quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Infinitude de um parto

Aparecia grande, com resquícios luminosos de uma vida infinita. Gigante. Incontrolável. Terrível.
Era a vista que tinha daquela cidade após um ano: 12 meses de abuso físico, emocional, quase sexual. Abusos e desfechos constantes.

Tudo começa nas buscas forçadas de onde estar, negando a resposta óbvia e pronta, culminada em descoberta de gritos, choros e desesperos de um "eu não quero ir". Não! Eu não queria ir: não queria mais um parto prematuro a termo, porque mesmo completado o tempo não haviam contrações. Eu nunca tive tempo de contrações, sempre me tiraram antes de minha vontade.
Mas não importa. Fui. E a casa era silêncio quieto e aterrorizador. A tarde soava longa, amarela. O mundo distante e eu em torre alta. Quadrada. Nas linhas: ausência, trabalhos, serviços, ocupada.
E foi-se indo tempo... Foi-se indo falsos... Esquecimentos. Na memória nada além de sentimentos, que não se deduzem em dicionários, não falam, nem calam. Segredos.
Após um ano de derrota: a volta. Por escolha, não por babaquice. Por vexame, enxame de caminhos. Ou talvez pelos sonhos e suas ruas.
Talvez um abraço, um perdido, um fim, algumas palavras poucos ouvidos. Um retiro. E nele um deus que eu deixei de amar: era um deus forjado, forçado, enfiado goela abaixo. Diferente do paciente, consolador,que permitia minha inocência.
Inocência essa arrancada em discursos constantes e castrados de ciência e gozo e só. Eis a vida e seu significado: um prazer de 10 segundos.
Mas não era bem o que eu queria. Desejava apenas o instante. A epifania. O prazer de ser sem fim. Em que o tempo só acaba quando decido me movimentar.


Marina Cangussu F. Salomão

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