quarta-feira, 29 de maio de 2024

Coqueiro

Acordei muito cedo, todos na casa ainda dormiam. Eu ouvia só o som dos pássaros a despertarem.

Era tão lindo e sedutor aquela cantoria feliz de mais um dia, que resolvi persegui-la com minha humanidade.

Decidi pegar a estrada, com  os pés que Deus me deu. 
No caminho vi tantas belezas, que o meu coração preencheu.
Flores ainda molhadas do banho matinal de orvalho.
Teias de aranha tão bem desenhadas, que soavam orquestral.
Pássaros pulando nos galhos ou nos pastos defendendo seu ninho.

Eram tantos sons, queria saber nomeá-los.

Quantos vezes fiz esse caminho com meu pai enquanto ele dizia: o
Olha o Anú defendendo seu ninho, não vai lá. 
Bem-te-vi, Sabiá, Maria Pequena, Sacola. 
Sofreu, Fogo-pagou, Cardeal, Inhambú-chororó.

Eu ouvia também as águas. E algumas fontes que nessa época de seca se tornam tão pequeninas que ficam quase silenciosas. Só esse horário de vida nascendo é que diz, ou os pássaros apontam.

E quanto mais eu andava, mais surpresas me apareciam:
Cheiro de aromáticas e de Maria Fedida.
Nuvem cansada que se deitou a noite para descansar e agora se alavancada.
Borboleta-Gema com seu bando a me acompanhar.

Eu estava feliz com o sol já batendo nos montes, me cuidando para não entrar no mato e pegar um carrapato. 
Quando encontrei o coqueiro triste.

Ele estava cabisbaixo na beira da água.
Suas folhas caídas. Com ar de cansado.

O sol, a água, os pássaros e a montanha:
Todos estavam lá.
Mas ele continuava tristonho.

Perguntei-lhe o que sucedia: 
Ele me disse que morria.
E que a morte pode ter essa cara de triste. Mas era só um pedaço da vida.
Ele estava até feliz, sentiria saudade de ser coqueiro lindo e formoso, mas havia vivido o que lhe cabera viver. 
E quando sua morte se concretizasse e ele voltasse a ser terra, seria feliz dar chão a uma nova árvore, alimento a novos seres, absorver a água úmida e elevar a montanha.

Voltei para casa pensando que a vida é toda linda, inclusive morrer.


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Mãe D'Água

Ainda trago o Tapajós em mim

Entremeado em meu cabelo
Que não tive coragem de retirar
Quis deixa-lo um pouco mais entremeado em minha essência

Encontrar-se com um rio
Há muito de reverência.

É a mãe d'Agua com a mãe Terra que se unem em prazeres para nos dar a vida
Os outros apenas desconfiam: o amor nasceu primeiro das mulheres
A união dessa força poderosa e pacífica que vive e destrói o que lhe impede de seguir seu destino.

A mãe d'água
Poderosa e cristalina
Nos permite adentra-la
Quando entramos em um rio.
Quanto sagrado
Quanta reverência
Ser envolto completamente
Correndo o risco de ser muito feliz ou de se afogar.

Peça sempre permissao antes de adentrar uma mulher.

Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Vão

 Um vão


Pode ser


Um pouco


Vil


E vazio


Vulnerável


Um vão é entre


Entre meios


Entre saídas


Entre entradas


Ele é um ir


Que ainda 


Não foi


Um vir


Incerto


No futuro


Mas um vão


É uma oportunidade


De fugir 


De seguir


De decidir


De pausar


Em Minas um vão 


É topar!


Vão? Vão!


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

sábado, 25 de maio de 2024

Desejo raro

 Neste exato momento eu não desejo nada.

É um raro momento em minha vida

Se é que já tenha existido.


Devo celebra-lo.


Celebra-lo é desejar a celebração

E desfazer-me de minha raridade


Então, me mantenho estável no Não 


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Sertão

 Ser tão pleno


Na secura


No rachado


No calor


No vento sem chuva


Ser tão lindo


No que é teu


No seu tempo: 


De flores


De chover


De brotar


De comer


Ser tão seu


E nada mais.


Quem disse que é difícil é porque nunca tentou viver:


Ser tão apaixonante


Ser tão terra, chão, raiz


Ser tão força 


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Mergulho

Mergulho nesse mar profundo

E perco as forças da razão

Olho em volta e tudo é água ou emoção


Me afogo? Ou dou vazão?


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Recortes

 O sol desde sem pressa 


Seu caminho atrás da montanha, do mar, do rio.


Todo dia ele muda um pouco o tempo,


Definindo o tempo do mundo.


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Silenciar

Silêncio


Silêncio se fez quando o sol adormeceu


Ser celestial

Divino

Imponente


Também se faz silêncio 

quando ele comanda e controla tudo 

com sua luz e calor 

às 15 da tarde


Silêncio

É reverência

Admiração


Silêncio

Para ouvir o sol murmurar:


Shh acalmem-se,

Silêncio.


Marina Cangussu Fagundes Salomão 

Rio resiste

O rio desce com pressa

Seu caminho para o mar

Depois que as ondas param de entrar

Liberta-se da opressão

De tantas águas impedindo lhe a vazão

O rio vive isso diariamente

Ele entende de resistência 


Marina Cangussu Fagundes Salomão