Você se concentra demasiado nos horrores.
Era o que dizia meu pensamento, sentado a minha frente em forma de gente. E
eu me respondia que era desde quando me mudei para aquela terra de céu curto e
chão que prende o rosto e o espírito.
Mas eu mentia, para fugir do diagnóstico.
Era assim desde quando minha memória falha e a única matéria que guardou
foi aquela melancolia nos fins dos dias, misturada com a saudade de um dia só.
Nasci melancólica e depois.
Nasci com defeitos.
E ninguém viu nas tosses secas repetidas e sem motivo, nos choros
incoerentes da birra da infância entre brincadeiras com bonecas apenas, nos
pedidos de cuidado pouco arraigados, nos incômodos na garganta me sufocando,
nos tiques milhares e diversos, e tampouco viram nos meus pensamentos, que eu
era só, desde que nasci.
E agora ninguém vê nos medos repentinos nem nas ideias sem controle.
Aprendi-me com o tempo e descobri como burlar minha própria razão.
E para ela sou sã. Para eles sou normal. Apesar do estresse, do excesso de
chocolate, da revirada dos olhos, dos prantos escondidos, do medo indefinido:
normal. Independente da fuga e da falsidade: de justificar nos livros e ser tão
livre.
Só não sou livre da dor, que sinto ao confessar tudo isso.
Marina Cangussu Fagundes Salomão
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