terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Relatos

Cristiano chegou na escola no primeiro ano escolar: uma criança com os cabelos bem loiros e bem crespos. Como todas as outras, ele estava sedento por descobrir aquele mundo das letras que ainda não o pertencia.
Sentou-se no primeiro dia, no segundo, até o final do primeiro mes, mas haviam tabtas outras coisas em seu mundo para que compreendesse e a esvola nao o ensinava, que aquele mundo ali perdeu-lhe a graça. Depois de um mes, entao, raramente parava quieto: nem por suplica da professora.
Chamaram o pai: nao tinha. Chamaram a mae: só viajava. Veio a avó, com sua bolsa de colostomia mal cuidada, para a reunião com a professora, discutir o comportamento de Cristiano.
E a avó dizia: "esse menino é capeteado. A mãe dele, aquela bundona, vive levando droga por ai. Nao quer saber dos filhos, e eu ja nao aguento mais. Nao quero saber desse menino".
A escola em que Cristiano estudava beirava as tres principais favelas da cidade e acolhia todas as crianças carentes da regiao. As situacoes sociais ali eram precárias. Mas se fazia o que podia para alfabetiza-los. Quando possivel.
Cristiano nunca conseguiu ficar quieto na sala e prestar atencao. Nao conseguiu aprender a ler e apos dois anos de repetencia, ele sumiu da escola. Na epoca provavelmente com seus 9 ou 10 anos. Esperto o suficiente para levar coisas daqui para ali.
Aos 16, apareceu novamente por la com pressa de aprender a ler e a escrever, o minimo que fosse. O fez em 6 meses ou 1 ano, e na escola nao voltou mais.
Poucos anos depois se ouve entre os professores a noticia de que seu nome agora era Xisto e que ele estava preso por assassinato. A professora que o recebeu no primeiro dia de aula de sua vida ainda tinha um retrato com toda a turma e ele: o menino de olhos sedentos e cabelos claros, caracteristica que o destacava, pois naquelas fotos quase todos eram negros, exceto a professora.
Tempos depois passou no radio que ele havia fugido da cadeia em uma rebeliao dos presos e que agora ele era o " Dono do Morro do Cemitério": andava de carrao, muitas mulheres e naquele cidade do interior nao ficava muito tempo mais. Vivia viajando, como sua mae.
Teve seu tempo de gloria. Completou 25 anos, como poucos de seu tipo completavam.
E aos 31 anos foi morto com 19 tiros, na garagem do predio em que morava na capital do estado. O morro ja havia sido tomado por outro grupo. E agora os bandidos da capital, amigos do Xisto, iam todos para la vinga-lo e tomar o morro de novo.
Na cidade, a professora so ouvia as noticias de medo: os bandidos da capital vao invadir nossa cidade. Ninguem mais ficara seguro nas ruas. E no velorio do Xisto, nem os amigos da capital.

Marina Cangussu F. Salomão

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