deixar de respirar para voltar à respiração ainda mais tranquila de um céu de boas promessas. Então fechei-me ao ar e adormeci esuqecida. Mas ao acordar de meu coma, minhas células haviam esuqecido de funcionar e rodopiar no esbanjo de tudo. E o que me restavam eram dores, hematomas e desconcertos de um inferno-fogo que nunca soube existir.
   Os pulmões não sugavam o ar ardente para não lhes queimar as entranhas. E as pupilas não sabiam se adaptar à luz vermelha nem mesmo à sua função de ver, pois fazê-la era o que mais doía e destruía as poucas células que tentavam sobreviver.
   Tudo parou. Enferrujados, sofrram a angústia da disfunção, da ausência de planos e do medo de tê-los.
   Não tinham mais por que vida lutar: as pernas se esqueciam que passos dar, o cérebro que pensamento ativar.
   Estavam confinados ao tal coma, sem botão propulsor, sem engate.
   Sem nada além da espera.

Marina Cangussu F. Salomão

Pés de saltos

Desejava fechar os olhos calmamente
E sentir o agir de meus passos
Na sinfonia que agora envolve
E vê-los saltar doces nos ritmos
Na delicadeza de cada toque
Como a sutileza das palavras
Unindo em som e canto.
Desejava sentir o passo que não sou
E nem sou poeta
Muito menos o nadar das águas
Por entre o espaço dos corpos
Nas notas ladrilhadas
Que sou apenas o fundo seco
Desejando os pés dos passos.

Marina Cangussu F. Salomão

Diamantes e Pérolas

Por que meus tantos autores vagueiam em tijolos longe de mim
E não vejo pelos rastros seus passos
Nem sei seguir meu próprio
Fazê-lo só

E deles resta-me a imagem deixada no reflexo do sol
Deixada ao acaso de mim por anos
Para encontrá-la solta
E fazer-me

Mas minha construção é solta, vã e sem contorno
Sem os doces limites de seu tempo
Voa fugaz só por mim

Marina Cangussu Fagundes Salomão