segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Doce sonho queimado

Os transeuntes se apressavam através da bruma,
como se lhes fosse importante chegar 
um pouco mais cedo, aqui ou ali:
no fim, todos morrerão, e eu também [...]¹
Enquanto passava apressada,
Junto ao vento vinha um cheiro doce
Que entorpecia-lhe o estômago
Em fome e enjoos:
Era uma mistura de doce queimado
E suor de gente que não se vê
Que enojava em meio ao prazer
Estranhamente.
E ficou a pensar se todo aquele suor 
Exalante de correrias e insignificações
Bastaria-lhe para criar poucas palavras,
Se a pressa dos passos mudaria 
E altivaria algum instante,
Se aqueles pensamentos por si
Fariam alguma diferença.
Se, afinal, seus sonhos seriam capazes
De alterar toda aquela pressa
E tornar agradável aquele cheiro,
Mesmo em sua realização
Ou na concretude final.
Se seu sonho humanitário não era senão
A busca pela paz de sua própria consciência.
Se, afinal, na realidade, 
Os atos realmente importam
Ou são porosos como esponja
Que apenas absorve
E perde em si o que possui
Sem amplificar-se em significados.
Ou mesmo se estes significados 
Deixariam a significância
Para algo maior por vezes já tentado.


Marina Cangussu F. Salomão

¹Simone de Beauvoir in Os Mandarins

Um comentário: