Ainda que eu tivesse o conhecimento
de todos os mistério e de toda a ciência;
ainda que eu falasse todas as línguas,
se eu não tivesse o amor, eu nada seria.
Foi naquele momento em que pude deitar-me na cama, ainda leve, ainda borboleta, com as asas resguardadas para o descanso. Pronta para acalmar-me de novidades que chegavam como as gotas em tempestade. Depois de todas as festas e comemorações; depois de toda exaltação. Quando o público tão contente diante de meus raios brilhantes volta para casa, para sua própria vida.
Depois de todo o meu vislumbre e da emoção de ter nas mãos tudo o que quis, e tê-lo da forma mais encantadora e rumorista. Tê-lo plenamente após tanta perda e tanta luta. Tanta renúncia. Quando tinha tudo o que por anos chorei escondida, escondendo de mim mesma a derrota.
Quando tudo estava perfeito, cintilando em seus detalhes, brilhando qual vaga-lume em mata escura, e meu sorriso vinha até no sono sem bons sonhos.
Que deitei-me para assimilar todas as apressadas boas gotas que me atingiram depois de tanta reza e tanta dança pela chuva. Quando recompuz o fôlego, que percebi que ainda não estava completo.
O vazio insistia em perambular-me insosso.
E sem a meta a ambicionar e sem todas as pessoas a encher-me de elogios e falas de boa eloquência; sem todo aquele terremoto de querer e ter, o silêncio parecia carcomer-me (desta vez lentamente) e o vão entre a porta fechada e a cama parecia se expandir, expandindo o quarto e sua solidez desvairada em nada.
Eu tinha tudo, eu podia ser tudo. O sangue de minhas asas ainda ferventava da experiência de voo tão alto e longo, sem modéstia e sem limites. E sabia que ele poderia ser cada vez mais alto.
Mas naquele instante de conquista, de ganhar para mim e ter o que era meu, com o mérito reluzindo alto meu nome; percebi que não havia sentido algum o que fizera até ali.
Porque apesar de meus braços serem maiores e abraçarem um mundo, jurando-me mais e esbanjando possibilidades, ele se reduzia a mim. E a solidão por entre as paredes desfazia o brilho tão reluzente de meus troféus.
E naquele momento pensei pela primeira vez que de nada adiantava ter tudo se não havia com quem dividir.
Afinal, minha novidade já havia se transformado em cotidiano e as novas exigências se desenhavam batendo à janela insistentes. A rotina ia voltando com a necessidade de novos planos e a ambição avisava-me rouca de tanta fala, que havia muitos outros passos a dar e que o que tinha em mãos era pouco já que cabia entre meus cinco dedos.
E só.
Não haveria um tempo para sentir com emoção amenizada tudo o que havia, porque parar era o momento ideal de ver as perdas e sentir de fato suas faltas.
Parar era o momento de perceber quantos outros estavam lutando pelo espaço no mesmo degrau, e ver neles os pedaços ausentes que o espelho da ilusão impedia que visse. E perceber que esses pedaços deixados para trás faziam falta e impediam a integridade de um corpo, sem partes, a não ser as asas. Pois um voo tão alto quanto aquele não possibilitava pesos, por isso eram deixados na ganância de ser.
E foi naquela passarela de pensamentos que percebi que ser assim tão alto como desejava requeriria-me saber voar sem abdicar-me da completude. Só assim seria realmente reverenciada, única e feliz.
Então deveria equilibra-me entre as exigências da ambição e o desejo de voar plenamente e completo. Deveria, no espaço de minhas preocupações e dedicações, dedicar-me também àquilo que diferenciaria meu sorriso perante os vitoriosos. Pois meus lábios saberiam que depois de toda algazarra e todo esplendor, não ficariam sozinhos, nem livres. Mas seriam capazes de subir até onde o passo a dois permitisse. e eles permitiam mais: pois quando algum pé cansasse teria o outro e depois o outro e o outro.
Marina Cangussu F. Salomão
Gostei muitoo... !!!
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