segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Rio

Pus o pé na água.

O dia estava quente e o ar muito seco, a pele torrava e rachava, o nariz não conseguia sentir o ar. Cansava. O calor cansa.
Então fugi _ eu gosto dessa palavra. Saí correndo com companhia, com um rumo mal arrumado. No meio do mato. No chão de terra.
Assim, sem hora para parar.
Fugimos.
Tinha algumas angustias comigo: umas coisas que disse sem dizer por completo. Eu estava muito tagarela esses dias. Precisava ir-me embora correndo, pedalando, sem fôlego, para me calar.
Então fui. Olhei ainda sem conseguir ver no princípio da trilha. Senti o vento pinicar o meu braço, ao invés de acariciar.
Estava rápido aquilo tudo: a velocidade do pneu, a velocidade do pensamento, a velocidade dos sentimentos.
Não me perguntei o que é que eu sentia. Não sei dizer: eu o amava.
Sim, aquele meu parceiro de estrada. 
Mas eu me doava tanto e pedia tanto que aquilo tudo me sufocava. Eu tentei. Juro que me esforcei: Segurei os meus amores transloucados de rotina, evitei afogá-lo em minha avalanche _ já afoguei outros antes, e a esse não quero machucar. E ele também não quer afogar: vive me empurrando para o lado, pedindo para respirar.
Ele me confunde. Eu me confundo. É isso. Com esse amor diferente que nunca senti (e olha que já tive muitos amores para sempre).
Fui, mesmo com ele comigo. Fomos.
A estrada de terra trepidando minha bicicleta sem amortecedor: quem sabe assim as coisas aqui dentro se reorganizam.
O ar continuava seco, a rota um pouco confusa e sem ter destino: bem igual o rumo de nosso desejo comum.
Fomos correndo, porque essa evasão desesperada é típica de nós dois separados e nós dois juntos.
Em sei lá que tempo, quando os pulmões ainda não estavam exaustos, o mato nos acalmou. Ele nos presenteou com a imagem mais linda para esse momento de angustia por estarmos juntos (duas almas livres).
Era simples: uma casa branca velha, carcomida, só de telhado, na beira de um rio que se alargava e dava algumas poucas voltas lindas no verde; o sol se punha; o vento fazia as árvores sorrirem; os pássaros jantavam os peixes da superfície. Vários tipos de formigas, besouros, pássaros, sapos e peixes. Vários sons silenciosos. Várias cores variegadas.
Vários nós se dissipando e desfazendo.
Meu pensamento se aquietou e eu quis dizer que ele podia ficar do meu lado, mesmo em nosso fim de dia. Indeterminado. Fique indeterminado.
Eu não disse. Eu só senti.
Eu pus o pé na água. E ele também.

Marina Cangussu F. Salomão

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