segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Chapéu de camurça

Havia um senhor hoje, meio largado, meio jogado e completamente bêbado, entrando no supermercado. Estava bem vestido, mas mal apessoado.

Entrou dançando o corpo, não sei se pela música interna ou pelo álcool. Sorria para os que estavam na fila (lá estava eu).

Sorri de volta, porque achei interessante aquela cena: um bêbado bebum bem vestido em pleno Funcionários, em um supermercado de boa reputação.

Ele parou atrás de mim pegou qualquer coisa ao alcance da mão e disse: o que está escrito aí?

Ele lia a minha pele: "Agora és livre, se ainda recordas."

Parei, olhei em seus olhos e senti o cheiro de cigarro e álcool que vinha daquele rosto de sessenta e poucos anos com um chapéu de camurça de marca.

Depois de retribuir o olhar ele gargalhou discretamente. Virou para tras e repetiu a frase a outro cliente. Voltou-se para mim e disse: o presidente do Equador, um país da América do Sul, disse liberdade para tudo e para todos exceto para o mal e para os maus.

Gargalhando novamente continuou: ele morreu assassinado.

Nos enxergamos.

Fui chamada: próximo.
Despedi-me e pensei qual de nós era mais livre naquela ironia de vida: preso ao vício ou preso ao futuro.


Marina Cangussu F. Salomão


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