domingo, 8 de fevereiro de 2015

Tonico e Carniça

O Tonico apareceu naquela manha quente em terra desconhecida, em meio a pombos, pragas e gente adormecida.

Já era quase meio do dia e restavam-me diversas ruelas a percorrer em meu ultimo dia por Istambul. Cidade fantástica de cores quentes, mas não vivas, pois secavam-se ao sol. Que apesar de escaldante, maravilhava a vista ao entardecer. Ultimo dia e uma expectativa imensa de perder: me perder pelas esquinas de construções emboladas e superpostas por suas variadas épocas na historia, estreitando ruas com gentes, gatos, carros e barganhas. Que se embaraçavam harmonicamente em seus cantos e cheiros de narguilé e cigarro. E também perder aquela vista sem expectativa de retorno. Pois não me cabe esperança para quando todos os átomos do mundo se reunirão novamente naquele mesmo formato.

Estava ali, próxima aos 25. Desolada. Perdendo a minha ultima menina, perdendo as minhas horas, perdendo.me em ruas e perdendo mais um continente. Perdida. Sem rumo. Sem casa. Poucas malas. Quando no meio fio, junto a tantos homens carrancudos vestidos de preto a combinar com as grandes barbas, me perdem uma escova destas de engraxate. De algo que não vi se foi ao chão. Sem nada percebê-la ali perdida e só.

Abaixo e observo.a. Possuía cerdas desgastadas, amareladas, ressacadas. Estava a tempos para se trocas. A madeira que lhe era base estava repleta de arranhões, riscos, usos. Era velha e suja de graxa, mas não parecia ter sido descartada no meio do caminho. Ela ainda pertencia a alguém que não lhe notava o sumiço.

Olhei em volta e rodeei o entorno com um olhar tao rápido que não fosse pela cor destoante nunca me daria com aquela cor pálida em meio ao preto dos casacos de inverno turco. Pálido como a escova. Seu dono, companheiro e talvez amigo. Um engraxate manco, de roupas puídas, amareladas, sujas, desgastadas. Chamei "Sir". Vários homens me olharam e retornaram aos seus passos em seguida. Menos ele. "Sir". Nada. Levantei. Corri. "Excuse me, sir. This is yours". Ele me olhou. 

Eu estava vestido o meu casaco preto, de coro, que cobria me como um vestido, reluzente naquele clima. Meu cabelo recém lavado descendo em cachos bem formados e hidratados. Minha pele branca, meus olhos claros destacados pelo rímel, minha boca vermelha. Eu estava linda. Eu sabia.

Ele me olhou. Olhou para a escova que eu o entregava. A pegou, levou-a junto à mão ao peito e agradeceu em uma língua que não entendia. Mas nem sempre é preciso palavras para dizer.

E fui.

Ele veio mais rápido ao meu encontro e ofereceu.me engraxar meus sapatos: já bejes pelo marrom desgastado, ha muito usado e de muitas estradas andadas.

Ele se abaixou humildemente, preparou sua caixa e ferramentas e renovou-me os pés. Fez de minhas botas novas, agradecido por lhe devolver o que tinha.

Marina Cangussu F. Salomão

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